M23 SOMA E SEGUE COM DEDO NO GATILHO

A rebelião M23, um grupo armado apoiado pelo Ruanda, tomou o controlo de Masisi, uma cidade-chave no leste da República Democrática do Congo (RDC), informou a agência France-Presse, com base em várias fontes. “É com consternação que tomamos conhecimento da tomada do centro de Masisi pelo M23”, afirmou Alexis Bahunga, deputado da província de Kivu do Norte, onde se localiza a cidade de Masisi.

A mesma fonte revelou ter sido solicitado ao governo “medidas para restabelecer a autoridade do Estado em todo o território”, numa referência à zona que vive “uma grave crise humanitária”.

Masisi localiza-se a cerca de 80 quilómetros a norte de Goma, a capital da província de Kivu do Norte, numa estrada que segue até ao interior do país.

Um residente de Masisi, Dieudonné Mirimo Mahibdule, afirmou que os rebeldes tinham tomado a cidade, contando que “fizeram uma reunião aqui na paróquia e disseram-nos que tinham vindo libertar o país”.

O centro da cidade está “calmo por enquanto”, mas os civis fugiram para os hospitais para escapar aos tiros, adiantou fonte hospitalar, sob condição de anonimato. “Alguns civis ficaram feridos, mas até agora não foram registadas mortes no hospital”, garantiu.

Desde Novembro de 2021, a rebelião do M23 (“Movimento 23 de Março”) apoderou-se de vastas extensões de território no leste da RDC, rico em recursos e que tem sido dilacerado por conflitos há 30 anos.

No final de Dezembro, a rebelião continuava a ganhar terreno na parte norte do Kivu do Norte, atingindo uma distância de cerca de 50 quilómetros de Lubero, a capital do território, e de cerca de 100 quilómetros da cidade de Butembo, um importante cruzamento comercial da região.

No mês passado estava previsto um encontro entre o Presidente congolês, Félix Tshisekedi, e o Presidente ruandês, Paul Kagame, numa cimeira organizada em Luanda pelo Chefe de Estado angolano, general João Lourenço, mediador nomeado pela União Africana (UA) para o conflito entre Kigali e Kinshasa.

Estava prevista a apresentação de um acordo “para o restabelecimento da paz e da estabilidade no Leste da RDC”, mas as duas partes não conseguiram chegar a acordo sobre os termos, o que levou ao cancelamento da cimeira.

Entretanto, académicos da Cedesa, que estuda assuntos da África Austral, em especial Angola, consideram que uma intervenção de Angola para reforçar exército congolês poderia ajudar à paz na RDCongo.

Num sumário da situação no Leste do Congo, o papel do grupo rebelde M23 e do Ruanda, o grupo de académicos e especialista da Cedesa — Centro de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África — aponta esta entre três hipóteses de trabalho possíveis para a reconstrução da paz no leste da RDCongo.

“Qualquer solução será a do mal menor”, dizem, e a primeira seria a “separação/secessão da zona do Leste” do país, criando-se, assim, um novo estado que, “possivelmente, ficaria sob a influência do Ruanda, ou pelo menos assinaria um acordo de comércio livre com Kigali. Uma solução que “não agradaria a Kinshasa”, sublinham os académicos, referindo-se à capital e centro de poder da RDCongo.

A segunda hipótese seria “manter o Leste do Congo como parte integrante da RDCongo, mas dando-lhe um estatuto de autonomia mais alargada e permitindo que a zona integrasse uma área de comércio livre ou integração económica com o Ruanda”, afirmam.

A terceira solução “exigiria uma intervenção militar de Angola, no sentido de treinar e reforçar o exército da RDCongo, possivelmente com envolvimento dos Estados Unidos da América”.

Esta hipótese também exigiria “reformas, no sentido da boa governação na RDCongo” e uma “qualquer espécie de acordo económico com o Ruanda”, sem o que consideram “não ser possível garantir uma paz duradoura”.

O leste da RDCongo, rico em minerais, é palco de violência há 30 anos. Mas, desde Novembro de 2021, o M23, um grupo armado apoiado pelo Ruanda e pelo seu exército, apoderou-se de vastas extensões daquele território da RDCongo.

Angola tem acolhido, desde 2020, várias cimeiras para alcançar a paz na região, no quadro dos esforços regionais promovidos pelas organizações em que está inserida, como a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) e a União Africana (UA), e pretende dar um novo fôlego às rondas negociais para pôr fim às tensões entre os dois países.

O Presidente de Angola, João Lourenço, na qualidade de mediador indicado pela União Africana, tem tentado alcançar um cessar-fogo, apelando ao diálogo entre as partes envolvidas e promovendo iniciativas para estabilizar a região dos Grandes Lagos, entre as quais o Processo de Luanda.

Mas, no entender da Cedesa, esse empenho de Angola e do Presidente angolano apenas tem conseguido evitar “um confronto total e directo entre a República Democrática do Congo e o Ruanda”. E a situação, na opinião do grupo de académicos tende a agravar-se.

Neste documento, a Cedesa deixa também um alerta considerando que esta “guerra desconhecida ou ignorada” pelo ocidente “pode, a médio prazo, ter impactos muito relevantes em toda a política de transição energética e uso de novas tecnologias no globo”, e salientando que na zona onde se desenrola já está a ter “um efeito devastador”.

Além dos objectivos políticos do Ruanda, “ligados à projecção de poder do país, prestígio e combate às forças da oposição que se encontram na RDCongo, há um facto chave que aguça o interesse do Ruanda e provavelmente está ligado à sua sobrevivência enquanto país viável e sustentável, com altas taxas de crescimento”, dizem os especialistas.

E o Ruanda, concluem, “precisa do acesso aos minerais da zona de conflito do Leste do Congo para sustentar o seu crescimento económico”.

Folha 8 com Lusa

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