O novo arcebispo de Luanda, Filomeno Vieira Dias, transmitiu hoje uma mensagem de “diálogo” e de “simplicidade”, para concretizar durante o ministério que agora inicia na Igreja Católica da capital angolana.
Por Orlando Castro
”F açamos poucas coisas, mas façamo-las bem, com empenho e dedicação”, apelou o novo líder da arquidiocese de Luanda e ainda administrador apostólico da diocese de Cabinda.
Os dois dias de celebração na capital angolana arrancaram hoje, na Igreja de Jesus, na cidade alta, com a tomada de posse do novo arcebispo, cerimónia à qual assistiram vários membros do Governo e o Vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, entre centenas de convidados.
“A minha presença será sempre a busca de comunhão pelo diálogo, na verdade e na beleza. Não nos cansemos de dialogar para juntos encontrarmos a verdade que liberta e embeleza a alma”, sublinhou Filomeno Vieira Dias na intervenção que fez já depois de lida a ata de posse, e investido nas novas funções.
Trata-se do sexto arcebispo de Luanda desde a elevação da diocese (fundada em 1596) a arquidiocese, em 1940, ainda no tempo colonial português.
“Cada um deles aqui colocou o seu pedaço de terra, sua fé, sua esperança, qual engenheiro e arquitecto nas coisas de Deus. Agora venho eu e estou aqui para servir por um tempo que será determinado por Deus”, disse.
Perante uma forte representação – cerca de 300 pessoas -, de Cabinda, cuja diocese continua a liderar, Filomeno Vieira Dias assumiu a surpresa da sua nomeação pelo Vaticano, em Dezembro, após a morte do bispo Damião Franklim.
Formado nos seminários dos Capuchinhos de Luanda e do Cristo Rei, na província do Huambo, Filomeno Vieira Dias, de 56 anos, foi ordenado sacerdote em 1983. Em 2004 foi nomeado e ordenado bispo auxiliar de Luanda, tendo um ano mais tarde assumido o cargo de bispo titular de Cabinda.
Que a hierarquia da Igreja Católica de Angola continua a querer agradar a Deus (José Eduardo dos Santos) e ao Diabo (José Eduardo dos Santos), aviltando os seus mais sublimes fundamentos de luta pela verdade e do espírito de missão, que deveria ser o de dar voz a quem a não tem, não é novidade.
O caso de Cabinda é o mais claro paradigma dessa hipocrisia. Recorde-se que em 2010, a Igreja Católica de Angola reiterava a esperança na solução célere da prisão em Cabinda do padre Raul Tati e a posição sobre o estatuto do mesmo sacerdote, então em processo de renúncia por livre iniciativa própria.
Ao que parece, a enorme violação dos direitos humanos em Cabinda, a forma execrável como as autoridades de Angola tratam impolutos cidadãos de Cabinda, pouco interessar à Igreja Católica. Isto porque, de facto, o regime compra a sua cobardia dando-lhe as mordomias que a leva a estar de joelhos perante o MPLA e não apenas perante Deus.
“Nós, como Diocese, contactamos a Procuradoria-Geral da República e esperamos que o assunto se resolva da forma mais célere e se esclareça quanto antes, embora notamos com preocupação que o tempo da prisão cautelar já se tenha excedido”, dizia então o vice-presidente da CEAST e Bispo da diocese de Cabinda, Dom Filomeno Vieira Dias, dando uma no cravo e outra na ferradura.
Dom Filomeno Vieira Dias sabia, sabe e continuará a saber que em Cabinda, como em Angola, há cada vez mais gente a ser tratada de forma ignóbil pelo regime do MPLA. No entanto, desde que a Igreja não perca os seus privilégios vai fazendo o jogo dos poucos que têm milhões, estando-se nas tintas para os milhões que têm pouco ou nada.
Não deixa de ser elucidativo da posição subserviente da Igreja Católica o facto de Dom Filomeno Vieira Dias ter então quase resumido os atentados aos direitos humanos em Cabinda ao caso, obviamente muito grave, do padre Raul Tati.
“Eu, pessoalmente, visitei este sacerdote. Tive encontro com ele. O nosso vigário geral, também, há poucos dias, visitou-o e teve encontro com ele”, acrescentou o prelado, que rematou, indicando que “é quanto temos a dizer sobre esta matéria.”
Raul Tati foi humilhado física e psicologicamente e, apesar disso, a Igreja Católica faz de conta que ele até estava bem, recusando-se a denunciar – como era e é seu dever – as abomináveis condições em que o padre e todos os outros detidos tentavam sobreviver.
Apesar de ter pedido a demissão, o Padre Tati não deixava de ser um cidadão. Cidadão cabinda cuja nobreza de espírito o levou a não pactuar com uma Igreja que esquece e até conspurca os seus mais elementares mandamentos.
No final de 2011, D. José Manuel Imbamba, arcebispo de Saurimo e porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, disse que os padres que teimam em defender os interesses dos cabindas não foram afastados por razões políticas, mas por questões disciplinares, nomeadamente por não manterem uma boa relação pastoral com o bispo D. Filomeno Vieira Dias.
D. José Manuel Imbamba sabia que estava a mentir. É grave. Ou estava calado ou, se para tanto tivesse coragem, falaria das pressões do regime angolano sobre os prelados que – tal como aprendeu o arcebispo de Saurimo – apenas querem dar voz a quem a não tem, nomeadamente em Cabinda.
Aliás, o mesmo se passa com D. Filomeno Vieira Dias que só de vez em quando, raramente, quase nunca, se vai lembrando do “rebanho” que ainda tem a seu cargo em Cabinda.
Quando instado a comentar as detenções no estrangeiro de activistas dos direitos humanos de Cabinda, a mando do regime de Luanda ou – quem sabe? – de qualquer força extra-terrestre, como a de Agostinho Chicaia, o prelado católico não quis (pudera!) desagradar aos donos do poder e refugiou-se no argumento de que não comentava um caso que tinha ocorrido fora do país.
Consta, contudo, que D. Filomeno Viera Dias mostrou-se preocupado com aquilo que chamou de incapacidade de diálogo entre as pessoas. Pois é. Que em Cabinda todos que ousem pensar de forma diferente do MPLA sejam culpados até prova em contrário, isso não é preocupante para o bispo.
Preocupante é a falta de diálogo… num regime que só permite o seu próprio monólogo, que se julga dono da verdade, que põe a razão da força acima da força da razão.
“Para nós é sempre preocupante quando não há capacidade de diálogo e conversação entre as pessoas. Portanto ele (Agostinho Chicaia) foi detido fora de Angola, eu não posso pronunciar-me sobre um facto que ocorreu num outro país, não tenho elementos, é algo que procuramos aprofundar, procuramos saber quais são os motivos, mas não temos elementos sobre isto,” disse no seu estilo angélico D. Filomeno Vieira Dias.
Ao contrário do que, supostamente, aprendeu durante a sua formação religiosa, D. Filomeno Vieira Dias só raramente se lembra que deve dar voz a quem a não tem. Recorde-se, por exemplo, que o agora arcebispo de Luanda levou muito tempo a descobrir os excessos do regime angolano em relação aos cidadãos supostamente envolvidos em acções de apoio aos militares da FLEC.
Embora, no caso do ataque à escolta militar e policial angolana à equipa do Togo, tudo tenha acontecido em Janeiro de 2010, só em Junho D. Filomeno Vieira Dias enviou uma carta ao Procurador-Geral da República, João Maria de Sousa, para mostrar preocupação em relação ao excesso de prisão preventiva de activistas e deplorar o adiamento indefinido do julgamento dos acusados.
Antes, a 3 de Maio de 2010, D. Filomeno Vieira Dias dissera que a liberdade de informar e de ser informado é um direito fundamental que não deve ser subalternizado.
Ser o agora arcebispo de Luanda a falar de liberdade de informar quando, exactamente em Cabinda, tal como em qualquer outra parte do país, se é detido por ter ideias diferentes, sendo que em muitos casos se é preso só porque as autoridades pensam que alguém tem ideias diferentes, é algo macabro.
D. Filomeno Vieira Dias disse então que a informação joga um papel fundamental na vida da sociedade, por isso os comunicadores devem fazê-lo com responsabilidade.
Será a responsabilidade a que alude D. Filomeno Vieira Dias, dizer apenas a verdade oficial do regime? Será ser-se livre para ter apenas a liberdade de concordar com as arbitrariedades do regime?
“A liberdade de imprensa é um direito ligado às liberdades fundamentais do homem”, sublinhou na altura o prelado, falando a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, proclamado pela UNESCO em 1993.
É um direito mas, note-se, apenas nos Estados de Direito, coisa que Angola não é de facto, embora de jure o queira parecer. Aliás, nenhum Estado de Direito viola os direitos humanos de forma tão soez e execrável como faz o regime angolano.
“Quando celebramos esse dia, devemos olhar para o seguinte: que é uma grande responsabilidade informar e informar sempre com verdade,” destacou D. Filomeno Vieira Dias, certamente pedindo de imediato perdão a Deus por ele próprio não contar a verdade toda.
D. Filomeno Vieira Dias deverá também pedir perdão por se pôr de joelhos perante os donos do poder em Angola, contrariando os ensinamentos, como recordou em Bruxelas o Padre Jorge Casimiro Congo, de que perante os homens deve estar sempre de pé, e de joelhos apenas perante Deus.
E se uma das principais tarefas dos Jornalistas é dar voz a quem a não tem, também a Igreja Católica tem a mesma missão devendo, aliás, ser ela a dar o exemplo. O que não acontece.
Frei João Domingos, por exemplo, afirmou numa homilia em Setembro de 2009, em Angola, que Jesus viveu ao lado do seu povo, encarnando todo o seu sofrimento e dor. E acrescentou que os nossos políticos e governantes só estão preocupados com os seus interesses, das suas famílias e dos seus mais próximos.
Como os angolanos gostariam que tivesse sido D. Filomeno Vieira Dias a dizer estas verdades.
“Não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”, disse Frei João Domingos, acrescentando “que muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.
Como os angolanos gostariam que tivesse sido o agora arcebispo de Luanda a dizer estas verdades. Por tudo isso, João Domingos chamou a atenção dos angolanos para não se calarem, para “que continuem a falar e a denunciar as injustiças, para que este país seja diferente”.