FMI. Solução para os problemas ou problema para as soluções?

A descida de preço das matérias-primas está a obrigar vários países africanos a recorrerem ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que até há pouco tempo tinha sido substituído pela banca comercial, cujos empréstimos são agora incomportáveis, escreve o jornal britânico Financial Times.

“U m pouco por toda a África, os países que até há pouco tempo não precisavam do como credor de último recurso estão a engolir o orgulho”, lê-se na edição de hoje do Financial Times, num artigo com o título “Tempos difíceis empurram africanos de volta para o FMI”.

O artigo apresenta os exemplos de Angola, Moçambique, Zimbabué, Nigéria e Gana, entre outros, para defender que o recurso aos sistemas de financiamento do FMI são agora menos difíceis que nos anos 80 e 90, quando vários países foram obrigados a recorrer ao FMI e tiveram como resposta um conjunto de medidas de austeridade que tornaram o Fundo altamente impopular no continente.

“Há menos estigma em pedir ajuda ao FMI, em parte porque o Fundo já não é tão rígido em enfiar medidas neoliberais pela garganta abaixo dos países, sendo agora mais cuidadoso na protecção da saúde, educação e programas de alívio da pobreza”, escreve o jornalista que assina o texto, David Pilling.

O artigo defende que o recurso ao FMI por esta altura é mais fácil também porque as condições macroeconómicas do continente melhoraram significativamente face ao panorama dos anos 1980 e 1990, mas nalguns países, como Angola, o tempo perdido é notório.

“Angola, cujos governantes esbanjaram milhares de milhões de dólares durante os preços altos do petróleo, é o último a provar o remédio do FMI”, que deverá viajar para o país durante os primeiros quinze dias do próximo mês para definir as medidas e o montante da ajuda que Angola pediu ao abrigo de um Programa de Financiamento Ampliado.

Moçambique, que está em conversações com o FMI sobre como recuperar a credibilidade depois de ter admitido que escondeu empréstimos de 1,4 mil milhões de dólares, também é um dos países citados no texto do FT, que diz que “alguns governos africanos regressaram aos maus hábitos”.

A deterioração das contas públicas, no entanto, é geral no continente, diz o jornal britânico, lembrando um estudo da consultora McKinsey, segundo o qual o défice orçamental foi, em média, de 6,9% em 2015, mais do dobro dos 3,3% registados em 2010, e a balança corrente passou de um resultado positivo de 0,4% para um défice de 6,7% entre 2010 e 2015.

A verdade é que, com maior ou menor sensibilidade social, o FMI continua a vestir a pela de cordeiro para, muitas vezes com requintes de malvadez, disfarçar a faminta hiena que existe na sua metodologia de trabalho.

O FMI, neste caso, sempre soube – até mesmo quando andou por cá a vendar gato por candimba – que o Povo angolano morre de fome e de doenças enquanto Isabel dos Santos, a princesa filha do rei Eduardo dos Santos, continue a abarrotar as suas contas milionárias por ordem exclusiva do pai.

O FMI sabe que, por exemplo, Isabel dos Santos recebeu de bandeja, por ordem do paizinho, uma obra 615,2 milhões de dólares. Sabe que a obra foi adjudicada (forma eufemística que significa doação) através de um despacho do rei Presidente José Eduardo dos Santos, para que a sua filha Isabel dos Santos faça as dragagens na zona costeira da marginal da Corimba, sul de Luanda, em parceria com uma empresa holandesa.

E o que fez o FMI? Nada. É certo que não lhe cabia intervir. Pois é. Só lhe cabe deixar que o país vá ao charco para depois, qual salvador, dar uma salsicha por cada porco sacado.

No despacho do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo (entre outros cargos), que autoriza os contratos de empreitada, refere-se que o Governo “está comprometido na reabilitação dos problemas actuais de congestionamento de circulação nos acessos à cidade Luanda”, sendo precisamente a marginal da Corimba um dos pontos críticos.

Esta obra oferecida a Isabel dos Santos, filha do Presidente nunca nominalmente eleito e há quase 37 anos no poer, insere-se na Programação Anual de Investimentos do Programa de Investimentos Públicos, definida pelo Governo.

Isabel dos Santos está também envolvida no processo de reestruturação da Sonangol, no âmbito de um comité criado em Outubro de 2015, obviamente por José Eduardo dos Santos, com a responsabilidade de desenvolver modelos organizativos, identificar oportunidades operacionais, quantificar “o potencial de melhoria da Sonangol” e estudar o “melhor modelo de organização para condução da indústria nacional de petróleo e gás”.

O que fez o FMI quando se tornou público o descalabro em que a gestão da Sonangol mergulhou nos últimos tempos?. Nada. Quanto pior… melhor, terá pensado a directora-geral do FMI, Christine Lagarde.

Recorde-se, entre outros exemplos, que Tom Burgis, autor do livro “A Pilhagem de África”, considera que a Sonangol opera à margem da lei (ou dentro da suprema lei do regime: quero, posso e mando) e que foi criada e responde directamente apenas às mais altas figuras políticas de Angola, sobretudo a Eduardo dos Santos. Nada disto passou ao lado do FMI que, mais uma vez, mostrou que a sua vocação em deixar que os desastres aconteçam (nada de medidas profilácticas) para depois aparecer como divino salvador.

O autor do livro “A Pilhagem de África” defende que a Sonangol foi criada inicialmente (e assim se mantem ao longo de décadas) para conseguir financiar o MPLA, mas que com o passar dos anos acabou por ser a mais importante empresa nacional, controlada directamente pelos principais responsáveis políticos (do MPLA) e fugindo ao controlo das autoridades externas, já que as internas são do… MPLA.

“Para manter o MPLA a andar, tinham de criar uma empresa que corresse bem. A Sonangol é uma das melhores empresas africanas e mundiais, e foi Manuel Vicente [vice-presidente de Angola], treinado em Londres, que foi geri-la. A partir de 2002 começa a ser óbvio que o MPLA vai ganhar a guerra, e portanto a empresa pode privatizar-se, já não precisa de financiar a guerra, e torna-se o motor deste Estado-sombra”, defende o autor, jornalista de investigação no britânico Financial Times.

“As instituições formais, como o Ministério das Finanças ou o Banco Central, mantêm-se, mas a Sonangol é um Estado dentro de um estado, e responde directamente aos senhores do ‘Futungo’ (círculo do Presidente): José Eduardo dos Santos, ‘Kopelipa’ e Manuel Vicente”, diz Tom Burgis, que foi durante anos correspondente do FT em vários países africanos.

No que a Angola respeita, o autor retrata as ligações entre os dirigentes angolanos e as grandes petrolíferas ocidentais, bem como o avanço da China e as enormes desigualdades num país onde “uma sandes normal custa 30 dólares, mas a maioria da população vive na pobreza”.

“A Pilhagem de África”, explica o autor, “começa com a ideia de que há uma maldição dos recursos, e mostra que os sítios mais ricos em recursos naturais caíram sempre em golpes de estado, guerras, violência interna, corrupção, opressão, e o padrão está mais exacerbado em África”.

O continente africano, acrescenta, é normalmente olhado como mais pobre, mas é o mais rico, tem um terço de todos os recursos naturais, “mas os padrões de vida são terrivelmente baixos”, tentando mostrar que “a maldição dos recursos’ não é um acidente, nem um conceito abstracto, é um sistema concreto de pilhagem que liga políticos locais, autoridades de segurança, intermediários, empresas petrolíferas e os consumidores dos materiais recolhidos em África”.

Como? A explicação é simples: “O livro explora as ligações entre o poder político, que está concentrado em poucas pessoas, e mostra que os Estados de recursos [naturais] não precisam de taxar as pessoas, portanto não precisa de pedir apoio, de governar para as pessoas, só precisa de manter o fluxo de dinheiro a vir”, diz Tom Burgis.

O livro, escrito como se fosse uma longa reportagem, apresenta um conjunto de indicadores para sustentar que a riqueza africana não está a ir para os africanos, mas sim para uma pequena elite composta pelos privilegiados locais e pelos investidores e pelas grandes empresas internacionais, “que apresentam-se como tendo grandes regras contra a corrupção, grande controlo, mas depois chegam a África e dizem que há estes ‘africanos malucos e corruptos’ a tentarem tirar-lhes dinheiro do seu bolso”.

Um dos exemplos do livro, que já tinha sido retratado nas páginas do Financial Times, tem a ver com a norte-americana Cobalt, que explorou petróleo em Angola em associação com a Nazaki, uma empresa que era detida parcialmente por Manuel Vicente, Fragoso do Nascimento e o Chefe da Casa de Segurança do Presidente, general Hélder Vieira Dias Júnior ‘Kopelipa’, sendo que Manuel Vicente era na altura presidente da Sonangol, que atribuía as licenças de exploração e escolhia os parceiros locais das petrolíferas internacionais.

“A esfera pública e privada é indiferente para estes senhores do ‘Futungo’”, conclui o autor no livro.

E com o país à beira do colapso, devido à conivência criminosa de muitas instituições internacionais, entre as quais o FMI, aparece a equipa de Christine Lagarde, desta vez com a farda de bombeiros, para apagar o fogo. É claro que todo o equipamento de piromania está pronto para atear novos fogos.

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