Os luandenses enfrentam hoje as consequências das oito horas de intensa chuva que caiu na segunda-feira, deixando um rasto de destruição, com mortes, casas submersas, ruas alagadas e amontoados de lixo na icónica baía da capital angolana. Culpados? Os que escapam desde 1576 e não, obviamente, o MPLA que só está no Poder nos últimos… 45 anos.
No interior dos bairros periféricos de Luanda, a paisagem transformou-se em intermináveis lagoas, dificultando a mobilidade de viaturas e cidadãos. Crianças e adultos não têm, por vezes, outra alternativa senão atravessá-las.
Munícipes da capital angolana clamam por “resposta urgente” das autoridades para se verem livres das águas que circundam as suas residências e temem que o pior ainda não tenha acabado, face às previsões de chuva neste mês.
A precipitação intensa arrastou enormes amontoados de lixo, ainda visíveis em várias circunscrições da capital angolana, e na baía de Luanda, ameaçando a biodiversidade marinha com milhares de garrafas e sacos de plástico entre os resíduos.
À semelhança de dezenas de bairros de Luanda, no bairro Mota, distrito urbano do Sambizanga, são incalculáveis os danos das chuvas, com ruas alagadas e casas submersas e moradores a lamentarem as consequências da elevada carga chuvosa.
“O Sambizanga aqui está péssimo, porque em minha casa mesmo entrou muita água, estragou quase tudo. Façam alguma coisa, por parte do Governo para que nos possa desaguar aqui essa água, porque temos aqui uma bacia de retenção”, diz Emília Domingos Pireza, 57 anos.
Natural do Sambizanga e moradora da conhecida zona do “Giló”, circula de botas de borracha, vulgarmente chamadas em Luanda como `mata cobra`, o único meio que garante a mobilidade para outros pontos do `Sambila`, cujo cartão-de-visita são as lagoas.
“Aqui para circular é apenas de “mata cobra”, senão ou pisa na água para comprar algo para comer. A situação está complicada e ainda vai chover e não sei como vou fazer”, lamentou.
António Moreira dos Santos, no Sambizanga há 20 anos, contou que o cenário de ruas intransitáveis e casas submersas naquela circunscrição de Luanda se “repete ano após ano” e pede “urgência na resolução das águas que continuam a invadir as residências”.
Queixou-se também da “letargia” da administração distrital, defendendo que a situação deveria ser solucionada com as verbas do PIIM (Plano Integrado de Intervenção dos Municípios), aprovado em 2020 pelo Presidente angolano para a construção de infra-estruturas locais.
“Porque aqui a comissão já tentou solucionar isso [retirar a água], porque mesmo com o dinheiro do PIIM, que a administração recebe, acho que já deveriam pensar nesta situação, mas nada se vê”, atirou.
As consequências das chuvas também foram descritas por Anacleta de Oliveira Cláudio, moradora da rua da Lama, no Sambizanga, que referiu que muitos vizinhos tiveram de abandonar as suas residências como medida para salvaguardar a vida.
“A água nas ruas ultrapassa o joelho e sem botas temos mesmo que pisar na água. E estamos mal porque ainda estão previstas muitas chuvas e tememos pelo pior se voltar a chover com aquela intensidade”, lamentou.
Já a anciã Maria Emília, 73 anos, natural do Sambizanga, que viu a sua casa transformada num pantanal, disse que as chuvas, que entraram igualmente pelo tecto danificado do seu pequeno quarto, não pouparam os seus electrodomésticos.
“Estou aqui num sofrimento, sempre que a chuva cai, a chuva foi demais, chorei porque não aguentei mais, a água toda da rua invadiu a casa toda e o quintal e não estou mais a aguentar esta situação”, desabafou, pedindo ajuda a pessoas de boa vontade.
O balanço provisório apresentado, na segunda-feira, pelo Serviço de Protecção Civil e Bombeiros angolano apontava para 14 mortos, centenas de casas inundadas e outras parcialmente desabadas, em consequência das chuvas.
Chuvas torrenciais provocaram sempre inundações, queda de árvores e de casas, congestionamentos e deixaram ruas intransitáveis em Luanda. Pessoas morrem.
Há pouco mais de um mês, a 16 de Março, A governadora provincial de Luanda, Joana Lina, disse à TPA que (quem diria?) iria avaliar a situação com as administrações municipais e dos distritos que estavam a recolher informações sobre as ocorrências.
A governadora notou que em algumas áreas se verificava ainda amontoados de lixo, que foram arrastados pelas chuvas, e assinalou que a questão das ravinas “está a ser tratada”.
Nas ruas inundadas da cidade e dos bairros acumularam-se detritos, lama e água, que impediram ou dificultaram a circulação de muitos moradores ao longo das três horas de chuva.
No final de 2017, o Governo, na tentativa de mostrar que, ao contrário do que se diz, Roma e Pavia se fizerem num dia, disse que iria começar o processo de descentralização administrativa, anunciado anteriormente pelo Presidente da República, João Lourenço, com a área da gestão do saneamento em Luanda, passando competências para o governo provincial.
De acordo com um despacho presidencial de Novembro, João Lourenço aprovou um reajuste na Unidade Técnica de Gestão do Saneamento de Luanda (UTGSL), considerando a “necessidade de se aprofundar o processo de desconcentração” da administração do Estado.
No caso das alterações à UTGSL, que ficou sob superintendência do governador da província de Luanda – a primeira medida concreta do género aprovada por João Lourenço -, inseria-se na “consolidação das bases do Processo de Descentralização administrativa que conduza à efectiva aproximação dos órgãos de decisão às populações, dotando-as de capacidade institucional para assegurarem com a adequada eficiência e eficácia o serviço público para o qual são vocacionadas”.
Entre outras alterações, o despacho assinado por João Lourenço define que compete ao governo provincial de Luanda nomear e exonerar o director da UTGSL, aprovar o respectivo programa de acção, modelo de organização e funcionamento.
Está também definido que a UTGSL coordena todo o processo da “expansão dos sistemas de drenagem pluvial e recolha, tratamento e rejeição final das águas residuais”, para “garantir-se a funcionalidade e a observância dos padrões de qualidade das novas urbanizações”, de acordo com o programa estratégico para a província de Luanda, actualmente com mais de sete milhões de habitantes.
Assume ainda, entre outras competências, a coordenação e execução de eventuais expropriações por utilidade pública, bem como “elaborar e implementar” o projecto de macrodrenagem na cidade de Luanda, além de gerir o programa de saneamento da província.
Saneamento básico em Luanda?
Em Março de 2017 morreram pelo menos 11 pessoas em Luanda em resultado das fortes chuvas que inundaram mais de cinco mil casas, o desabamento de algumas e desalojando perto de 400 famílias. Como se sabe, na versão dos donos do país (o MPLA), a culpa de a chuva não respeitar as ordens superiores é dos estrangeiros, no caso dos portugueses.
As chuvas inundaram ainda duas escolas, sete centros de saúde e uma igreja, sobretudo nos municípios do Cazenga, Cacuaco e Viana. Para tentar minimizar os estragos das chuvas foram realizados trabalhos de sucção das águas, a abertura de valetas.
No entanto, as autoridades alertaram para a iminência do enchimento e transbordo de várias bacias de retenção de águas das chuvas, bem como o alagamento da maior parte de ruas secundárias e terciárias da periferia de Luanda.
Entendamo-nos. Tudo o que de errado se passa em Angola foi, é e será culpa dos portugueses. A independência poderia ter chegado há 500 anos mas só chegou há 45. A culpa é dos portugueses. Os presidentes de Angola (todos do MPLA) poderiam ser brancos, mas isso não aconteceu. A culpa é dos portugueses. Angola poderia ser um dos países menos corruptos do mundo, mas não é. A culpa é dos portugueses.
Em tempos recentes, o ex-Presidente da República (que só esteve no poder 38 anos) José Eduardo dos Santos considerou que a província de Luanda vivia “graves problemas decorrentes da situação complicada herdada do colonialismo, mormente no domínio das infra-estruturas e saneamento básico”.
Sua majestade, então rei do país e hoje apenas um marimbondo conluiado com as forças do mal, intervinha na abertura de uma reunião técnica, dedicada à problemática dos constrangimentos sócio-conjunturais da cidade capital, e que juntou alguns membros do Executivo e responsáveis da província em busca de fórmulas mais consentâneas para a implementação dos projectos decorrentes de programas aprovados há alguns anos.
Segundo o então Presidente, os 30 anos de guerra que o país viveu (por culpa dos portugueses, é claro) não permitiram a mobilização de recursos humanos e financeiros para satisfazer todas as expectativas das populações.
Para o MPLA, os desafios são enormes, as despesas cresceram muito e, em certos casos, “superam a nossa capacidade”, daí a necessidade de recorrer-se à sabedoria no domínio da gestão parcimoniosa.
José Eduardo dos Santos disse também ser preciso trabalhar com base em prioridades “atacando os problemas essenciais”, que, por sua vez, permitam a resolução de outros, decorrentes dos eixos fundamentais.
Antes dessa reunião, no Marco Histórico “4 de Fevereiro”, no município do Cazenga, com titulares das pastas da Construção, Transportes, Planeamento e Desenvolvimento Territorial, Urbanismo e Habitação, os secretários de Estado das Águas e do Tesouro, entre outros responsáveis, o “querido líder” cumpriu uma jornada que o levou às obras de intervenção na zona conhecida como da “Lagoa de São Pedro”, na comuna do Hoji-Ya-Henda, assim como a algumas vias rodoviárias, que supostamente vão conferir melhores condições de vida às populações.
Foi então que, com a impressão digital de um dos seus sipaios (no caso até é filho incerto de pais portugueses) que dirigia o Pravda do regime, Eduardo dos Santos mandou dizer que “no ano de 2015, de grande significado para os angolanos, a empresa lusa Mota-Engil foi contratada para reabilitar todos os passeios e ruas da cidade de Luanda”.
Até aqui tudo normal. Mas seguiu-se a reprodução do argumentário simiesco do sipaio (José Ribeiro, então director do Jornal de Angola), com o aval do Presidente: “Durante as obras, a construtora vedou com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas. Quando nesse ano as fortes chuvas chegaram, as ruas ficaram transformadas em rios e no sítio dos esgotos abriram-se crateras que ainda hoje se vêem.”
E depois não queriam que a rapaziada critique Portugal, mesmo que tenha de se descalçar para contar até 12. Então a Mota-Engil “vedou com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas”? Isso é coisa que se faça? A ideia seria dar razão ao MPLA quando este fala da “situação complicada herdada do colonialismo, mormente no domínio das infra-estruturas e saneamento básico”. Mas, convenhamos, poderiam não ter vedado “com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas”.
“Com a acumulação de charcos e lixo, as condições de saúde na capital angolana degradaram-se. A cidade foi assolada por um surto de febre-amarela. A crise só foi ultrapassada com a substituição do governo provincial”, escreveu o Pravda. E escreveu muito bem, ou não estivesse a reproduzir o recado de um líder que até conseguiu pôr o Rio Kwanza a desaguar na foz e não na nascente…
Com todo este cenário, é bom de ver que Portugal para se redimir de todos os seus históricos erros em relação a Angola, deve rapidamente pedir desculpas às terças, quintas e sábados e pedir perdão às segundas, quartas e sextas. Aos domingos deve tomar a hóstia que tira todos os pecados.
A bem, é claro, da Nação. Da nação do MPLA, entenda-se.
Folha 8 com Lusa