Somos governados por assassinos?

O drama que temos vivido nos hospitais nestes últimos dias, desde meados da semana passada em Luanda, atingiu os limites do humanamente suportável.

Por William Tonet

Onúmero de mortes, sobretudo de crianças, subiu de modo tão assustador que, em qualquer outro país teria sido assumida a situação de calamidade nacional a dar origem a um enorme movimento de solidariedade impulsionado pelo governo e por todo o tipo de instituições para-estatais no sentido de minimizar o drama que estamos a viver.

O escândalo peçonhento data, repetimos, da semana passada quando foi anunciado na imprensa luandense a seguinte notícia: “Morreram 27 crianças ontem (11.03) no hospital Pediátrico David Bernardino e a médica pede ajuda. A essa notícia acrescia a dramática revelação de que, no mínimo estavam a morrer 20 crianças por dia nesse mesmo hospital.

Isto é um crime!

Um drama sem precedentes, cuja responsabilidade é atribuída ao Titular do Poder Executivo, que controla o poder de forma unipessoal e prefere aumentar o orçamento das Forças de Defesa e Segurança, para se manter no poder, ao invés de apostar na Saúde e Educação da maioria dos angolanos.

“Nem no tempo da guerra se viu tal coisa”, disse ao Folha 8 um dos médicos que lá trabalha. Na morgue não há espaço para mais corpos. Os que chegam são postos em cima dos outros! Quarenta (40) anos depois o regime ainda não aprendeu como é que se governa”.

E, não sabe por incompetência, arrogância e corrupção institucional, que grassa em todos os órgãos do Estado e partido no poder, sem que haja um, com exemplos a fornecer. Um líder, profundamente comprometido com a cidadania, teria convocado de urgência o Conselho da República, reuniria com os deputados, na Assembleia Nacional e pronunciar-se-ia em mensagem ao país, apresentando um pacote de soluções, resultante dos contactos levados a cabo, com os outros órgãos do poder.

Ademais, na qualidade de comandante-em-chefe das Forças Armadas, ordenaria a mobilização dos meios materiais e humanos, para início de uma ampla campanha de terraplanagem, nos bairros suburbanos, das cidades e vilas, de tapa-buracos, para eliminação de poças de águas paradas, nas ruas e quintais das residências, responsáveis pela produção, em larga escala, de mosquitos.

Mas, ao que parece, não existe sensibilidade do Presidente José Eduardo dos Santos, mais preocupado na manutenção do poder do que na vida da maioria dos autóctones angolanos.

E, a omissão, no caso de não apoio aos cidadãos é crime, passível de procedimento judicial, por denegação de assistência médica.

Como foi reportado algures no Facebook, a verdade é que os hospitais construídos a nível nacional, por orientação do Executivo, são apresentados na televisão como sendo coisa boa e bonita, mas no fundo são apenas paredes sem apetrechamento de medicamentos e que muitas vezes até de pessoal técnico carecem… “Aumentem o bolo do OGE para a Saúde, no mínimo para mudar de cenário, pois o que se vive hoje é particularmente infernal!”

Mas a verdade, nua e crua é do regime do MPLA, ter, ao longo dos 40 anos de independência, construído dispensários e postos médicos, reconstruido hospitais provinciais, herdados do período colonial e, apenas construído um hospital de raiz, de acordo com as regras da OMS; o Hospital Geral de Luanda, que, para nossa desgraça colectiva, dois anos depois, desabou, por deficiências técnicas.

Não foi instaurado um inquérito, nem os responsáveis por tamanha irresponsabilidade foram levados à justiça. O Titular do Poder Executivo nem sequer se indignou diante dos cidadãos e Assembleia Nacional, talvez porque não podia, face “às comissões pagas a membros do gabinete do Presidente da República e do partido no poder”, disse ao F8, o economista Matias André.

Esta unidade foi depois reconstruida, pela mesma empresa chinesa, contra novo desembolso, por parte do executivo de Eduardo dos Santos, estimado em mais de 25 milhões de dólares, numa clara demonstração da promiscuidade na gestão das finanças públicas.

Quando um governo deixa que crianças, o futuro do país, morra desta forma inglória, em hospitais públicos, não merece o respeito e consideração dos cidadãos, pois está, voluntária e deliberadamente a causar a morte de inocentes, por desvio de recursos financeiros que deveriam ser alocados aos serviços de saúde pública.

“Eles não são só ladrões. São assassinos! Assassinos institucionais, que deveriam ser levados às barras do tribunal, como foram os nazistas no Tribunal de Nuremberg”, confessou, bastante abatido, o médico Nzola Bernardino, para quem, “abandonar crianças, filhos do povo, à sua sorte, porque os filhos dos dirigentes têm assistência médica no exterior, é criminoso. Nós os médicos estamos algemados, pois nada podemos fazer, quando falta tudo nos hospitais públicos e somos impotentes, quando vemos crianças e adultos morrer, às vezes, por falta de uma seringa ou mesmo amplicilina”, denunciou.

Aqui vão alguns exemplos dramáticos de socorro:

Uma médica do Hospital Pediátrico face ao drama postou o seguinte no facebook: “Há falta de tudo e mais alguma coisa, Preciso que me arranjem sobretudo material hospitalar, como luvas, seringas, compressas, curitas, soro e tudo que poderá ser um conforto para as nossas crianças”-

Uma outra médica chegou a pedir o seguinte: “Por favor nossos filhos estão a morrer… Peçam aos vossos amigos e colegas também por favor. Nem que cada um compre uma seringa, acreditem irá ajudar muito. Estamos mesmo mal. aqui ontem perdemos 27 crianças.”

Mais além, uma trabalhadora disse, “Chegou uma hora em que não conseguíamos mais trabalhar e começamos a chorar com as mães que perderam os seus filhos…”

Um cúmulo de desgoverno

Segundo fonte intimamente ligada ao MPLA e próxima das esferas mais altas do aparelho de Estado, o que se constata como reacção oficial resume-se, por um lado, a um imobilismo que nada tem de surpreendente, com o Executivo à espera que as organizações de Saúde do Estado reajam, e estas, a evitar tomar iniciativas antes de receberem ordens superiores para o fazer; por outro lado, como escreveu no seu post do Facebook um dos mais distintos comunicadores sociais do nosso país, ”há um silêncio sepulcral do lado de quem tem de comunicar. Não há uma conferência de imprensa, não há uma nota de imprensa, não há um comunicado ainda que seja para dizer que o movimento das redes sociais é um mero alarmismo de pessoas que exercem a crítica pela crítica. O SILÊNCIO é, assumidamente, a menos válida das opções numa hora tão grave como esta. Estamos a ver morrer os nossos rebentos, os nossos herdeiros, os inocentes que decidimos, num acto de amor, trazer ao mundo. Nunca pediram para nascer”.

Pois é, estamos em face de mais um flagrante comprovativo do autismo do Executivo, na sua mais baixa e lamentável expressão, a repetir o que se tem passado em Angola desde o dia 27 de Maio de 1977 e mesmo antes, a partir do momento em que o camarada Nito Alves veio a terreiro denunciar alegadas tropelias anti-revolucionárias cometidas por mandantes de primeira mão do presidente Agostinho Neto (Lara, Mingas, Onambwé).

Este retorno ao que se passou em volta do 27 de Maio de 1977 pode parecer disparatado, mas não é. O que se está a passar agora neste drama dos hospitais é que, depois do que aconteceu a Nito Alves e seus seguidores na subsequente carnificina que dizimou dezenas de milhares de militantes do MPLA, mais ninguém aparece a criticar frontalmente os elementos do partido no poder que cometem tropelias incríveis e roubos que se topam a olho nu, pois sabem que podem prevaricar, faltar ao serviço e roubar. Para eles não há sansões.

Ora, no presente caso, o principal responsável, depois do presidente José Eduardo dos Santos, é, no mínimo, a equipa do gabinete do ex-ministro da Saúde Zeca Van Dúnem. Que, por serem obreiros de tão má gestão continuam impunes e indiferentes a uma das maiores calamidades sanitárias de Angola.

Por outro lado, não podemos esquecer que o actual Titular do Poder Executivo, na sua mania de mostrar ao mundo que é um grande homem, tem cometido erros monumentais num astronómico esbanjamento de valores dos cofres do Estado. Nós, angolanos, tão mal que estamos, como podemos compreender que, depois de tão indigente e lenta intervenção do Estado naqueles momentos de fome que houve, primeiro com as enxurradas no Lobito, José Eduardo dos Santos disponibilizou um milhão de dólares e com a seca no Kunene, enviou dois milhões e meio, mas quando houve uma calamidade em Cabo Verde doou 10 milhões de dólares e para a Guiné Bissau, terão embarcado cerca de 6 milhões?

É muita insensibilidade para com os angolanos, a quem lhe compete governar com sentido de responsabilidade e generosidade para com os outros povos…

Entretanto, Nvunda Tonet informou no Facebook que “o Fundo Global vai deixar de apoiar Angola no combate contra à Malária, Sida e Tuberculose a partir de 2018, por ter havido de forma deliberada o desvio de quatro milhões de dólares americanos em fundos do programa da malária”.

A fraude remonta aos anos de 2012/13 e os responsáveis já estão devidamente identificados e constituídos arguidos, competindo agora a PGR/Ministério Público encaminhar o processo a fase judicial. Esse é o primeiro escolho, que deveria repousar no tribunal, onde, pelos vistos, tarda em chegar.

De facto, a ex-coordenadora das finanças da Unidade Técnica de Gestão e o antigo coordenador- adjunto do Programas de Luta contra a Malária foram acusados de desvios de valores do Fundo Global. O Ministério da Saúde devolveu o dinheiro ao Fundo Global e os implicados respondem em Tribunal.

A situação é comovente e mobiliza qualquer mortal, para o apoio, mas o que se pergunta, o que fazem, o Presidente da República e família, o que faz Isabel dos Santos, José Paulino dos Santos, Filomeno dos Santos, Tchizé dos Santos, etc., milionários do regime, Manuel Vicente, Manuel Hélder Kopelipa, Bento Kangamba, todos assumidamente milionários, face às suas funções no aparelho do Estado. Estes ilustres deveriam dar o exemplo, tirando dinheiro das suas contas pessoais, para acudir as crianças que morrem, todos os dias, nos hospitais e não só, num número de cerca de 50 crianças/dia, retornando aos cofres públicos, dinheiro que, na realidade, o dono é o povo.

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