Assinala-se hoje o Dia do Antigo Combatente e Veterano da Pátria em Angola. Mas será que os antigos combatentes ainda serão angolanos? A falta de dignidade e de respeito, aliada a todo o tipo de assistência (médica e medicamentosa, habitação condigna e emprego, juntamente com uma miserável pensão, lideram as preocupações dos antigos combatentes.
No âmbito do Dia do Antigo Combatente e do Veterano da Pátria, que se assinala em todo o país, os antigos combatentes angolanos, que participaram na guerra colonial e na guerra civil recordam a quem manda que o país alcançou a independência “graças ao seu esforço e empenho”.
Há desabafos que ficam para a História e que deveriam envergonhar o Governo: “Não somos valorizados, não temos casas, nem regalias e estamos aqui a sofrer, no esquecimento”. “E nem sequer valor temos. A pensão que alguns recebem não chega para nada. É triste a situação dos antigos combatentes”. “Se dependesse do Estado não estaria aqui em vida”. “Recebemos muitas promessas de casas, cooperativas agrícolas, emprego e estudo para os filhos e até hoje nada. Eu sou doente e nem assistência médica tenho direito”.
Em 2018 o ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Pedro Sebastião, tinha uma visão diferente e defendia a necessidade da criação de mecanismos para maior rigor no controlo e certificação dos Antigos Combatentes e Veteranos de Pátria, preenchendo todos os requisitos recomendados pela Lei.
Na sua óptica, é necessário com a maior urgência criar-se mecanismos rigorosos para controlo e certificação dos antigos combatentes que preencham ou não os requisitos recomendados por Lei. Coisa que, provavelmente, ainda não houve tempo para fazer, mesmo que a nossa última guerra tenha terminado há 19 anos.
Outro aspecto que deve merecer também uma maior atenção, disse o ministro de Estado, é a proliferação de associações com um mesmo objectivo, advogando que elas devem e podem ser fundidas numa só, para maior coesão na utilização dos recursos, porquanto a dispersão cria fraqueza que torna as instituições sem o dinamismo necessário.
Pedro Sebastião disse, recorde-se, que o Executivo saído das eleições de Agosto de 2017 tinha como primazia, apesar dos esforços empreendidos na generalidade, a situação social dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria que clamam ainda por uma atenção diferenciada.
O ministro explicou que o Governo reconhece a necessidade de se prestar maior e melhor atenção aos assuntos ligados a essa franja da sociedade, com particular realce para as suas condições de vida e das suas famílias.
Salientou também que o estatuto do Antigo Combatente e Veterano da Pátria tem sido usurpado, com alguns casos fraudulentamente, por elementos que nada têm de Antigos Combatentes, usufruindo estes em detrimentos daqueles os benefícios que a Lei confere.
Os angolanos comemoram hoje, 15 de Janeiro, o Dia Nacional dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, instituído e aprovado pela Assembleia Nacional durante a sua primeira sessão plenária extraordinária de 2011.
Recorde-se que, talvez por engano, a UNITA chegou a afirmar que “o país tem muitos dos seus antigos combatentes e centenas de milhares dos seus ex-militares, muitos deles mutilados de guerra, constituídos em exército de mendigos, fora da caixa de segurança social, e a Assembleia Nacional aprova uma lei que dê uma dupla subvenção às ex-primeiras-damas da República”.
Também em abono da verdade, relembre-se que o Governo angolano abriu em Janeiro de 2017 (ano eleitoral) um crédito adicional de mais de 38 milhões de euros para pagamento de despesas de 2016 relacionadas com o programa de reintegração socioeconómica dos antigos combatentes e veteranos da pátria.
Dezenas de desmobilizados das FAPLA e das FALA, muitos deles fardados, juntaram-se no dia 19 de Julho de 2017 perto do Ministério de Defesa, em Luanda, para protestar contra decisão, arbitrária e prepotente, do ministro da Defesa – João Lourenço – que mandou suspender o pagamento dos irrisórios subsídios e reformas a que tinham direito.
Cumprindo ordens superiores do próprio ministro da Defesa (hoje Presidente da República), as forças de segurança trataram imediatamente de pôr na ordem os manifestantes, a grande maioria dos quais até essa data recebia 20 ou 30 euros por mês.
Embora fosse uma questão de carácter laboral, os manifestantes não deixaram de lembrar que foram militares, que lutaram pelo seu país, e que “continuavam a saber como se usam as armas”, embora essa “não seja a opção que pretendem tomar”.
Recordaram, aliás, que “há muitos oficiais na reforma a receber milhares de euros por mês e que, na verdade, nunca foram militares, tendo chegado a essa situação por conivência criminosa do regime”.
A situação já é antiga e de há muito que os ex-militares angolanos reivindicam também o pagamento de indemnizações e salários em atraso desde 2010. Nem mesmo o Presidente da República de então, por inerência também comandante das Forças Armadas, e ainda chefe do Governo, José Eduardo dos Santos, mostrou ao longo dos últimos anos do seu consulado qualquer preocupação na resolução do assunto.
“Esta manifestação não é de manifestantes, é de militares e se a polícia não tiver um comportamento adequado, nós também vamos reagir”, dizia em 19 de Abril de 2015 Mário Faustino, um dos elementos da organização que nesse dia concentrou centenas de militares numa reunião que teve lugar no Cazenga.
Tal como disserem em 2015, os veteranos continuam a lembrar, com louvável paciência, que “os polícias e os militares no activo (muitos dos quais até estão solidários com eles) que existem em Angola não têm mais técnica que os ex-militares. Nós não queremos que eles ajam com violência para nós também não partirmos para a violência, porque todo o pessoal está mesmo frustrado”.
Os ex-militares exigiam o pagamento de subsídios, a integração na Caixa de Previdência e Segurança Social do Ministério da Defesa, em vez de continuarem inscritos nos serviços de segurança social dos Antigos Combatentes ou do regime geral.
Enquanto os generais no activo, violando a própria Constituição de Angola, dão apoio público ao MPLA, os ex-militares tanto das FAPLA como das FALA continuam a penar pela sobrevivência.
Assim, nem como ministro da Defesa, nem como Presidente, João Lourenço não só continua sem responder às reivindicações dos ex-militares angolanos que, durante uma vida, andaram a matar-se uns aos outros na defesa de causas diferentes, como lhes tira o bocado de pão seco com o qual enganam a fome e a miséria.
Ao contrário de João Lourenço, os ex-militares percebem que, ao contrário do que dizia Agostinho Neto, o importante não é resolver os problemas do Povo. Aliás, o regime nem sequer sabe que existe Povo.
Quantos são? Eram cerca de 60 mil os ex-militares nestas condições, abarcando cinco mil soldados, sargentos e oficiais que desde 1992 deixaram de receber os vencimentos estabelecidos, e também os que foram desmobilizados depois daquele ano, e que receberam as guias da Caixa Social das Forças Armadas mas que, quando vão receber, são informados que não há dinheiro.
Mas há mais. Também lá estão os que não tendo sido desmobilizados continuam a ser militares e não recebem, mais os 250 efectivos do processo “27 de Maio”, que aguardam o pagamento da pensão de reforma, os 402 do Batalhão Comando Ex-Tigres, que lutaram na vizinha República Democrática do Congo, que têm direito a subsídios desde 2007 e que só receberam o correspondente a 2012.
Também fazem parte os mais de 32 mil militares dos antigos braços armados da UNITA (FALA) e da FNLA (ELNA), ainda 18 mil oficiais que passaram à reforma e os que integraram a chamada Defesa Civil, então tutelados pelo Ministério da Defesa Nacional e integrados nos governos provinciais na última guerra civil (1998/2002) e, finalmente, os que estavam integrados na Segurança do Estado, nas chamadas Tropas Territoriais, na Organização de Defesa Popular e nas Brigadas Populares de Vigilância.