Cadeias angolanas são autênticos hotéis

Os Serviços Penitenciários de Angola, de acordo com “ordens superiores” – a nova “entidade” divina que tudo justifica no reino – afirmaram que os 37 homens que estão a ser julgados por tentativa (mais uma) de atentado contra o Presidente Eduardo dos Santos, estão a receber assistência médica, negando a versão da defesa. Consta, aliás, que nem estão presos mas apenas a gozar férias num dos melhores hotéis do país.

Por Óscar Cabinda

“I nternamente, o processo de recepção de medicamentos está a ser efectuado, quer o processo de recepção de medicamentos vindo do exterior por parte dos familiares dos reclusos quer de alimentação está sendo feita”, disse o porta-voz dos Serviços Penitenciários, Menezes Cassoma, em declarações à Lusa.

Basta ver o primor da linguagem de Menezes Cassoma para se constatar a faceta misericordiosa dos Serviços Penitenciários: “Processo de recepção de medicamentos”. O pessoal não brinca em serviço. Não é só receber medicamentos. Numa democracia e num Estado de Direito como é o reino de sua majestade José Eduardo dos Santos, há todo um “processo de recepção”.

A Defesa dos 37 acusados – 35 em prisão preventiva e dois foragidos -, alegou que os arguidos não estavam a receber medicamentos, necessários para tratar os seus problemas de saúde. A Defesa, perfeitamente desactualizada, esqueceu-se que não é só chegar à prisão e entregar os remédios. Há todo um “processo de recepção de medicamentos” que tem de ser levado em conta para que, compreende-se, as prisões não se tornem uma rebaldaria.

“Os requisitos é que mediante a receita que é prescrita no hospital da cadeia, hospital militar ou no hospital cadeia do São Paulo, na incapacidade de esses medicamentos serem fornecidos pelo estabelecimento prisional, a família pode muito bem, cumprindo com as normas, adquirir os medicamentos e fazer a entrega. Este procedimento é observado, é já uma prática corrente no estabelecimento de Viana [onde estão detidos”, assegurou Menezes Cassoma.

Ora aí está. Desde logo existe um “processo de recepção” da receita passada pelos clínicos (ou similares) do hospital. Em caso de o Hospital não ter esses medicamentos, segue-se um “processo” de informação à família para que esta arranje o remédio. Se o detido tiver família, se esta conseguir arranjar o medicamento, este entra então no “processo de recepção” por parte do Serviços Penitenciários, esperando-se que, por engano, o medicamento não volte a sair da cadeia para entrar no mercado negro.

Relativamente ao grupo em causa, Menezes Cassoma disse que “já há familiares que têm estado a depositar medicamentos para os seus parentes”, detidos. Como se vê, o “processo de recepção” até está a funcionar bem. “Depositar medicamentos” não significa, obrigatoriamente, que os mesmos sejam entregues aos seus legítimos destinatários. Mas essa é outra “guerra”.

Quanto ao recluso Rafael Tchiama, que a 6 de Dezembro não foi ouvido em tribunal por na altura aparentar “problemas psíquicos”, Menezes Cassoma fez saber que há duas semanas o mesmo foi encaminhado para o hospital penitenciário psiquiátrico, onde foi diagnosticado “episódio psicótico” provocado “pela inadaptação à vida carcerária”.

Isto há coisas que são mesmo obra do Diabo. “Inadaptação à vida carcerária”. Deve ser um caso grave e raro para o qual, presume-se, não há “processo de recepção” de medicamentos que lhe valha!

“Neste momento o recluso já se encontra de regresso à cadeia de Viana e já se encontra em condições de enfrentar o juízo”, adiantou Menezes Cassoma. Foi, digamos, uma “inadaptação à vida carcerária” de carácter temporário, corrigida por uma dose assertiva de sensibilização física aplicado via… cassetete.

O julgamento (segundo a designação superior) teve início a 2 de Dezembro no Tribunal Provincial de Luanda, com a acusação promovida pelo Ministério Público do MPLA a sustentar que o grupo de acusados “era bastante organizado militarmente e que recrutavam os ex-militares” da UNITA “com o objectivo de atentarem contra o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e tomarem o poder a força com recurso a armas de fogo, catanas e ainda de métodos de feitiçaria”.

Aliás, o arsenal capturado mostra, demonstra, prova e comprova que o Ministério Público do MPLA tem razão quando diz que se tratava de um grupo “bastante organizado militarmente”. A Polícia comprova esta tese ao mostrar que apreendeu algumas armas de fogo e, pasme-se, até mesmo… catanas. Mais exactamente eram sete AKM com 12 carregadores, uma pistola, 26 catanas, uma espada.

Segundo as insuspeitas provas que constituem para o Ministério Público do MPLA matéria de facto fortíssima, as armas de fogo e diversas catanas estavam a ser transportadas numa viatura Toyota Hiace, de cor azul e branca, para serem distribuídas aos alegados invasores antes da meia-noite, mas tal não sucedeu porque… um dos pneus estoirou.

São na sua maioria militares desmobilizados das Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), braço militar da UNITA durante a guerra civil, que terminou em 2002, e estão a ser acusados de associação de malfeitores, posse ilegal de armas e atentado contra o presidente da república, na forma frustrada, previsto para a madrugada de 31 de Janeiro de 2016.

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