“O HOMEM NO SEU MARTÍRIO”

O jornalista Xavier de Figueiredo, autor do livro “Savimbi – Um Homem no seu Martírio”, que é apresentado hoje em Lisboa, defende que o partido no poder em Angola há 48 anos, o MPLA, “tinha complexos de inferioridade” relativamente a Jonas Savimbi.

Savimbi “tinha consciência de que o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) tinha complexos de inferioridade em relação a ele. Eles não só o viam como um adversário de peso, pelas suas qualidades, pelos seus atributos, como também têm um complexo de inferioridade em relação a ele, porque, apesar de tudo, vêem nele, embora sem nunca reconhecer isto publicamente, antes pelo contrário, vêem nele qualidades que eles não têm”, defende.

Em “Savimbi – Um Homem no seu Martírio”, que Xavier de Figueiredo recusa apresentar como uma biografia, o autor procura demonstrar que Jonas Savimbi, fundador e líder histórico da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), “foi alvo de uma longa e destrutiva campanha de propaganda, desinformação e acções encobertas de segurança com o objectivo de o desacreditar e isolar”.

“Tenho visto algumas referências que apresentam o livro como uma biografia e não é propriamente isso. Quer dizer, assim, no sentido clássico desse género. Aquilo não é uma biografia, é um livro sobre aquilo que foi a sua vida como homem político, como líder político. Só que as circunstâncias em que exerceu essa liderança política também o obrigaram a ser um chefe militar”, acrescenta.

Para Xavier de Figueiredo, o MPLA, que governa Angola desde a independência, em 1975, levou a cabo uma campanha “muito persistente, que varia no seu alcance conforme as circunstâncias”, mas que teve sempre como finalidade afastar Savimbi.

O líder da UNITA, que nasceu em 1934, em Munhango, província de Bié, morreu em combate em 22 de Fevereiro de 2002, em Lucusse, província de Moxico.

“O livro tem o seu enfoque nessa enorme pressão exercida sobre ele dessa maneira, apresentando-o quase como um monstro, como um tipo perverso, como um tipo que representava um perigo enorme para Angola. Mas eu acho que isso é um sofisma. Eu acho, aliás, que o que move de facto o MPLA é sobretudo a consciência que tem de que ele é um adversário de peso”, defende.

“Pelas suas qualidades políticas, humanas, parece que são de amplo reconhecimento. Uma pessoa que tinha grande apreço por ele, era Mandela. O livro tem muitas informações acerca disso”, acrescenta.

Xavier de Figueiredo defende, ainda, que a afinidade que se estabelece entre Savimbi e os Ovimbundos, a tribo mais numerosa de Angola, reforça o peso e a importância do líder da UNITA.

“Ele é um adversário de peso de duas maneiras, porque se estabelece uma afinidade natural entre ele e a maior tribo de Angola, os Ovimbundos, e essa identificação dá-lhe uma base eleitoral importante. Política e eleitoral importante. Porque aquela tribo, além de ser a mais numerosa, tem também características como um forte espírito de grupo. Um espírito de lealdade muito grande. E depois Savimbi é um tipo que revela de facto grande génio militar”, afirma.

Questionado sobre como seria Angola se Savimbi não tem sido morto em combate, Xavier de Figueiredo reconhece que não é fácil tecer conjecturas: “Nunca temos respostas, mas eu acho que Angola teria sido uma coisa muito diferente se, em vez do MPLA, tivesse sido ele a chegar ao poder no momento da independência”.

“Eu acho que ele acabaria por ser sempre morto. Aliás, este subtítulo que eu dei ao livro `Um Homem no seu Martírio`, resulta das referências convincentes [no livro] acerca dos planos do MPLA para o matar”, diz.

Xavier de Figueiredo salienta que, apesar da campanha que o MPLA organizou contra Savimbi, o líder da UNITA nunca reagiu da mesma maneira.

“Ele nunca faz contra propaganda, porque na mente dele o tempo dar-lhe-á razão”, afirma.

Com a morte de Savimbi, a UNITA “fica numa situação de orfandade” e, para Xavier de Figueiredo, o “mérito grande” do líder que se segue, Isaías Samakuva, foi o de ter “conseguido segurar a UNITA”.

“Samakuva garante, apesar de tudo, a sobrevivência da UNITA numas circunstâncias que eram muito difíceis de facto. Agora a UNITA explode bastante com o Adalberto [da Costa Júnior]”, considera, referindo-se ao actual líder do partido do Galo Negro.

“Acho que está mesmo, em termos de aceitação política e de popularidade, no seu apogeu”, reforça e acrescenta: “Este Adalberto é um tipo muito combativo. Tem um espírito muito combativo e também parece-me um tipo muito temerário. Não tem medo, mas também aí é muito por demérito do próprio MPLA, que eu acho que está gasto”.

A atenção ou mesmo a admiração que Savimbi mereceu da parte de grandes personalidades internacionais, entre as quais Nelson Mandela, ou o “grand seigneur” que foi Houphouet Boigny, entre outros, é apontada por Xavier de Figueiredo como uma negação da má reputação em que a propaganda do regime o colou. Savimbi também tinha defeitos e cometia erros, como o próprio reconhecia. A maior parte daqueles que a propaganda lhe atribuiu eram, porém, produto de manipulações calculadas para o chamuscar e dessa maneira ocultar as suas altas qualidades como líder político. Como, de resto, se vai cada vez mais reconhecendo em resultado de um processo de reabilitação da sua memória em curso na sociedade angolana.

Xavier de Figueiredo nasceu em 1947, em Nova Lisboa – Huambo, e iniciou a vida de jornalista em 1971, ao serviço do diário A Província de Angola, em Luanda.

Em Portugal, onde se radicou em 1975, começou por trabalhar no Jornal Novo e, a seguir, na antiga ANOP, agência ao serviço da qual foi o primeiro correspondente permanente da imprensa portuguesa num país africano lusófono — a Guiné-Bissau (1978-1981), seguindo-se Moçambique (1982-1983). Fundou e dirigiu, em Portugal, várias publicações de informação estratégica – África Confidencial, África Focus e África Monitor.

Folha 8 com Lusa

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