No Sul de Angola, região assolada por secas cíclicas e cada vez mais severas e, igualmente, vítima da incompetência governativa, milhares de pessoas enfrentam graves situações de desnutrição que as escolas de campo (ECA) tentam aliviar, introduzindo melhorias na produção agrícola.
A ECA Twepwila, fundada em 2021 e apoiada pelo programa Fortalecimento da Resiliência e Segurança Alimentar e Nutricional em Angola (FRESAN), é uma delas.
Ali trabalham 25 mulheres da aldeia de Tchiango e aprendem como mitigar a fome, recorrendo a técnicas agrícolas pouco sofisticadas e de fácil aplicação que lhes permitem melhorar a produção de alimentos.
Desde a escolha das sementes, ao tipo de produto e à forma como se cultiva, enriquecimento do solo com fertilizantes naturais, combate às pragas com insecticidas caseiros feitos com um “mix” de plantas locais, várias são as técnicas que se ensinam nesta escola, onde os camponeses aprendem também o que não devem fazer, evitando, por exemplo, as queimadas descontroladas.
Nesta comunidade mumuíla, que habita a cerca de 30 quilómetros do Lubango, capital da província da Huíla, cerca de 50 pessoas, sobretudo mulheres e crianças, juntaram-se para dar as boas-vindas aos visitantes de uma comitiva de representantes de agências internacionais e da União Europeia, membros do Governo angolano, de organizações da sociedade civil e jornalistas, que vão ver como a ECA pode contribuir para melhorar as suas vidas.
Nos dois hectares onde aprendem e cultivam, as “alunas” semearam milho, massango e massambala (cereais locais), cebola, repolho, feijão, couve e outros produtos hortícolas, usando técnicas agrícolas que lhes permitirão, se tudo correr bem, dispor de alimentos todo o ano, deixando de depender apenas do gado, principal fonte de riqueza desta região.
A acompanhá-las, está o “professor” Eduardo Álvaro, especialista agro-florestal que desenvolve a metodologia de capacitação prática da ECA, em que os camponeses aprendem fazendo, apoiados por facilitadores provenientes da própria comunidade.
Ensinar agricultura a agricultores faz sentido, garante o especialista, sublinhando que a “planificação”, de acordo com o calendário agrícola, é uma “chave” para o sucesso da produção.
A ECA ajuda a esclarecer dúvidas no combate a doenças e pragas, ensina técnicas de preparação da terra e a plantar de acordo com o compasso (distância entre plantas e entre fileiras), introduz sementes melhoradas e tubérculos resistentes à seca como a mandioca, exemplifica.
“O agricultor precisa de uma coordenação para aumentar a sua produção, respeitando o calendário agrícola”, salienta Eduardo Álvaro, acrescentando que na ECA é possível até gerar algum excedente para vender.
Maria Luísa, de 61 anos e oito filhos, é uma das alunas, e contou à Lusa como aprendeu a diversificar as culturas que semeia, introduzindo a mandioca e a batata-doce, que apesar de serem muito comuns em Angola, não fazem tradicionalmente parte da dieta alimentar destas populações.
Afirma também que aprendeu a alimentar-se de forma diferente, mas quando lhe perguntamos o que compõe as suas refeições habituais cita quase sempre os mesmos produtos: “londi” (planta local), funge (papa de farinha e água) e feijão.
Maria Muapeletchi Limala, de 21 anos, é uma das facilitadoras da ECA e ensina a usar os compassos e a seleccionar as sementes e aprendeu a fazer queimadas controladas. Por enquanto, vai continuar a dedicar-se à vida agrícola e à pecuária, mas diz que a fome continua a ser uma realidade.
“Ainda se passa fome, a vida é dura, as chuvas estão muito difíceis”, lamenta a jovem, afirmando que muitos dos camponeses não conseguem produzir.
Além da fome, a sede é outra das causas da vulnerabilidade destas comunidades rurais.
Na aldeia MalambiI, na comuna Bata-Bata, terra onde não se planta, não há água e os alimentos escasseiam, há pessoas que encontraram nas cisternas-calçadão uma forma de matar a sede.
A tecnologia é de implementação simples e são as próprias comunidades que constroem e gerem estas infra-estruturas em forma de pirâmides. Baseiam-se em calçadas de cimento que recolhem a água das chuvas e a encaminham para reservatórios com capacidade para 52 mil litros, onde a água fica armazenada e vai sendo renovada para assegurar o abastecimento das famílias na época mais seca.
Maria Vina Catchoca, uma das beneficiárias deste projecto e que integra a comissão de gestão das cisternas, conta que antes era obrigada a percorrer longas distâncias para ir buscar água.
“Sais de casa às 7 horas e voltas às 12 horas com um bujão de 20 litros na cabeça e outros cinco litros na mão para não ter de repetir várias vezes a viagem”, descreve a mulher de 59 anos e mãe de sete filhos.
“Antes de termos esses tanques, tínhamos dois problemas: fome e sede, não tínhamos comida e não tínhamos água. A questão da água está resolvida, mas eu estaria a mentir se dissesse que não temos fome. Tal como nos vê, o nosso aspecto é de alguém que não se alimenta bem. Fome ainda temos, mas temos de agradecer que, pelo menos, já não temos de andar muitos quilómetros”, conforma-se Maria Vina, com a dureza da vida marcada na magreza e na pele envelhecida.
Combater a fome e a sede são os objectivos primordiais do FRESAN, programa do Governo angolano financiado pela União Europeia, que está a ser implementado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o hospital espanhol Vall d’Hebron.
O programa que conta com uma dotação de 65 milhões de euros, dos quais mais de 48 milhões geridos pelo Camões, está a entrar no seu segundo ano de implementação, e prolonga-se até Agosto de 2024, contando com vários parceiros angolanos e internacionais, incluindo organizações da sociedade civil e departamentos do administração central e local de Angola.
O Camões subvenciona 19 projectos orientados para a agricultura familiar e acesso à água e nutrição, através de escolas de campo, reabilitação de pontos de água e construção de cisternas e sensibilização das comunidades no âmbito da desnutrição, entre outras iniciativas.
No total, estão já implementadas 139 ECA (a meta é de 300), abrangendo 8.000 camponeses, infra-estruturas de água para consumo humano que beneficiam 20.000 agregados familiares, num total de 100.000 pessoas, e 50 hectares regados com sistemas de irrigação gota a gota, com vários tipos de produção distribuídos por três províncias do sul de Angola: Huíla, Cunene e Namibe.
Tal como pretende o governo do MPLA, não interessa ensinar a pescar nem mandar peixe. Interessa é mandar dinheiro para, supostamente, ensinar a pescar e comprar peixe. Assim, por exemplo a União Europeia vai lançando tranches de muitos milhões de euros para financiar projectos de organizações da sociedade civil nas províncias da Huíla, Cunene e Namibe, afectadas pela seca. Isso acontece, por exemplo, no âmbito do pomposo projecto de Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional em Angola (FRESAN).
O FRESAN é um projecto financiado pela UE para o apoio às províncias do sul de Angola mais afectadas pela seca e ameaçadas pelos efeitos das alterações climáticas, designadamente Huíla, Cunene e Namibe. Segundo um estudo do FRESAN, a situação de seca nas províncias da Huíla, Namibe e Cunene afectava há mais de um ano pelo menos 1.139.064 angolanos da região. Pelo menos.
É claro que o Titular do Poder Executivo está atento. Prova disso é o contrato rubricado com o Japão e destinado ao sector dos transportes, avaliado em 600 milhões de dólares e que, ao que tudo indica, visa transportar… água para as regiões carenciadas.
Seca é uma galinha de ovos de ouro para o MPLA
Em Maio de 2019, as Nações Unidas disponibilizaram a Angola 6,4 milhões de dólares (5,7 milhões de euros) para ajudar o Governo a fazer face à crise de seca no sul do país. E o que faz o Governo? A fazer fé no seu crasso historial de incompetência gasta o dinheiro mas, é claro, mantendo mais esta galinha dos ovos de ouro, de modo a que a seca continue e as doações também.
Em comunicado, as Nações Unidas anunciaram na altura que a referida ajuda se enquadrava no Fundo Central de Resposta a Situações de Emergência (CERF, na sigla em inglês) e deveria ser aplicada em projectos nas províncias do Cunene, Huíla, Bié e Namibe, para beneficiar 565.000 pessoas afectadas pela seca.
O actual CERF vai beneficiar cerca de 25% do total de 2,3 milhões de pessoas que as Nações Unidas estimam estarem a ser afectadas pela seca e consequente insegurança alimentar no sul de Angola.
As áreas de nutrição, água e saneamento, agricultura e segurança alimentar, saúde e protecção são as que vão merecer (em tese) a atenção do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) e da Organização das Nações Unidas para a Saúde (OMS), as agências encarregues de implementar as ajudas.
O documento sublinha que 44% do total do fundo será direccionado para a nutrição, 27,8% para a água e saneamento e o restante será dividido entre os projectos de saúde, segurança alimentar e agricultura e protecção.
“O severo impacto da seca no sul tem levado à deterioração rápida dos meios de subsistência da população. Segundo dados do Governo provincial do Cunene, o número de pessoas que precisam de ajuda humanitária nessa província aumentou de cerca de 250 mil, em Janeiro de 2019, para 860 mil em Março deste ano, o que representa já 80% do total da população da província”, realça a nota.
A ONU estima que 2,3 milhões de pessoas não estão em condições de satisfazer as suas necessidades nutricionais nas quatro províncias mais afectadas, sendo que cerca de 490 mil são crianças com menos de cinco anos. O apoio inclui igualmente a saúde e protecção de cerca de 37 mil mulheres grávidas.
As Nações Unidas consideram que para fazer face à crise e situação de emergência que o país vive seriam necessários 92 milhões de dólares (82,4 milhões de euros), pelo que os 6,4 milhões de dólares disponibilizados correspondem a 6,9% do total das necessidades estimadas.
Enquanto isso, o Governo dá ao mundo o exemplo da ementa que pratica: Trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas e umas garrafas de Château-Grillet 2005…
Folha 8 com Lusa