Angola está na lista dos 50 países com as taxas mais alarmantes no Índice Global da Fome 2016, elaborado pelo Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares (IFPRI). O estudo diz que é preciso acelerar o combate à fome, caso contrário a meta de Fome Zero até 2030 não será atingida.
Angola é o País Africano de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) onde a população mais sofre por causa da fome. Até aqui nada de novo, ou não fosse conhecido que Angola é um dos países mais corruptos do mundo, é um dos países com piores práticas democráticas, é um país com enormes assimetrias sociais e é igualmente o país com o maior índice de mortalidade infantil do mundo.
É claro que Angola não é caso único. Também Moçambique e Guiné-Bissau registam altos índices de fome.
Para atingir a meta de Fome Zero até o ano de 2030 em todo o mundo, estipulada pelos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas, o relatório aponta que é preciso criar estratégias de acção para acelerar o combate à fome nas regiões mais afectadas por este mal, nomeadamente África Austral e sul da Ásia.
Em termos gerais, o relatório apontou uma redução de 29% da fome no mundo desde o ano 2000. De acordo com a presidente da ONG alemã Welthungerhilfe, Bärbel Dieckmann, esta redução tem a ver com o trabalho realizado pelos Governos e seus parceiros nos últimos anos.
“Há Governos que assumem as responsabilidades dos problemas que os seus povos enfrentam. E há países que investem em educação, e trabalham juntos com outros parceiros para, de fato, fazer alguma diferença”, referiu Dieckmann.
Apesar da redução de 29%, pelo menos 795 milhões de pessoas ainda sofrem com a falta de alimentos no planeta. Segundo a presidente da Welthungerhilfe, é preciso investir, principalmente, na agricultura.
“A nossa reivindicação principal é o investimento em agricultura, pois assim as pessoas conseguem produzir o suficiente para elas e suas famílias”, destaca Dieckmann.
A miragem da Fome Zero
Em termos absolutos, a África Austral apresentou grandes melhorias entre os anos 2000 e 2016, com uma redução de 14,3% no Índice Global da Fome. No entanto, as taxas ainda são baixas para atingir o objectivo de Fome Zero até 2030.
Segundo o relatório, citando a África Austral e o sul da Ásia, “se essas regiões tivessem que reduzir o nível da fome entre 2016 e 2030 com a mesma velocidade que vêm experienciando desde o ano 2000, elas ainda teriam os piores e mais baixos índices, muito aquém da meta de reduzir para zero a fome até 2030”.
Entre os 50 países com as taxas mais preocupantes no Índice Global da Fome 2016 estão Moçambique, Guiné-Bissau e Angola. Contudo, o caso angolano é o mais alarmante, visto que o país está na décima terceira posição do índice, atrás de países como República Centro-Africana e Etiópia. Moçambique aparece na décima quinta posição, enquanto Guiné-Bissau na vigésima sétima. No total, o índice apresenta dados de 118 países.
O estudo ressalta que “conflitos violentos, má governação, e impactos relacionados com as mudanças climáticas na agricultura” são factores que favorecem a escassez de alimentos na maioria daqueles países.
Um caso concreto no Sul
Em recente entrevista à DW África, o padre angolano Pio Jacinto Wacussanga falou da situação que o sul de Angola vive nos últimos meses por causa da seca.
“A vulnerabilidade ligada à fome nunca foi debelada. Desde 2012 que não chove suficiente para as pessoas cultivarem e fazerem reservas. Porque o ciclo da chamada segurança alimentar mínima é contado a partir do momento que a reserva alimentar aguenta as pessoas até à próxima colheita. E então, isto não existe”, disse o padre.
Para combater de maneira emergencial a falta de comida no país, em especial na região mais afectada pelas alterações climáticas, o Governo angolano adoptou uma série de medidas, entre elas a importação de alimentos.
O porta-voz do Ministério de Assistência e Reinserção Social de Angola, Celso Malavoloneke, diz que, para além destas acções emergenciais, o Governo pretende colocar em prática acções que tenham efeitos mais permanentes.
“Vamos estudar a situação de emergência, especificamente, área por área, para definir acções pontuais, mas a nossa prioridade deverá ser concentrar em repor os mecanismos comunitários, que protejam as comunidades do efeitos, sobretudo, da seca”, assegurou o porta-voz em declarações à DW África.
O exemplo do Brasil
O Índice Global da Fome 2016 coloca o Brasil como “exemplo” no combate ao problema. O relatório cita os programas de protecção social aplicados nos últimos anos como modelos para outros países. A organização, porém, alerta que a crise económica e política podem representar uma ameaça à evolução brasileira no combate à fome.
“A expansão efectiva de programas de protecção social e de intervenção na nutrição levou a uma dramática queda na pobreza, fome e desnutrição no Brasil”, afirma o relatório, publicado em Bruxelas.
Actualmente, 1,6% da população brasileira passa fome e o índice de mortalidade entre os menores de cinco anos é também de 1,6% – o que resulta num índice inferior a 5 pontos, de acordo com os critérios do IFPRI. Em 2001 a fome afectava 12,3% dos brasileiros e 3,2% das crianças morriam antes de completar cinco anos, segundo dados da organização.
Para os pesquisadores, “esse tipo de experiência de estratégias baseadas na protecção social no Brasil ou na agricultura familiar na China oferece modelos que podem ser adaptados e reproduzidos por outros países”.
“Com a crise económica e política que o Brasil enfrenta actualmente, os programas públicos podem não ser mantidos e a tendência positiva na redução da pobreza e da desnutrição poderá reverter-se”, afirmou Andrea Sonntag, uma das autoras do relatório, em entrevista à BBC.
O Brasil figura entre os 16 países que dividem a melhor posição no Índice Global da Fome 2016, junto com Argentina, Chile, Costa Rica e Cuba. Todos têm índices inferiores a 5 pontos, comparado a uma média global de 21.3 pontos.
O índice é calculado com base nos níveis de desnutrição geral e infantil e na taxa de mortalidade infantil de cada país entre 2011 e 2016. Foram analisadas as situações de 118 países em desenvolvimento.
E na América Latina…
Entre os países latino-americanos, o Brasil foi o país que mais avançou na redução da fome, passando de um índice de 16.1 em 1992 a 11.8 no ano 2000, e 5.4 em 2008.
A Argentina tinha um índice de 5.8 em 1992, Chile de 6.2, Costa Rica de 7.6 e Cuba de 8.7. Todos os quatro países já haviam alcançado índices iguais ou inferiores a 5 pontos em 2008, algo que o Brasil só conseguiu agora.
Ao nível global, o índice aponta para uma redução de 29% na fome desde 2000, mas ressalta que 795 milhões de pessoas ainda sofrem com o problema – o equivalente a 13,1% da população mundial.
As principais vítimas são as crianças: cerca de 28% dos menores de cinco anos não têm altura adequada para suas idades e 8,4% não têm peso adequado. Por outra parte, a mortalidade infantil caiu de 8,2% em 2000 para 4,7% em 2015.
O estudo considera como ‘sério’ ou ‘alarmante’ o nível de fome em 50 países, a maioria deles no sul da região africana do Saara e no sul da Ásia.
Os piores índices foram registrados na República Central Africana e no Chade, resultado de anos de conflitos violentos, movimentos internos de refugiados e desastres climáticos, que tiveram impactos negativos sobre a produção local de alimentos.
No entanto, os pesquisadores chamam a atenção para uma situação “seriamente preocupante” na Síria, Sudão, Eritreia, Somália, Congo e outros cinco países, que não aparecem no Índice Global por falta de dados concretos.
“Com base em informação disponível de organizações internacionais especializadas em fome e malnutrição, esses dez países são identificados como fonte de importante preocupação”, afirma o relatório.
O IFPRI lembra que a ONU já acusou os grupos armados activos na Síria de utilizar a inanição como arma de guerra. Além disso, os seis anos de conflito armado no país levaram milhares de sírios ao exílio.
Entre os países latino-americanos, o nível de fome varia entre “baixo”, como é o caso do Brasil, e moderado, como em Equador, Bolívia e Paraguai.
As únicas excepções na região são Haiti e Guatemala. No primeiro, a situação é considerada “alarmante”, com 53,4% da população sem alimentos suficientes. O segundo apresenta um quadro “sério”, com 15,6% de malnutridos.
A extensão do período analisado (de 2011 a 2016) não permite reflectir com precisão a realidade actual na Venezuela, onde a população enfrenta falta generalizada de alimentos.
Segundo os pesquisadores, as causas da fome no mundo são “complexas e intrinsecamente ligadas à pobreza, desigualdade, violência, conflito, doenças e mudança climática”.
Para solucionar o problema, consideram necessário “parar os conflitos armados e minimizar os efeitos do aquecimento global, mas também promover sistemas agrícolas em pequena escala, com prioridade para cultivos para alimentação e não para a produção de energia”.