Já que na justiça internacional está a perder várias batalhas, o Presidente angolano, João Lourenço, vira-se para o seu (mas que deveria ser nosso) país, onde ele é a lei, e continua a guerra contra a “família” – que até há pouco tempo também era a sua – José Eduardo dos Santos.
Agora revogou, por despacho que invoca “interesse público”, um contrato de quase 30 milhões de euros, atribuído pelo anterior chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, aos egípcios da El Sewedy Power.
De acordo com o despacho 93/18, de 25 de Julho, em causa está um contrato atribuído ao grupo egípcio em Janeiro de 2016, para o fornecimento e instalação de sete grupo geradores GE-16V228, visando o reforço da capacidade – em 19,6 MegaWatts – de produção de electricidade da central termoeléctrica de Saurimo, província da Lunda Sul.
“Havendo necessidade de se proceder à rescisão do contrato acima referido, por imperativo de interesse público”, lê-se no despacho assinado por João Lourenço, que revoga o contrato atribuído por José Eduardo dos Santos, no valor, equivalente em kwanzas, de 34,8 milhões de dólares (29,8 milhões de euros), igualmente ao abrigo da legislação sobre Concursos Públicos.
De acordo com um levantamento feito pela Lusa, só em Janeiro de 2016, o grupo El Sewedy Power ganhou, por despachos assinados por José Eduardo dos Santos, outros dois concursos do género, totalizando quase 340 milhões de dólares (290 milhões de euros).
Constituído em 1960, o grupo El Sewedy Power actua no ramo da produção e transformação de electricidade e tem actividade essencialmente em países do Médio Oriente e de África.
É difícil saber com exactidão o número de anulações, revogações ou alterações que, sob o manto sigiloso e unilateral do “interesse público” ou da “necessidade subjectiva”, João Lourenço já levou a cabo, tantos deles consagrados com a sua própria conivência activa enquanto ministro de José Eduardo dos Santos.
De facto, João Lourenço revogou, alterou ou mudou a gestão de contratos e projectos aprovados pelo antecessor, José Eduardo dos Santos, no valor de 21.000 milhões de dólares, só até Julho. Projectos e contratos esses que mereceram – importa ir recordando – a aprovação servil e, por isso, incondicional, de um dos mais emblemáticos ministros do anterior presidente. De seu nome, João Lourenço.
De acordo com dados compilados pela Lusa, a primeira das alterações de fundo aconteceu com a publicação, a 2 de Abril, do despacho presidencial 37/18, através do qual o chefe de Estado colocou nas mãos da ministra do Ordenamento do Território e Habitação, Ana Paula de Carvalho, a coordenação do Plano Director Geral Metropolitano de Luanda, para desenvolver, em 15 anos, a “nova” capital, elaborado pela empresa de Isabel dos Santos.
O projecto prevê investimentos, de acordo com informação veiculada aquando da apresentação, em 2015, de 15.000 milhões de dólares (12.890 milhões de euros), até 2030.
Na altura foi apresentado publicamente pela própria empresária e filha do então Presidente angolano, enquanto directora-geral da Urbinveste, empresa que o elaborou.
Nessa versão, o Plano Director Geral Metropolitano de Luanda, projectando a capital angolana para 12,9 milhões de habitantes em 2030, previa a construção de 13 novos hospitais e 1.500 escolas, além de 1,4 milhões de casas e um sistema de comboio suburbano com 210 quilómetros.
A propósito das mexidas que está a incutir, nomeadamente as exonerações daquela que se tornou uma espinha na garganta do general João Lourenço, uma espécie de Jonas Savimbi dos tempos actuais, Isabel dos Santos, da liderança da petrolífera Sonangol, em Novembro, e de José Filomeno dos Santos, no Fundo Soberano de Angola, em Janeiro, João Lourenço garantiu a 1 de Junho que não foram exonerados dos cargos por serem filhos do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos.
É claro que não. Sobretudo Isabel dos Santos, foi exonerada por ser má empresária? Por ser corrupta? Por leva carradas de dinheiro para o estrangeiro? Por denegrir a honorabilidade do país? Por não investir em Angola? Não. Foi exonerada porque isso era o que o populismo do novo “querido líder” impunha.
Pôr Isabel dos Santos na sarjeta significava a simpatia de um país inteiro. E João Lourenço facturou sobre essa onda. Com 20 milhões de angolanos a aprenderem a viver sem comer, JLo só se preocupou em dar-lhes o prazer de verem Isabel ser escorraçada. Passada essa euforia o povo verá que, afinal, saiu Isabel mas eles continuam de barriga vazia. Aliás, se alguns não a têm totalmente vazia devem-no a Isabel e não a João Lourenço.
“Eu não mexi em filhos do ex-Presidente, mexi em cidadãos angolanos. São cidadãos angolanos, estão sujeitos, tanto como os outros, às mesmas regras. Nesses oito meses não foram exoneradas apenas duas pessoas”, afirmou o chefe de Estado, a 1 de Junho.
Exoneradas com que critérios? Os únicos que se conhecem são políticos. Isabel dos Santos não tinha actividades políticas. Por isso o país ainda espera explicações sobre as eventuais razões técnicas, empresariais, de administração, de gestão que possam justificar as decisões de João Lourenço.
Seguiu-se nova revogação, por decreto de 28 de Junho, assinado por João Lourenço, neste caso do projecto de construção e concessão, por 30 anos, do porto da Barra do Dande, alternativo ao de Luanda. Trata-se de uma obra de 1.500 milhões de dólares (1.290 milhões de euros), entregue por José Eduardo dos Santos – por decreto presidencial publicado uma semana antes de João Lourenço tomar posse como Presidente – à empresa Atlantic Ventures, associada à empresa Isabel dos Santos, e que previa a emissão de uma garantia soberana, naquele valor.
A decisão, que implicou a abertura de um novo procedimento, foi justificada com o incumprimento da legislação dos concursos públicos, mas a Atlantic Ventures já veio a público, esta semana, garantir que todo o processo foi feito com transparência e que a concessão “insere-se na concessão de serviços públicos portuários e está sujeita ao regime especialmente previsto, quer na Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas, quer na lei que estabelece as Bases Gerais das Concessões Portuárias”.
Recorde-se que neste caso da Atlantic Ventures, emblemático da gestão autocrática de João Lourenço, a decisão foi aprovada sem contestação em Conselho de Ministro presidido por José Eduardo dos Santos e no qual, aliás, participou um ministro que viria a ser a grande figura de Angola – João Lourenço…
Menos de duas semanas depois, um despacho de 12 de Julho, novamente assinado pelo Presidente angolano, excluiu duas empresas do consórcio encarregue da construção, por mais de 4.500 milhões de dólares (3.870 milhões de euros), da barragem de Caculo Cabaça, no rio Kwanza e que será a maior do país, uma das quais associada directamente a Isabel dos Santos.
Esse despacho aponta, no que parece ser um novo paradigma da governação de João Lourenço, a “necessidade da modificação subjectiva” do consórcio responsável pela obra, com a “saída das empresas CGGC & Niara Holding Limitada e da Boreal Investment Ltd”, justificada com o “objecto do contrato e do seu equilíbrio financeiro”.
“Necessidade da modificação subjectiva” é, objectivamente, definição digna de registo.
Com esta decisão, fica como “parte única” no contrato com o Estado angolano, e “respectivas prestações e responsabilidades”, a empresa China Ghezouba Group Company.
A CGGC & NIARA Holding Limitada tem sido referenciada como uma empresa de direito angolano, fundada a 23 de Maio de 2013, e cujos sócios são a sociedade 2I’S – Sociedade de Investimentos Industriais SA, com sede no endereço de uma das residências privadas de Isabel dos Santos e a CGGC – Engenharia de Angola, representada por Zhou Cheng, cada um com 50% do capital.
É claro que, do ponto de vista da “necessidade subjectiva”, o anterior membro do governo em que tudo se passou, na circunstância objectiva o ministro a Defesa e vice-presidente do MPLA, João Lourenço, passou pela responsabilidade inerente aos seus cargos como uma virgem santíssima.
João Lourenço completa a 23 de Agosto o primeiro ano após a sua eleição como terceiro Presidente da República de Angola e a 8 de Setembro ascende à liderança do MPLA, partido no poder desde 1975 e liderado desde 1979 por José Eduardo dos Santos.
Folha 8 com Lusa