A 25 de Junho, o tenente Osvaldo Caholo, de 27 anos, completará um ano de prisão. Trata-se da décima quinta vítima do célebre 15+2, referente ao grupo dos jovens que foram detidos por terem formado um grupo de estudo sobre métodos pacíficos de activismo cívico. O então oficial da Direcção de Inteligência Militar Operativa da Força Aérea Nacional foi detido mais tarde, em sua casa.
Osvaldo Caholo foi condenado a quatro anos e meio de prisão em Março passado, vai responder novamente em julgamento, desta vez militar, por extravio de documentos secretos.
Já poucos se lembram de que, após a detenção dos 15, a 30 de Junho passado, foi detido o capitão Zenóbio Zumba, do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM). Foi ele o décimo sexto elemento do grupo acusado publicamente pelo procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, de preparar um golpe de Estado e de atentado contra a vida do presidente José Eduardo dos Santos.
Para se provar a teoria do golpe, era preciso o envolvimento de militares. Para o efeito, estabeleceu-se um nexo causal entre o capitão Zenóbio Zumba e o tenente Osvaldo Caholo, pelo facto de terem sido colegas no curso de Relações Internacionais, na Universidade Técnica de Angola, em 2011, quando Nito Alves – um dos condenados – tinha 14 anos. O capitão esteve detido até Fevereiro passado e também vai a julgamento no mesmo processo, acusado de ter passado documentos secretos a Osvaldo Caholo através de pen-drives do SISM, que usava também para os trabalhos académicos. Ambos os militares são agora acusados apenas de crimes de extravio de documentos militares e divulgação de segredos militares. Antes, Osvaldo Caholo era acusado pelo Tribunal Provincial de Luanda de furto de um documento militar confidencial que “o Serviço de Inteligência Militar, através do general António José Maria, enviara ao Presidente da República, na qualidade de comandante em chefe das FAA”. Na acusação, o juiz Januário Domingos mencionava que “o referido documento foi apreendido pelo serviço de investigação criminal na casa do próprio réu”.
Nem o Tribunal da Região Militar de Luanda nem o Tribunal Provincial de Luanda alguma vez explicaram se tais documentos secretos foram parar às mãos de Domingos da Cruz, Luaty Beirão e companheiros e que uso estes lhes dariam para preparar a rebelião pela qual foram condenados.
O manual de não-violência que Domingos da Cruz compilou como guia de estudo do grupo foi lido na íntegra em tribunal. Nele se rejeitava liminarmente o envolvimento de militares ou o recurso a golpes de violência. Precisariam de informação militar para quê?
É preciso lembrar também que, nos argumentos finais, o Ministério Público substituiu a acusação de que os jovens preparavam o assassinato de José Eduardo dos Santos pela acusação de que se constituíram em associação de malfeitores. Como? São questões a que o poder judicial apenas responde com a força do poder autoritário e a propaganda oficial, que procura sempre estupidificar os cidadãos.
Estranhamente a Procuradoria Militar acusa Osvaldo Caholo de ser militante do Bloco Democrático, o mais conhecido dos partidos políticos sem assento parlamentar, mas não o liga a qualquer movimento de activistas, que foi precisamente o que levou à sua condenação. Então aquilo que o Serviço de Investigação Criminal descobre, o serviço de Inteligência Militar não tem como saber?
Criar confusão na mente das pessoas é uma das grandes especialidades do regime, e a justiça segue a mesma estratégia na defesa dos interesses do poder.
Confira a análise jurídica sobre a nova acusação que pende contra o tenente Osvaldo Caholo e o “reaparecido” capitão Zenóbio Zumba, que havia prescindido de solidariedade pública para não ser confundido como activista, que na verdade nunca foi.
A acusação militar
Na sentença proferida pelo nosso já conhecido juiz Januário Domingos, o tenente Osvaldo Caholo foi condenado por crime de actos preparatórios e de associação de malfeitores, mas viu sustido o processo quanto ao crime de furto de documentos, por aparentemente coincidir com um processo militar que corria trâmites no Tribunal Militar da Guarnição de Luanda.
Osvaldo Caholo é efectivo das Forças Armadas Angolanas (FAA), destacado na Força Aérea Nacional desde os 18 anos.
A 30 de Março de 2016, foi proferida a acusação militar.
Mais uma vez a questão é bizarra.
A regra básica acerca do julgamento dos crimes eventualmente praticados por militares foi estabelecida pelo Supremo Tribunal enquanto tribunal constitucional através do acórdão de 11 de Outubro de 1996, segundo o qual os crimes militares praticados por militares eram julgados em tribunal militar, enquanto os crimes comuns seriam julgados em tribunais comuns.
O juiz Januário considerou que os elementos constitutivos do crime de furto de documentos teriam natureza militar, remetendo essa parte do processo para o tribunal militar. A bizarria é que não se encontra nenhum crime de furto de documentos no elenco de tipos criminais constante na Lei dos Crimes Militares (Lei n.º 4/94, de 28 de Janeiro). A tipificação criminal encontra-se entre os artigos 17.º a 48.º. Nada consta aí sobre furto de documentos.
Por outro lado, atendendo à vacuidade da acusação comum, nunca se percebeu muito bem os elementos que constituíam o crime de furto de documentos, nem de que maneira é que eles entroncariam no crime de “extravio de documentos e divulgação de informação militar secreta”. Foi esta a fórmula que o juiz Januário utilizou em despacho no início da segunda fase de audiência de julgamento criminal comum, em Janeiro de 2016, quando se esperava que fosse ouvido o testemunho do general Zé Maria, chefe do Serviço de Informações Militares. Um furto foi transformado em extravio de documentos e divulgação de segredo militar. Não se percebe como um facto pode passar de furto a extravio…
Parece que a justificação mais verosímil para estas “interpretações” é o facto de ter estado prevista a inquirição, enquanto testemunha, do referido general chefe dos serviços secretos. Ora, se atentarmos à acusação militar, a prova é meramente documental. Ninguém vai falar. Só documentos.
O problema é que é inconstitucional considerar como prova, segundo a acusação militar, a Nota de Comportamento. Prova o quê em relação aos factos? A Ordem de punição, mencionada na mesma acusação, prova também o quê? E sobretudo a Nota de Culpa, em que os réus militares são referidos, na acusação, como tendo assumido os crimes. Isso é fazer prova com a própria acusação!
Resumindo, não há prova, só um conjunto de papéis repetitivos e altamente confusos elaborados pelos próprios serviços de acusação.
A pergunta tem de ficar: tudo isto serve para evitar que o general Zé Maria, o arquitecto da confusão, se sente no banco das testemunhas em tribunal?
Maka Angola