UNITA NÃO BRINCA ÀS AUTARQUIAS

O grupo parlamentar da UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, vai submeter ao Parlamento, com carácter de urgência, o Projecto de Lei Orgânica da Institucionalização das Autarquias Locais, considerando que as desculpas para o não agendamento “estão ultrapassadas”.

Em conferência de imprensa, o líder do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka, disse que o partido está empenhado em dialogar com todos os poderes públicos e com a sociedade, para promover a democracia participativa e tornar as autarquias uma realidade em Angola durante a presente legislatura.

Liberty Chiyaka frisou que, com a apresentação desta iniciativa, “as desculpas para o não agendamento da discussão e votação final global da lei que cria as autarquias, estão ultrapassadas”.

“Se depois de termos ouvido várias vozes – o Presidente da República, o presidente do MPLA (no Poder há quase 50 anos), distintos membros do executivo, distintos membros do MPLA -, assumirem publicamente a sua vontade de realizar autarquias, se depois desses discursos políticos, quando o grupo parlamentar da UNITA der entrada na Assembleia Nacional constatarmos manobras dilatórias, os angolanos terão toda as razões para se manifestarem e exigir autarquias, o momento vai ser definido pela postura do regime”, referiu.

Segundo Liberty Chiyaka, a Proposta de Lei para a Institucionalização das Autarquias, do Governo, deu entrada na Assembleia Nacional em 2017 e passados sete anos ainda não foi aprovada “porque falta vontade política”.

“O projecto de lei que vai ser apresentado pelo grupo parlamentar da UNITA vai dar entrada na Assembleia Nacional com carácter de urgência. Vamos mobilizar a cidadania para exigir que tal se cumpra. Nos termos da Constituição e da lei um determinado número de deputados podem exigir o agendamento de qualquer assunto com carácter de urgência, é o que vamos fazer”, frisou.

O líder do grupo parlamentar da UNITA reiterou que, “se o regime, a maioria parlamentar”, rejeitar esta iniciativa, “os angolanos vão responder”.

“Os deputados fizeram a sua parte, a partir de hoje começa oficialmente, no quadro do calendário definido pelo grupo parlamentar, a consulta pública. Vamos distribuir este projecto para todos, vamos colher contribuições, são 30 dias de consulta pública”, salientou.

Liberty Chiyaka declarou que “os deputados vão se juntar ao povo e não vão permitir que sejam permanentemente desrespeitados no seu próprio país”.

“A participação do cidadão na gestão da coisa pública está na Constituição desde 1992, são 30 anos em que não temos autarquias. É uma vergonha e não podemos compactuar com esta vergonha, o momento é agora, a nossa postura vai depender da maioria parlamentar”, acrescentou.

O Presidente de Angola, João Lourenço, disse, em 2023, que o executivo “há muito cumpriu a sua parte” no processo de institucionalização das autarquias, situação que se “arrasta há anos” por se procurar “o maior consenso possível”.

Na última reunião plenária, a presidente da Assembleia Nacional respondeu ao líder do grupo parlamentar da UNITA que a proposta de institucionalização das autarquias locais entrou no parlamento na legislatura 2017-2022, mas ficou caducada com o fim da legislatura, segundo o regimento e costume parlamentar.

“Pelo que, não tendo entrado qualquer iniciativa legislativa até agora sobre a matéria nesta legislatura, aguardamos que os senhores deputados e o executivo, por força do artigo 167 da Constituição, tomem a iniciativa legislativa sobre a matéria”, disse Carolina Cerqueira.

O líder do grupo parlamentar da UNITA salienta que “toda aquela explicação dada não colhe”, porque não há nenhum costume que diga “que uma lei que tenha sido discutida na legislatura anterior já não pode prosseguir, não é verdade”.

Liberty Chiyaka referiu que o poder local não é a única forma de se ultrapassarem os problemas da população, “mas é a melhor”, porque o modelo de concentração do poder, de centralização administrativa, “que Angola implementou durante 50 anos falhou”.

A proposta de lei sobre a institucionalização das autarquias é o único diploma do pacote legislativo autárquico que ainda não foi aprovado, estando por agendar as primeiras eleições autárquicas desde 2020.

Na esperança de que alguns dos deputados do MPLA (mesmo aqueles que recentemente abandonaram o seu habitat arbóreo) saibam ler e entender o que está escrito, o Folha 8 volta a lembrar alguns factos sobre a odisseia das eleições autárquicas no reino.

– Em 2018, João Lourenço notificou o Conselho da República para comunicar aos conselheiros que as eleições autárquicas seriam em 2020;

– O Jornal de Angola (do MPLA), titulou no 23 de Março de 2018, em texto assinado por João Dias: AUTARQUIAS EM 2020;

– Em 28 de Abril de 2018, demonstrando ter toda a lição estudada e organizada, Adão de Almeida disse: “As próximas eleições autárquicas previstas para o ano de 2020 no país serão a maior reforma do aparelho da administração pública após a independência”. Adão de Almeida era altura ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, actual ministro de Estado e chefe da Casa Civil da Presidência da República.

– Em 28 de Junho de 2018, o professor universitário da Faculdade de Direito, Carlos Teixeira, numa aula magna, na Faculdade José Eduardo dos Santos, no Huambo, sob o lema a “Institucionalização das Eleições Autárquicas” sugeriu que “a implementação das autarquias em Angola, a partir de 2020, deveria basear-se num modelo assente na realidade histórica e antropológica dos angolanos, evitando, assim, imitações de países com realidades diferentes”.

– No plano partidário, numa demonstração de o seu líder não ser mentiroso, em 17 de Maio de 2019, o coordenador do grupo de acompanhamento do Bureau Político do MPLA na província do Cunene, Pedro Neto, disse em Ondjiva: “As eleições autárquicas de 2020, são para vencer, mas para tal exige espírito de sacrifício e seriedade em todas as tarefas do programa do partido”.

– Em 23 de Julho de 2020, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, considerou “cedo falar-se em adiamento das primeiras eleições autárquicas, previstas para 2020, até porque a Assembleia já aprovou várias leis que conformam o pacote legislativo autárquico, faltando apenas uma”.

– No dia 26 de Outubro de 2022, o Presidente da República confrontado com a promessa não cumprida, da realização, em 2020, das eleições autárquicas, disse, não fosse variar, a uma emissora estrangeira, que não seriam em 2023, mas: “quando houver condições. Como sabe o pacote legislativo autárquico não está terminado. Enquanto isso não posso assanhadamente – se me permite a expressão – convocar eleições”.

Folha 8 com Lusa

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