KWANZA EM QUEDA LIVRE E INFLAÇÃO DE 25%

A diferença entre a taxa de câmbio oficial em Angola e a praticada no mercado paralelo está ao nível mais alto desde agosto de 2020, segundo o gabinete de estudos do Banco Fomento Angola (BFA).

Na análise semanal que os analistas do BFA fazem à economia angolana lê-se: “O kwanza tem mostrado sinais de depreciação mais acentuada no mercado paralelo nas últimas semanas, tendo caído cerca de 18% durante o mês de Outubro, segundo os nossos cálculos”.

No comentário, enviado aos clientes, o BFA salienta que este desfasamento de 35% “é o intervalo mais alargado desde Agosto de 2020” e acrescenta que “apesar de um trajecto de diminuição das importações face ao pico recente, a pressão na procura de divisas ainda supera a oferta de divisas ao mercado”.

Isto acontece, explicam, por duas razões: “por um lado, as petrolíferas estão a fornecer menos divisas do que em 2022; por outro lado, o cenário de diminuição da dívida pública externa, com o Estado a amortizar mais dívida do que o novo financiamento a ocorrer, fez com que o Tesouro deixasse de vender divisas ao mercado”.

O kwanza perdeu quase 40% desde o início do ano, principalmente no final do primeiro semestre, estando relativamente estável desde então; em Maio, cada dólar valia cerca de 510 kwanzas, mas o valor da moeda angolana caiu fortemente entre Maio e o princípio de Julho, tendo ficado estável desde então, à volta dos 835 kwanzas por dólar.

De acordo com a consultora Capital Economics, a perda de valor da moeda angolana em comparação com o dólar, aliada à imposição de medidas de austeridade, incluindo o corte nos subsídios aos combustíveis, “vão empurrar a inflação para mais de 25% nos próximos meses”, pelo que o banco central deverá responder com uma subida de 300 pontos-base na taxa de juro directora, para 20%.

No Orçamento do Estado para 2024, o Governo prevê um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,8% em 2024, como reflexo do crescimento do sector não petrolífero, com uma taxa de 4,6%, e uma inflação na ordem dos 5,3%.

As projecções da economia angolana para o ano económico de 2024 vêm descritas no relatório de fundamentação da proposta do Orçamento Geral do Estado (OGE) 2024, que aponta que as necessidades brutas de financiamento, em 2024, estão avaliadas em 10 biliões de kwanzas (11,3 mil milhões de euros), correspondendo a 13,7% do PIB.

O ministro da Economia e Planeamento, Mário Caetano João, disse na quarta-feira que a contracção nos níveis de produção de petróleo configurou um cenário de menor disponibilidade de moeda forte no mercado cambial, no primeiro semestre deste ano, tendo resultado na depreciação do kwanza face ao dólar dos Estados Unidos da América em cerca de 40%.

“Este ambiente de desaceleração da economia real e do mercado cambial afectou severamente o processo de consolidação das contas públicas e a estabilidade do nível geral de preços na economia, tendo a inflação homóloga invertido, em Maio, a tendência decrescente, fixando-se em cerca de 15% em Setembro deste ano”, referiu o governante, na abertura da 2.ª edição do Angola Economic Outlook 2023, em Luanda, subordinado ao tema “O Capital Humano como Factor Decisivo para o Desenvolvimento”, organizado em parceria com a revista Economia e Mercados.

Sobre a depreciação do kwanza, o vice-governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Pedro Castro e Silva, adiantou que para 2024 se prevê que se mantenha para os países africanos menor acesso ao mercado da dívida.

Vejamos a análise de Bernardo Vaz, publicada no Cinvestec (Centro de Investigação Económica da Universidade Lusíada de Angola) em21 de Junho de 2023 sob o título «O nosso eterno desafio: a estabilidade da taxa de câmbio»:

« A taxa de câmbio é o preço relativo de uma moeda, ou seja, a quantidade de moeda de um país cujo valor é igual uma unidade de moeda de um outro país. Sem qualquer intervenção de política, em princípio, o valor de cada moeda é determinado pela produtividade de cada país. As moedas existem porque há bens e serviços que foram produzidos e precisam de ser transaccionados; é nessa interacção entre oferta e demanda que a taxa de câmbio é formada. Desta feita, a pretensão de uma moeda estável, sem antes haver estabilidade produtiva, é uma impossibilidade económica no médio longo prazo.

Produtividade implica operar com custos baixos. Há uma relação inversa entre o custo marginal e a produtividade marginal. A produtividade baixa resulta em custos mais altos, baixa atractividade do ambiente de negócio, pouco investimento e consequentemente produção incipiente, conduzindo a uma maior necessidade de importação e, portanto, a um aumento da demanda por moeda externa. O que não tem demanda, neste caso é a nossa moeda, porque não produzimos; o seu valor cai e importar torna-se mais oneroso.

Num país onde 80% dos produtos da cesta básica são importados, todos perdem com a instabilidade recorrente da taxa de câmbio. Entende-se melhor a relevância da estabilidade de cambial quando analisada as consequências da sua ausência. O aumento imprevisível dos preços diminui o poder de compra dos salários reais, aumenta a demanda por liquidez, poupar torna-se arriscado, a taxa de juros sobe e os incentivos ao investimento estruturante desaparecem.

A instabilidade cambial penaliza o consumo ao fazer variar constantemente os bens importados; penaliza a incipiente produção nacional ao colocar no mercado produtos a preços mais baixos do que os da concorrência local (quando o Kwanza está valorizado) ou torna os produtos demasiado caros para o nosso mercado (quando o Kwanza desvaloriza). Se não protegermos a produção nacional, a mesma nunca vai se tornar competitiva, mas se protegermos de mais, dado os baixos salários e a alta taxa de desemprego, o consumo vai cair de forma drástica, agravando ainda mais a fome e a miséria que se vive no país. O que fazer? Como tem alertado o CINVESTEC, não existe a solução, mas as soluções. E uma dessas soluções é a seguinte:

Após estudos apurados, enquanto país, devemos ser capazes de determinar uma taxa de câmbio que reflecte cabalmente o real custo de se produzir em Angola. Se essa taxa for, por exemplo, de 900 KZ/USD, devemos aceitá-la. Porque essa taxa reflecte a diferença de produtividades entre Angola e as economias mais competitivas; se estivermos realmente comprometidos com o país, e não com o dinheiro fácil do petróleo,

À medida que os tribunais forem mais céleres e imparciais, a separação e a independência dos poderes for efectiva e a isso agregarmos um investimento significativo na educação, pesquisa e inovação, a função de produção (a forma como produzimos) vai se expandir, os custos de produzir em Angola vão baixar, assim como a taxa de câmbio. Esse é o caminho da estabilidade cambial efectiva e duradoura, haja coragem e competência!»

Folha 8 com Lusa

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