A transportadora aérea TAAG, que é do Estado angolano, deve ao Estado… angolano 1,2 mil milhões de dólares (1,081 milhões de euros), de aquisição de combustível, equivalente a 80% da dívida da companhia, correspondendo o restante a dívidas a fornecedores, anunciou hoje a administração. Será caso para dizer que ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão?
Segundo o presidente da Comissão Executiva da operadora aérea estatal, Rui Carreira, a dívida para com o Estado, sobretudo com a petrolífera Sonangol, resultou dos “elevados preços” dos combustíveis para a aviação que se praticavam anteriormente no país (vai sobrar para Isabel dos Santos).
“Porque durante muitos anos o preço do combustível para a aviação foi mais caro e a TAAG sofria com isso e apesar da pequena subvenção também era considerada como dívida. Temos a dívida para com os nossos fornecedores, mas é muito menor, 80% da nossa dívida é para com o Estado”, disse num encontro com jornalistas.
A actual situação da operadora angolana, cuja metade dos activos deve ser privatizada à luz da descoberta pelo Governo da Pedra Filosofal, ou seja o Programa de Privatizações (ProPriv), apresentado na semana passada pelo Governo, dominou o encontro da Administração da TAAG, em Luanda.
Rui Carreira deu conta que o grande problema da transportadora é a falta de divisas para investimentos e tesouraria operacional diária, porque, admitiu, a falta de divisas tem depois impacto na operação e na qualidade dos serviços.
Para o gestor, a inflação e a taxa de câmbio ainda incontroláveis no país influenciam negativamente o sector da aviação civil, pois a desvalorização do kwanza acontece semanalmente e isso influencia muito os números da companhia.
“Setenta e cinco por cento da nossa receita é em kwanzas e agora é capaz de subir, mas as nossas despesas são quase 80% em divisas com compras de material aeronáutico, gasta-se muito, e isso complica muito as nossas contas, porque mesmo as despesas internas com fornecedores eles indexam em dólares”, explicou.
As dificuldades financeiras da operadora, que no primeiro semestre de 2019 registou um aumento de 20% a nível das receitas, em relação ao período homólogo de 2018, cujo montante não foi revelado, “também se reflectem na qualidade dos serviços que fornece”.
“Os passageiros reclamam com a falta de bolsas higiénicas, de monitores que não funcionam e isso não é falta de planificação ou incompetência de gestão, mas sim a falta de divisas como reflexo das dificuldades financeiras que persistem”, sublinhou.
Em 2018 a empresa transportou 1,3 milhões de passageiros e este ano espera transportar até Dezembro 1,5 milhões de passageiros.
Em relação à privatização da empresa detida pelo Estado, Rui Carreira frisou que, no quadro do ProPriv, o accionista maior deverá ter uma participação de apenas 51%, estando a “preparar a empresa para ser apetecível ao mercado”.
“Porque a empresa está com uma dívida muito grande”, realçou, adiantando que algumas companhias áreas africanas já manifestaram interesse em entrar no capital da TAAG, “como a Etiópia Airlines”.
A TAAG conta actualmente com 3.100 funcionários, “mas o desejável, no âmbito da reestruturação” seriam 2.000, pelo que o gestor acredita que o processo natural de reforma pode “ajudar a equilibrar o actual número de funcionários da empresa”.
Aumentar rotas e fechar outras, como o percurso Luanda/Rio de Janeiro, para “reduzir custos”, constam das perspectivas da administração da operadora angolana, garantindo, no entanto, manter a rota Luanda/São Paulo.
“A nível do continente africano temos, por exemplo, a rota bastante negativa como Luanda/Harare”, referiu.
O presidente da Comissão Executiva confirmou que a operadora vai adquirir seis aeronaves do tipo Dash8-400 à canadiana De Havilland Aircraft, no quadro da renovação da sua frota, cujos aviões com 72 lugares cada começam a chegar ao país a partir de Janeiro de 2020.
“Surgem para cobrir toda a rede de voos domésticos e alguns regionais aqui próximo, no plano tínhamos previsto receber a primeira aeronave em Janeiro de 2020 e até Junho pensamos manter esse calendário”, rematou.
A tese (ou coisa parecida) do ministro
O ministro dos Transportes, Ricardo de Abreu, garantiu no dia 20 de Março de 2019 que a privatização parcial da TAAG estará concluída ainda este ano. Palavra de ministro.
Ricardo de Abreu admitiu, por outro lado, que a renovação da frota da companhia aérea de bandeira prevê a aquisição de aviões Boeing 737 MAX8, mas que espera que, até 2022 ou 2023, os eventuais problemas com o modelo do aparelho estejam ultrapassados.
Sobre o processo de privatização, Ricardo de Abreu lembrou que, em Novembro de 2018, o Presidente João Lourenço aprovou a transformação da TAAG em sociedade comercial (sociedade anónima), em que o plano de abertura de capital da transportadora prevê a abertura a investidores estrangeiros.
“Tínhamos inicialmente perspectivado que esse processo estivesse concluído em 2021, mas, face um pouco à dinâmica económica e ao que estamos a fazer do ponto de vista da renovação da frota da própria TAAG, iremos acelerar este processo para que, ainda ao longo de 2019, possamos ter a documentação necessária pronta para se iniciar o convite a entidades eventualmente interessadas na entrada no capital”, indicou.
Em Novembro passado foi noticiado que a privatização parcial da transportadora aérea estatal angolana TAAG previa a venda de até 10% do capital social a outras companhias aéreas, nacionais ou estrangeiras, segundo o novo estatuto da empresa.
O documento, aprovado por decreto presidencial de 26 de Novembro, assinado por João Lourenço, refere que o capital social da TAAG está avaliado em 700.000 milhões de kwanzas (cerca de 2.000 milhões de euros), representado por 2.000 milhões de acções ordinárias.
O Estado, os trabalhadores e as contas
João Lourenço alertou no dia 21 de Junho de 2018 para o sobredimensionamento da mão-de-obra ao serviço da TAAG, pedindo ao novo ministro dos Transportes uma “solução de equilíbrio entre os interesses do Estado e dos trabalhadores”.
João Lourenço discursava no Palácio Presidencial, em Luanda, após dar posse a Ricardo Viegas de Abreu como novo ministro dos Transportes, que sucede a Augusto Tomás, entretanto exonerado e condenado a uma pena de prisão de 14 anos.
“Sabemos que a empresa está sobredimensionada em termos de mão-de-obra. Procure encontrar uma solução de equilíbrio que defenda os interesses do Estado, mas que defenda também os interesses dos trabalhadores, porque afinal são chefes de família”, exortou o chefe de Estado, admitindo que a situação da companhia estatal “preocupa”.
“Agradeço que preste muita atenção às grandes empresas públicas do sector, à forma como são geridas e à qualidade dos serviços que prestam à população, com destaque para a companhia de bandeira, a TAAG”, disse ainda.
O presidente do Conselho de Administração da TAAG, José Kuvingua, anunciara meses antes, em Janeiro, que a sua direcção iria “ajustar o excessivo número de trabalhadores” com as “reais necessidades”, para garantir o funcionamento da operadora estatal.
“A primeira coisa será o reenquadramento do pessoal de acordo com as reais necessidades, portanto poderá correr transferências internas e também o cancelamento dos enquadramentos ou recrutamentos sem propósitos justificados”, disse José Kuvingua.
Recorde-se que, segundo José Kuvíngua, a TAAG necessita de uma capitalização estatal de 952 milhões de dólares (805 milhões de euros) para fazer face às perdas acumuladas nos últimos anos. A informação foi prestada na apresentação do plano estratégico da companhia de bandeira para o período 2018/2022 durante um seminário promovido pelo Ministério dos Transportes.
A preocupação da administração da TAAG agravou-se com a necessidade de pagamento de empréstimos contraídos para a aquisição, desde 2015, de três novas aeronaves, bem como revisões planeadas de motores e de manutenção.
Por esse motivo, José Kuvíngua sublinhou a importância da recepção atempada do subsídio de combustível atribuída pelo Estado, bem como uma nova injecção de capital, de pelo menos 150 milhões de dólares (127 milhões de euros) no imediato, para eliminar ou reduzir o défice oriundo de perdas anteriores.
Um (mais um) casamento falhado
No dia 30 de Setembro de 2014, o Ministério dos Transportes de Angola e a EMIRATES assinaram, no Dubai, um acordo de pareceria estratégica para o desenvolvimento da TAAG – Linhas Aéreas de Angola.
Segundo um comunicado oficial, o acordo dava corpo a um Contrato de Gestão da TAAG pela EMIRATES, através do qual a gestão de topo da TAAG passaria a ser principalmente da responsabilidade de uma equipa de executivos da EMIRATES.
O contrato previa um novo Modelo de Governação para a TAAG que passava a ser administrada por um Conselho de Administração composto por nove membros, assim distribuídos: Cinco indicados pelo Governo angolano, nomeadamente o Vice-Presidente do Conselho de Administração e quatro administradores não executivos e quatro administradores executivos indicados pela EMIRATES, sendo um o Presidente do Conselho de Administração.
O comunicado referia ainda que a gestão corrente da TAAG seria assegurada por uma Comissão Executiva, composta pelos administradores executivos indicados pela EMIRATES, nomeadamente, o Presidente da Comissão Executiva , os administradores com os pelouros Comercial, Operacional, Financeiro e Administrativo. A esses junta-se o Vice-Presidente do Conselho de Administração, indicado pela parte angolana.
Nos termos do acordo, o objectivo era dotar a TAAG de uma gestão profissional de nível internacional, libertando-a de problemas de eficácia e eficiência que vêm persistindo há longos anos, aumentar a oferta de destinos para os passageiros angolanos, melhorar o serviço que presta a estes e elevar os padrões de operacionalidade e segurança.
Constavam igualmente dos propósitos, a transferência de conhecimentos e boas práticas da EMIRATES para a TAGG, contribuindo para a formação e potenciação dos gestores e técnicos da companhia aérea angolana, sanear financeiramente a companhia angolana, aplicar maior rigor em todos os processos de controlo, bem como reduzir os custos de operação, através de economias de escala que resultem da aquisição de produtos e serviços na rede do Grupo EMIRATES.
O comunicado de imprensa esclarecia que todos os objectivos seriam alcançados sem prejuízos indevidos para os actuais trabalhadores da TAAG, pretendendo-se, antes pelo contrário, a elevação do seu nível profissional e das suas condições de trabalho.
Para a assinatura deste Contrato de Gestão, deslocou-se ao Dubai uma delegação de alto nível do Ministério dos Transportes, encabeçada pelo então titular Augusto Tomás e que integrava também o secretário de Estado para Aviação Civil, Mário Domingues, o director geral do Instituto Nacional da Aviação Civil (INAVIC), Carlos David, e os presidentes dos Conselhos de Administração da TAAG e ENANA, Teixeira da Cunha e Manuel Ceita, respectivamente.
Entretanto, a transportadora aérea EMIRATES anunciou no dia 10 de Julho de 2017 o “fim imediato” do contrato de concessão para gestão da companhia de bandeira angolana TAAG face “às dificuldades prolongadas que tem enfrentado no repatriamento das receitas” das vendas em Angola.
Numa declaração à Imprensa, em Luanda, a transportadora referia igualmente que estava a “tomar medidas no sentido de reduzir a sua presença em Angola” e que a partir desse dia reduzia de cinco para três o número de frequências semanais para Luanda.
“Esta questão tem-se mantido sem solução, apesar de inúmeros pedidos feitos às autoridades competentes e garantias de que medidas seriam tomadas”, referiu a companhia árabe.
“Com efeito imediato, a EMIRATES põe fim à sua cooperação com a TAAG – Linhas Aéreas de Angola – ao abrigo de um contrato de concessão de gestão em curso desde Setembro de 2014”, acrescentava a empresa, com sede nos Emirados Árabes Unidos.
“Esperamos que a questão do repatriamento de fundos seja resolvida o mais cedo possível, de modo que as operações comerciais possam ser retomadas de acordo com a demanda”, referiu ainda a companhia.
O contrato de gestão assinado entre o Governo angolano e a Emirates previa introdução de uma “gestão profissional de nível internacional” na TAAG, a melhoria “substancial da qualidade do serviço prestado” e o saneamento financeiro da companhia angolana, que em 2014 registou prejuízos de 99 milhões de dólares (88 milhões de euros).
Em contrapartida, no âmbito do Contrato de Gestão da transportadora pública angolana celebrado com a EMIRATES Airlines para o período entre 2015 e 2019, previa-se dentro de quatro anos resultados operacionais positivos de 100 milhões de dólares.
Outros tempos… ou nem por isso?
No dia 1 de Outubro de 2016 o então ministro dos Transportes, Augusto Tomás, afirmou, em Luanda, que o Executivo angolano ia continuar a reforçar a TAAG com meios técnicos e aéreos, a fim de tornar a companhia referência mundial, prestando um trabalho com credibilidade, segurança e conforto.
Augusto Tomás falava à imprensa, no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, no acto de recepção da nova aeronave Boeing 777-300ER da companhia angolana de bandeira.
De acordo com o então ministro, o programa fazia parte de uma estratégia do Executivo de José Eduardo dos Santos, com vista a dotar a empresa de uma gestão profissional de nível internacional, tendo em conta a posição geoestratégica de Angola.
“Era necessário dotar a companhia de meios que permitam exercer o seu trabalho com eficácia e eficiência, sobretudo no âmbito dos padrões internacionais. É preciso igualmente ter pessoal qualificado para poder rentabilizar a empresa, melhorar o serviço prestado aos passageiros, elevar os seus padrões de operacionalidade e segurança”, salientou Augusto Tomás.
No dia 15 de Julho de 2016, a TAAG admitiu que enfrentava “sérias dificuldades” para cumprir as “obrigações contratuais” com fornecedores e credores, devido à conjuntura em Angola, nomeadamente à falta de divisas.
A situação foi admitida num comunicado divulgado pela transportadora, confirmando – como o Folha 8 noticiou – a suspensão da compra, com recurso a moeda nacional angolana, o kwanza, de bilhetes para viagens com destino a Luanda e o início no exterior do país.
“Tendo em consideração a crise económica que assola a República de Angola”, que tem criado “desequilíbrios financeiros e contabilísticos de forma generalizada” e “bem notável e acentuada escassez no acesso e disponibilidade da moeda estrangeira, particularmente no sector da aviação civil”, justificava a companhia.
“Os elevados custos operacionais no exterior do país”, dizia ainda a TAAG no comunicado, tem levado a companhia a “enfrentar sérias dificuldades em honrar com as obrigações contratuais junto dos fornecedores e credores”.
Daí que a companhia espere aumentar as vendas em moeda estrangeira, como em dólares e euros, para fazer face às necessidades operacionais fora do país.
No dia 3 de Junho de 2016 foi noticiado que Angola era o quinto país do mundo com mais fundos retidos às companhias aéreas, que não pagava há sete meses, acumulando dividendos de 237 milhões de dólares que as transportadoras não conseguem repatriar.
Os dados constavam de um comunicado da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) que colocava Angola numa lista de países liderada pela Venezuela, com 3.180 milhões de dólares (16 meses sem transferir dividendos), seguida da Nigéria (591 milhões de dólares, sete meses), Sudão (360 milhões de dólares, quatro meses) e Egipto (291 milhões de dólares, quatro meses).
No mesmo comunicado, a IATA, que representa 264 companhias aéreas e 83% do tráfego global, afirma que pediu aos governos “que respeitem os acordos internacionais que os obrigam a garantir que as companhias aéreas sejam capazes de repatriar as suas receitas”.
Folha 8 com Lusa