FOME, FOME, FOME, FOME

Quase 60% da população do Sudão do Sul (cerca de 11 milhões), assolado por calamidades climáticas, violência e afluxo maciço de refugiados do vizinho Sudão, em guerra, sofrerá de insegurança alimentar aguda (forma hipócrita de dizer fome) no próximo ano, segundo dados da ONU hoje divulgados.

Mary-Ellen McGroarty, chefe do Programa Alimentar Mundial (PAM) no Sul do Sudão, afirma em comunicado: “Ano após ano, estamos a assistir a alguns dos mais elevados níveis de fome alguma vez registados no Sul do Sudão”.

O Sudão do Sul, um dos países mais pobres do mundo, que se tornou independente em 2011, tem vivido uma situação muito difícil exacerbada por inundações a uma escala não vista há décadas e por um afluxo maciço de refugiados do vizinho Sudão, devastado pela guerra.

As últimas projecções da Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC), cujas avaliações determinam os limiares de fome (numa escala de 1 a 5), prevêem um aumento do número de pessoas ameaçadas por uma insegurança alimentar aguda.

O IPC estima que 7,69 milhões de pessoas, incluindo 2,1 milhões de crianças, enfrentarão em Abril uma situação em que “a incapacidade de uma pessoa consumir alimentos suficientes coloca a sua vida ou meios de subsistência em perigo imediato” (fase 3 ou superior), em comparação com 7,1 milhões este ano. Destes, 63.000 estarão numa situação de “catástrofe” alimentar (fase 5).

“Quando olhamos para as áreas onde a insegurança alimentar é mais elevada, é evidente que um ‘cocktail’ de desespero – conflito e crise climática – é a principal causa”, afirmou.

Vulnerável às calamidades climáticas, o país enfrenta as piores inundações das últimas décadas, que deslocaram 380.000 pessoas e afectaram um total de 1,4 milhões, segundo a agência humanitária das Nações Unidas (Ocha).

Tem também de fazer face ao afluxo de 810.000 pessoas que fogem da guerra que eclodiu em Abril de 2023 no vizinho Sudão, segundo dados da ONU.

O país está também politicamente paralisado, atormentado pela corrupção e pelas rivalidades herdadas de uma guerra civil que causou 400.000 mortos e milhões de deslocados entre 2013 e 2018. Em Setembro, as autoridades anunciaram mais um adiamento das primeiras eleições da sua história, agora previstas para Dezembro de 2026.

Desde Fevereiro, o Sudão do Sul perdeu também a sua principal fonte de rendimento, depois de um oleoduto que lhe permitia exportar o seu petróleo ter sido danificado pelos combates no Sudão.

Em Julho de 2008, os líderes das oito economias mais industrializadas do mundo (G8), reunidos no Japão numa cimeira sobre a fome, causaram espanto e repúdio na opinião pública internacional, após ter sido divulgada aos órgãos de comunicação social a ementa dos seus almoços de trabalho e jantares de gala.

Reunidos sob signo dos altos preços dos bens alimentares nos países desenvolvidos – e consequente apelo à poupança -, bem como da escassez de comida nos países mais pobres, os chefes de Estado e de Governo não se inibiram de experimentar 24 pratos, incluindo entradas e sobremesas, num jantar que terá custado, por cabeça, a módica quantia de 300 euros.

Trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas eram apenas alguns dos pratos à disposição dos líderes mundiais, que acompanharam a refeição da noite com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005, que estava avaliado em casas da especialidade online a cerca de 70 euros cada garrafa.

Não faltou também caviar legítimo com champanhe, salmão fumado, bifes de vaca de Quioto e espargos brancos. Nas refeições estiveram envolvidos 25 chefs japoneses e estrangeiros, entre os quais alguns galardoados com as afamadas três estrelas do Guia Michelin.

Segundo a imprensa britânica, o “decoro” dos líderes do G8 – ou, no mínimo, dos anfitriões japoneses – impediu-os de convidar para o jantar alguns dos participantes nas reuniões sobre as questões alimentares, como sejam os representantes da Etiópia, Tanzânia ou Senegal.

Os jornais e as televisões inglesas estiveram na linha da frente da divulgação do serviço de mesa e das reacções concomitantes. Dominic Nutt, da organização Britain Save the Children, citado por várias órgãos online, referiu que “é bastante hipócrita que os líderes do G8 não tenham resistido a um festim destes numa altura em que existe uma crise alimentar e milhões de pessoas não conseguem sequer uma refeição decente por dia”.

Para Andrew Mitchell, do governo-sombra conservador, “é irracional que cada um destes líderes tenha dado a garantia de que vão ajudar os mais pobres e depois façam isto”.

A cimeira do G8, realizada no Japão, custou um total de 358 milhões de euros, o suficiente para comprar 100 milhões de mosquiteiros que ajudam a impedir a propagação da malária em África ou quatro milhões de doentes com Sida. Só o centro de imprensa, construído propositadamente para o evento, custou 30 milhões de euros.

Mas há mais. Mais de 25% (uma em cada quatro) das crianças menores de 5 anos no mundo sofrem de “pobreza alimentar severa” (fome), o que significa que mais de 180 milhões de crianças correm o risco de sofrer graves consequências para a saúde se não tiverem uma dieta nutritiva e diversificada, adverte a Unicef.

Em Angola, o MPLA (no Poder há 49 anos) continua a luta para ser o primeiro país no mundo a ensinar as crianças (tal como os adultos) a viver sem comer…

Um número “impactante” de crianças “sobrevive com uma dieta muito pobre, consumindo produtos de dois ou menos grupos de alimentos”, explicou à AFP Harriet Torlesse, uma das autoras do relatório da Unicef.

Segundo as recomendações da agência da ONU para a infância, as crianças pequenas devem consumir diariamente alimentos de pelo menos cinco dos oito grupos (leite materno, cereais, frutas e verduras ricas em vitamina A, carne ou peixe, ovos, produtos lácteos, leguminosas, outras frutas e verduras).

Em Angola, muitas crianças seguem o regime alimentar adequado. São todas da etnia (ou tribo) dos oligarcas que há 49 anos mandam no país, e que dá pelo nome de MPLA.

No entanto, 440 milhões de crianças menores de 5 anos (66%) que vivem em 137 países de baixo e médio rendimento (para os povos mas altíssimo para os oligarcas), não têm acesso a esses cinco grupos todos os dias, e por isso sofrem de “pobreza alimentar”. E, dessas, cerca de 181 milhões (27%) consomem, no máximo, alimentos de dois grupos.

Estas crianças que só comem – quando comem – “dois grupos de alimentos por dia, por exemplo, arroz e um pouco de leite, têm 50% mais chances de sofrer formas graves de desnutrição”, advertiu a chefe da Unicef, Catherine Russell, num comunicado de imprensa.

Situações graves como a desnutrição ou magreza extrema podem levar à morte. E, se essas crianças sobrevivem e crescem, “não prosperam. Têm desempenho pior na escola, e na vida adulta têm mais dificuldade para ganhar a vida, perpetuando o ciclo de pobreza de geração em geração”, continuou Harriet Torlesse.

“O cérebro, o coração e o sistema imunológico, que são importantes para o desenvolvimento e protecção contra doenças, dependem das vitaminas, minerais e proteínas”, insistiu a especialista em nutrição.

A “pobreza alimentar severa” concentra-se em 20 países, com situações especialmente preocupantes na Somália (63% das crianças menores de 5 anos afectadas), Guiné (54%), Guiné-Bissau (53%) e Afeganistão (49%).

E, embora não haja dados sobre países ricos, as crianças de lares pobres também não estão isentas dessas deficiências nutricionais.

O relatório analisou especialmente a situação em Gaza, onde a ofensiva israelita provocada pelo ataque sem precedentes do Hamas a 7 de Outubro causou “o colapso dos sistemas alimentar e sanitário”.

Baseando-se em cinco séries de dados recolhidos por SMS de Dezembro a Abril entre as famílias beneficiárias de um programa de ajuda económica na Faixa de Gaza, a Unicef calcula que 9 em cada 10 crianças sofrem de pobreza alimentar grave.

Embora esses dados não sejam necessariamente representativos, ilustram a catastrófica deterioração da situação desde 2020, quando apenas 13% das crianças viviam nessa situação, segundo a agência da ONU.

A nível global, constatando um “progresso lento” nos últimos dez anos na luta contra a pobreza alimentar, o relatório pede a introdução de mecanismos de protecção social e ajuda humanitária para os mais vulneráveis.

Também exige uma transformação do sistema agro-alimentar, culpando as bebidas com alto teor de açúcar e os alimentos ultra-processados industrializados “comercializados agressivamente para os pais e famílias, e que se estão a tornar a norma para alimentar as crianças”.

Esses produtos são frequentemente “baratos, mas também muito calóricos, muito salgados e gordurosos. Enchem o estômago e tiram a fome, mas não fornecem as vitaminas e minerais que as crianças precisam”, destacou Harriet Torlesse.

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