“SIM QUERIDO PATRÃO”, DIZEM OS JORNALEIROS DO MPLA

O líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Adalberto da Costa Júnior, acusou hoje os órgãos de comunicação social públicos (pagos por todos mas propriedade do MPLA) de “censura” por não divulgarem as actividades do partido e criticou a falta de publicação dos cadernos eleitorais.

“Vivemos tempos de verdadeiros escândalos, de censura e de falta de acesso igual a informação, tudo questões que a Constituição garante de forma absoluta”, disse Adalberto da Costa Júnior, na abertura da segunda Reunião Ordinária do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA.

“O país acompanhou [no sábado] actos de alguns partidos políticos, nomeadamente da UNITA, mas à noite, nos órgãos de comunicação social públicos, a UNITA não teve nenhum acto, nem um uma imagem, nem um segundo mostrou ao país o acto que desenvolvemos, com milhares de cidadãos, mas que foi excluído, censurado, retirado dos conteúdos e gostávamos de saber porquê”, afirmou Adalberto da Costa Júnior.

A “abordagem às eleições está a fazer-se no pior ambiente democrático, e isso não é normal”, lamentou o líder da oposição, chamando a atenção para a possibilidade de muitos eleitores chegarem ao dia da votação e constatarem que o seu nome está inscrito noutro círculo eleitoral, o que, na prática, impossibilita a votação. Na verdade, esses cidadãos vão votar mesmo não votando. As abstenções serão transformadas em votos no MPLA. Simples. Como sempre.

“O Ministério da Administração do Território e a Comissão Nacional de Eleições devem cumprir a lei, afixando as listas dos cidadãos que procederam ao seu registo em todos os municípios do país, as instituições estão a violar a lei, e não podemos aceitar ser conduzidos para eleições de qualquer forma, não podemos deixar andar”, criticou o líder da oposição.

Na intervenção de abertura do segundo dia de trabalhos, Adalberto Costa Júnior disse ainda que a consulta de registo electrónico do local de votação “já não funciona” e que “a resposta para quem tenta verificar se o seu nome consta da lista é que já não está a funcionar”.

JORNALISTAS NO CORREDOR DA MORTE

Este ano decorreu em Portugal um Inquérito às Condições de Vida e de Trabalho dos Jornalistas, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa, Casa da Imprensa e Sindicato dos Jornalistas, e realizado pelo Observatório para as Condições de Vida e Trabalho, que envolveu investigadores de várias universidades.

Para quando um estudo similar em Angola? Se demorar muito não vai haver… jornalistas. Mas continuará a haver jornaleiros.

Em Março do ano passado, o Conselho Directivo da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) manifestou-se preocupado pela forma sistemática como alguns órgãos de comunicação social e Jornalistas (não jornaleiros) destratam os actores políticos, violando – diz a sucursal do MPLA – gravemente os seus direitos de personalidade, ou seja, violando o “jornalismo” patriótico que o MPLA exige.

Com as atenções viradas para o clima político actual entre as diversas forças, que se prevê venha a tornar-se cada vez mais crispado, nos limites permitidos pelo regime democrático, a ERCA recomendou que os diferentes órgãos “tenham a melhor consideração, na sua actuação diária, pelo princípio da responsabilidade editorial efectiva e as suas consequências em caso de violação das normas que estão plasmadas nos diferentes diplomas que fazem parte do pacote legislativo da comunicação social, com destaque para a Lei de Imprensa”.

“Encontrando-se esta entidade na primeira linha institucional como garante da aplicação do referido princípio, o Conselho Directivo manifestou-se preocupado com a forma ostensiva como as normas vigentes por vezes são violadas no tratamento desigual que se dispensa aos protagonistas da vida político-partidária”, afirmou a ERCA.

O órgão, sublinhando que não tem competência para interferir directamente na gestão editorial de cada órgão, “nem sendo sua intenção”, a ERCA entende que a sociedade também tem o direito legítimo de se pronunciar sobre a qualidade do jornalismo (com excepção dos órgãos públicos propriedade do MPLA) praticado no país, no quadro da própria democracia participativa, que é um direito constitucional, não devendo por isso serem ignoradas as críticas que se fazem ao seu desempenho.

Servilismo não é sinónimo de Jornalismo

Esclarecimento prévio a alguns dos membros da ERCA. Servilismo significa propensão a obedecer como escravo, falta de dignidade, baixeza, subserviência. Informar, por exemplo, significa mostrar os hotéis de luxo de Luanda. Jornalismo significa, por exemplo, mostrar os angolanos a procurar comida no lixo (que é coisa que não falta).

Não tenhamos medo das palavras e das verdades. Um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontologia profissional, é o que a ERCA (por ordem do Governo) pretende para Angola. É uma tese adaptada do tempo de partido único.

O Governo, ou a ERCA como sua sucursal, quer formatar o que a comunicação social diz. Esse era e continua a ser o diapasão do MPLA. Mesmo maquilhado, o MPLA não consegue separar o Jornalismo do comércio jornalístico.

Quem é a ERCA (MPLA/Governo) para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontologia profissional”?

Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou, com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de bajulação total ao MPLA? Só não estamos a voltar porque, de facto, nunca de lá saímos.

Esta peregrina ideia de Adelino Marques de Almeida e dos seus mais formatados muchachos foi categoricamente manifestada no dia 27 de Fevereiro de 2018, na cidade do Huambo, na abertura do seminário dirigido aos jornalistas das províncias do Huambo, Bié, Benguela, Cuanza Sul e Cuando Cubango.

Para alcançar tal desiderato, Celso Malavoloneke (então secretário de Estado do sector) informou que o Ministério da Comunicação Social iria prestar uma atenção especial na formação e qualificação dos jornalistas, para que estes estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo.

Como se vê o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.

Celso Malavoloneke lembrou – e muito bem (as palavras voam mas os escritos são eternos) – que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologia, verdade e patriotismo. E fez bem em lembrar.

Aos servidores públicos, segundo Celso Malavoleneke, o Chefe de Estado recomendou para estarem abertos e preparados para a crítica veiculada pelos órgãos de Comunicação Social, estabelecendo, deste modo, um novo paradigma sobre a forma de fazer jornalismo em Angola.

Sejam implementadas as teses do MPLA de João Lourenço, que são um pouco piores do que as anteriores, e os servidores públicos podem estar descansados que não haverá lugar a críticas da Comunicação Social.

Dar voz a quem a não tem? Isso é que era bom! Não é para isso que temos um Departamento de Informação e Propaganda do MPLA ou, na sua versão “soft”, uma Entidade Reguladora da Comunicação Social.

Por muito que o MPLA (em sentido lato, onde se inclui a ERCA) queira que os jornalistas (e não só eles, obviamente) do Folha 8 aceitem amputar a coluna vertebral, “transferir” o cérebro da cabeça para o local mais patriótico que o MPLA conhece (os intestinos) e arquivar a memória, não vai conseguir.

Por cá, consideramos que os Jornalista que não procuram saber o que se passa são imbecis, e que os que sabem o que se passa e se calam são criminosos. E é por isso que – com a coluna vertebral e o cérebro nos locais certos – combatemos os imbecis e criminosos, sejam jornalistas ou sipaios.

Imagem: Cartoon de Sérgio Piçarra

Folha 8 com Lusa

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