Dos Santos e a porta
do cavalo (moribundo)

O Presidente da República, líder absoluto do MPLA, Titular do Poder Executivo, Comandante em Chefe das Forças Armadas, José Eduardo dos Santos tinha tudo para, ao fim de 38 anos de poder absoluto e absolutista (despotismo, tirania, autocracia) sair menos beliscado ou até, com alguma ousadia e mestria, ganhar na recta final o que não conseguiu ao longo de décadas: o epíteto de estadista patriota.

Por William Tonet

Mas não. Se o poder corrompe, o poder selvático corrompe selvaticamente. E foi esta a opção de José Eduardo dos Santos. Embevecido pela megalomania de um poder que julgou divino e que, por isso, legitimava a sua tese de que não era Presidente para servir os seus cidadãos mas, antes, para deles se servir, esqueceu-se que é um simples mortal e que, no fim da linha, o seu epitáfio reflectirá o que de facto é: um reles e déspota ditador.

José Eduardo dos Santos deixa o país, que ajudou determinantemente a ser um reino de características antropófagas em que os mais poderosos se alimentam dos mais fracos, na mais profunda crise da sua história. Um país abençoado por Deus em matéria de riquezas naturais e mosaico humano, mas também por Ele amaldiçoado nestes 42 anos de independência quanto ao nível dos seus dirigentes.

José Eduardo dos Santos esvaziou, deixou que esvaziassem, determinou que esvaziassem e viveu a esvaziar os cofres do Estado, para encher os dos filhos e dos seus amigos de partido, criminosos bajuladores formatados na tese de que o importante não é o que se é mas, apenas, o que se tem. Esqueceu-se, como acontece a todos os ditadores, que o que se tem é efémero e que eterno só é o que se é.

José Eduardo dos Santos promoveu a acumulação política do capital, para criar corruptos de colarinho branco, anafados demagogos e apologistas de que só trabalha quem não sabe fazer outra coisa. E esses, como o seu “querido líder”, limitaram-se a retirar chorudos dividendos do trabalho escravo de milhões de angolanos.

Institucionalizou a política do roubo no Estado, com a expressão “o cabrito come onde está amarrado”, em Malanje, para justificar os roubos de um seu amigo de situação Flávio Fernandes.

Mesmo que não seja julgado pelos homens, e não o será com certeza, o seu mais implacável juiz é a tormenta que sempre se abate, qual tsunami, sobre os ditadores: não há forma de comprar, ou alterar, o fim da história terrena. E o fim do “filme” já está a rodar na tela.

Nem mesmo um outro ténue exemplo de realismo altera a sua criminosa hibernação de 38 anos dos 42 que a parte mais radical da sua seita leva de poder. Vir agora falar de diversificação da economia é como querar aliviar a dor de um pai dizendo que o filho foi assassinado mas que dos sete tiros que levou só um foi… mortal.

Eduardo dos Santos assumiu a falência dos bancos comerciais; CAP; BESA; BPC; BCA; BCI. Não pagou a reforma dos desmobilizados e reformados das Forças Armadas. Fez uma Constituição à sua medida. Privatizou o sistema judicial, que vive a maioria na ilegalidade, violando a sua própria Constituição. Os corruptos, criminosos e gatunos estão sob a sua bênção alojados no poder, privatizou o Estado, transformando-o numa sociedade unipessoal.

Não conseguiu na hora da mudança institucionalizar a democracia interna no MPLA. Indicou um sucessor, que a sua máquina leva às costas, sem carisma e capacidade de alterar o quadro dantesco em que o país definha. O país, não os seus dirigentes.

Eduardo dos Santos não conseguiu, por exemplo, resolver ou apontar um caminho, por esburacado e estreito que fosse, para resolver a questão de 27 de Maio. Não conseguiu instituir um dia dos pais da independência. Mau grado o espelho de aumento que todos os seus acólitos colocam na sua frente, procurando que dessa forma se julgue um gigante, Dos Santos sabe que afinal não passa de um anão. E sabe porque o fim da picada traz, regra geral, momentos de extrema lucidez.

Dos Santos poderia, antes de sair, apadrinhar um Pacto de regime onde todos os actores políticos fossem discutir o país, com seriedade, procurando soluções para estancar a roubalheira, como melhorar a democracia, como terminar com a promiscuidade governantes empresários, como reconciliar os angolanos. Não o fez. Em vez de ser a solução para o problema, mostrou que é um problema para a solução, ainda até ao ponto de perpetuar o problema ao escolher para seu sucessor João Lourenço.

Por isso é mais do que claro que José Eduardo dos Santos é um homem que na desmedida ganância de concentrar o poder absoluto, foi forçado, mais uma vez, a ter de abandonar o seu projecto de governação não de forma voluntária, mas pela doença.

Não deixa uma política de emprego com sustentabilidade, pelo contrário sai como o maior promotor de desemprego dos angolanos e pai da falência das pequenas e médias empresas angolanas.

Dos Santos preferiu dar emprego e minas de dinheiro a empresas estrangeiras como a ODEBRECHT, do que às angolanas, inclusive levou à falência simples empresas de recolha e tratamento de lixo para atribuir a empresas brasileiras cujo objecto é a construção civil e obras públicas

Com todo este estado do País, pese o exército de bajuladores, Dos Santos sairá pela porta do cavalo, pela mais pequenina, como um líder falhado, fracassado, incompetente.

Eduardo dos Santos partirá sem ter deixado um verdadeiro plano de país, uma plano económico viável, que não a corrupção institucional. E quando assim é, e assim é de facto, só lhe resta uma saída honrosa, mais abjecta politicamente, sair como um ditador.

Como se isso não fosse bastante, esconde uma doença que, dadas as suas relevantes funções, deveria ser pública. Deveria, ainda que em desespero, explicar isso mesmo ao Conselho da República. Mas dado o seu atávico desrespeito pelos órgãos de soberania, Assembleia Nacional, Justiça, etc., actos próprios de um ditador, que a exemplo de Luís XIV considera ser ele o Estado.

O legado de Dos Santos é quase nulo e a ladainha de que salvou os dirigentes da UNITA em 2002 é dantesco paradigmática de quem está a léguas de ser um Estadista, mesmo que mediano. É, isso sim, a prova de quem elegeu a morte e o assassinato como uma política de Estado, do seu Estado.

A isso acresce que condenou miúdos inocentes cujo único “crime” foi estarem a ler livro sobre aquilo que só aceitou simular que implantava por a isso ter sido obrigado – democracia. Prendeu Kalupeteka por ser um dos maiores fenómenos de mobilização cristã, cometendo um dos maiores genocídios para acabar com uma congregação religiosa.

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