O general Pedro Pezarat Correia considera que os três movimentos de libertação angolanos (MPLA, FNLA e UNITA) com quem Portugal assinou o Acordo de Alvor, faz quarta-feira 50 anos, “não estavam de boa-fé” no processo negocial.
Em entrevista ao jornalista Eduardo Lobão, da Lusa, Pezarat Correia diz que “os movimentos de libertação não estiveram de boa-fé. Eles estiveram no Acordo fundamentalmente para terem ali uma base legal para acabar com a presença portuguesa na governação de Angola”.
Os generais Pezarat Correia, de 92 anos, e António Gonçalves Ribeiro, de 91 anos, são os únicos membros vivos da delegação portuguesa que negociou o Acordo de Alvor com os líderes do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, Agostinho Neto), da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA, Holden Roberto) e da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, Jonas Savimbi) tendo por objectivo a independência da antiga colónia.
A circunstância de Angola ser um peão importante no jogo das superpotências no quadro da Guerra Fria, que então se travava, condicionou o cumprimento do Acordo de Alvor e, segundo Pezarat Correia, tudo o que “posteriormente se passou e que veio a ditar o esvaziamento” do acordo e obrigou o então Presidente da República portuguesa, Francisco Costa Gomes, a declarar a caducidade do instrumento negociado.
“Manteve-se uma excepção, que foi a manutenção da data da independência. Todo o resto do articulado foi ultrapassado pelas próprias circunstâncias. De qualquer maneira, há 50 anos, (…) fiquei francamente satisfeito com o Acordo e saí até com alguma esperança de que estivesse ali a solução”, defendeu.
As circunstâncias a que alude, das quais não se apercebeu há 50 anos e que ditaram o “fracasso do Acordo de Alvor”, foram a orgânica do Governo de transição e a constituição das forças militares mistas.
O Governo de transição, com 12 ministérios, previa que cada uma das quatro partes signatárias ficasse responsável por três pastas.
Os três ministros portugueses teriam três secretários de Estado, em representação de cada um dos movimentos de libertação.
Os restantes nove ministérios, chefiados em igual número por MPLA, FNLA e UNITA, teriam um secretário de Estado dos restantes dois movimentos.
“Isto era claramente uma mescla. Nem sequer era um Governo de coligação. Era uma mescla para que todos os movimentos estivessem representados em todas as pastas. Este Governo só podia funcionar com boa-fé, se houvesse boa-fé da parte dos componentes, porque o que aconteceu é que, depois, cada um dos representantes dos movimentos de libertação, em cada uma das pastas, só esteve ali para perturbar a vida do respectivo ministro”, considerou.
“Foi um aspecto fundamental em que se revelou, digamos, a não boa-fé dos três movimentos”, defendeu.
A outra circunstância, que Pezarat Correia considera ter sido “o verdadeiro falhanço do Acordo de Alvor”, foi a não constituição das forças militares mistas, que deveriam ter 48 mil efectivos, metade dos quais seriam soldados portugueses e os restantes 24 mil seriam fornecidos em partes iguais por MPLA, FNLA e UNITA.
“Era fundamental encontrar uma solução militar que garantisse que, durante o período de transição, esta situação de cessar-fogo se mantivesse. O instrumento que foi pensado, e de acordo enfim com os movimentos de libertação, era a constituição das forças militares mistas”, recordou.
Portugal cumpriu a sua parte, reduzindo efetivos, fazendo regressar parte ao país e desmobilizando os soldados angolanos que integrava nas suas fileiras. Em contrapartida, com os movimentos de libertação passou-se o contrário.
Ou seja, enquanto Portugal “teve que retrair os seus efectivos, os movimentos de libertação para chegarem aos 8 mil homens tiveram que reforçar” e “aliciaram para si os militares que Portugal, entretanto, ia desmobilizando”.
“Eram gente que já tinha experiência militar e os movimentos de libertação, de acordo com a influência étnica que tinham nessas regiões, encontraram ali umas bases de recrutamento importantes. Bom, isto era compreensível. Só que o que os movimentos de libertação não fizeram foi depois contribuir com os seus efectivos para as forças militares mistas. E as forças militares mistas acabaram por nunca ser constituídas”, lamentou.
Como o Acordo de Alvor previa, “as forças militares mistas deviam ser responsáveis pela segurança interna e pela segurança das fronteiras, impedindo intervenções externas. O que acabou por se passar é que os movimentos de libertação não só não contribuíram com as suas forças para as forças militares mistas, como reforçaram os seus efectivos para além dos oito mil homens que a cada um competia, e recomeçaram o conflito entre eles”.
Portugal viu-se incapaz de manter o controlo militar de todo o território angolano, com a agravante de “cada um dos movimentos ter tratado de conseguir apoios externos que vieram violar as fronteiras”, ao contrário do que dizia o acordo.
“Isto foi a violação total do Acordo do Alvor”, adiantou.
Quanto às críticas de Portugal ter tido pressa em descolonizar Angola, Pezarat Correia refuta-as.
“Quanto mais demorado fosse a independência, pior era para Portugal. As acusações que fazem depois, por Portugal ter sido demasiado apressado, são completamente esvaziadas de sentido. Não tinha na altura nenhuma possibilidade de manter o controlo da situação. Ainda por cima começou a surgir depois o problema de Timor também, que veio na mesma altura”, salientou.
Sem forças militares mistas e com cada movimento de libertação a aplicar a sua estratégia, abriu-se caminho à interferência externa.
“O primeiro vizinho a interferir no interior de Angola, ainda antes da independência, foi o Zaire [actual República Democrática do Congo]. Aliás, as forças do Zaire confundiam-se com as forças da FNLA. Depois foi a África do Sul. Aliás, a África do Sul, que já estava dentro de Angola antes do 25 de Abril, já tinha a sua base no Cuito Cuanavale e depois começou a meter as suas forças, digamos, por conta própria, e depois em acordo com a UNITA”, detalhou.
“E depois foi Cuba que veio, com o apoio logístico da União Soviética. Cuba atravessou o Atlântico e veio apoiar o MPLA e foi quem acabou por salvar o MPLA no dia 11 de Novembro [quando Agostinho Neto declarou a independência de Angola]”, frisou.
“As coisas depois não correram como a gente tinha pensado, mas isso acontece quase sempre. A gente olha hoje para a conflitualidade internacional e vê que acordos é que são respeitados, não é?”, questionou.
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Outra visão da (mesma) realidade
Vejamos agora, neste contexto, a opinião do angolano Carlos Pinho, docente universitário em Portugal, repescando o texto “Quarenta e cinco anos noves fora, quase nada!”, publicado no Folha 8 em 17 de Novembro de 2020:
«Ah! Ah! Ah! Em Angola as noites negras e sinistras estão para durar. E os dias também! Querem mesmo saber onde erraram? Têm a certeza?
Para começar, podem dar uma vista de olhos à entrevista que o Pezarat Correia deu à Lusa e onde cínica e hipocritamente sacode a água do capote:
“Havia uma componente fundamental, e foi aqui onde o Acordo do Alvor falhou terrivelmente e depois deu lugar a toda a tragédia que se passou, que foi a parte militar”, porque não se conseguiu prever o que viria a acontecer depois, afirmou Pezarat Correia, numa entrevista à Lusa quando faltam poucos dias para Angola celebrar 45 anos de independência, a 11 de Novembro. “Não falhou por causa de nós”, parte portuguesa, “mas sim porque os movimentos não cumpriram o que tinham acordado” no Alvor, em 1975, uma situação que, na opinião do militar português, foi depois agravada com as interferências externas, inclusive das grandes potências mundiais, em Angola.”
Não é verdade! O senhor e os seus colegas do MFA tomaram partido de uma das partes, viraram as costas aos portugueses e luso descendentes assim como à parte sociedade civil angolana de origem africana que não se identificava com qualquer um dos três movimentos armados, ou que mantinham reservas em relação a eles. Por isso, uns dos principais responsáveis, quiçá o maior, pelo descalabro que se abateu sobre Angola, foram o senhor e os seus “amigos ideológicos”, Rosa Coutinho e quejandos. Agora escrevem teses de doutoramento e livros a explicar o inexplicável, e choram lágrimas de crocodilo. O livro “Angola – Anatomia de Uma Tragédia” do General Silva Cardoso, desmascara o completamente o senhor Pezarat Correia.
Não se podia prever o que iria passar-se? Lata, não lhe falta! Em Julho de 1974, eu, um puto com 20 anos, discutia com alguém, que me explicou tintim por tintim o que aí viria, convencendo-me a fugir de Angola para não acabar nas masmorras ou numa vala comum, tal como aconteceu a muitos jovens, da minha idade. Olhe o que se passou com o Costa Silva! Não se podia prever? Cale-se senhor Pezarat Correia, tenha vergonha na cara e respeito pelos mortos que a sua maldade e incúria causaram! O senhor e os seus comparsas ideológicos pensam que vão poder reescrever a história em vosso proveito, mas esquecem-se que o tempo é a coisa mais democrática que há, e passados os anos necessários ficarão com o opróbrio.
Mas não foi só a maldade e incúria de alguns portugueses de que Pezarat Correia é um caso paradigmático, a responsável pelo descaminho de Angola. Os comentários subtis supracitados do Costa Silva dizem tudo. Foram anos e anos de roubalheira inconsequente para quem a executou. A armadilha foi para o povo, não para aqueles que foram indevidamente colocados no poleiro em Angola.
Hoje em dia vê-se a juventude angolana a contestar nas ruas e a ser tratada com os chocolates e rebuçados do Laborinho. Isto acontece porque há muitos sectores da sociedade angolana que já não vão na conversa do MPLA e finalmente saíram do limbo e questionam o que se passou de 45 anos a esta parte. E o partido, mantendo o padrão de comportamento daquele líder que o tomou de assalto, com a desculpa de ser o tal por quem todos esperavam, continua a usar o assassinato como referência do seu modus operandi. Lógico, quem sai aos seus não degenera!
Na edição do Novo Jornal de 13 de Novembro de 2020, onde aliás pontificava o artigo do Gustavo Costa como uma das primeiras individualidades a opinar, somente os artigos do já referido Gustavo Costa, do Edgar Valles, da Joana Simeão, do Adolfo Maria e do Costa Silva, põem o dedo na ferida. O resto são, em termos gerais, loas e hossanas aos 45 anos libertadores. E há quem diga que não se pode nem se deve olhar para trás! Mas então para sabermos para onde devemos ir, não faz sentido sabermos de onde vimos? O porquê e o para quê?
Mas 45 anos libertadores de quê? Independência? Independência de quê? Perguntem ao povo que vende nas ruas. Aos desempregados. Aos putos que andam em grupos a pedir para uma bucha de pão. Aos que estão na sanita do esquecimento, conceito tão bem sintetizado por aquele habitante do Bairro Povoado e expulso da Praia da Areia Branca. Será que eles se sentem livres das amarras que sempre os imobilizaram, seja no tempo colonial, seja neste tempo que se queria novo?
É evidente que há quem se sinta independente, livre como um passarinho para voar até Paris para comprar vinhos e champanhes de eleição. Há quem se sinta livre para amealhar fortunas com montantes tais que a maioria dos cidadãos nem sequer consegue imaginar e que agora curtem as respectivas reformas douradas nas antigas potências coloniais da Península Ibérica. Ou para comprar quintas no Douro, são agora dedicados vinicultores. Para irem a tratamentos médicos a países estrangeiros, que isso de criar em Angola hospitais de referência é incompatível com o enriquecimento rápido de alguns (alguns, é favor!) eleitos do MPLA. Aliás é irónico a preferência dos “meninos” do MPLA pelos tratamentos médicos na antiga Metrópole colonial. Então e o Sol da Terra do camarada Álvaro Cunhal, não vos serve? Que diabo, noblesse oblige!
No texto do Edgar Valles este refere parte de uma homilia do Arcebispo e Cardeal de Kinshasa, proferida no dia 30 de Julho (2020). Pois bem, esta homilia devia ser de leitura obrigatória para todos os dirigentes e gestores angolanos, seja qual for a sua filiação partidária e profissão. Devia ser-lhes martelada na cabeça até a saberem de cor. Contudo, temo que o que lá está dito, seja uma bofetada de pelica muito violenta para a gente susceptível do Bureau Político do MPLA. Trata-se, mais do que tudo, de um atestado de incompetência passado a todos os líderes africanos, e uma prova de que as perseguições racistas que os libertadores africanos empreenderam contra os colonos e seus descendentes, se viraram contra eles. No fundo, estes que se dizem libertadores africanos, angolanos no caso presente, não conseguiram libertar-se das amarras persecutórias que lhes foram impostas pelos regimes coloniais e agiram em conformidade, só conheciam aqueles procedimentos que correctamente queriam destruir, mas depois não se coibiram de os aplicar a outrem. Funcionaram no mesmo comprimento de onda do regime colonial que tinham acabado de substituir. Nelson Mandela só houve um! O resto é burrice encartada!
Mas havendo mortes por acção despropositada e despreparada da polícia, não há culpados? Responsáveis? Não no caso de Angola, onde o Presidente da República, que em tese é sempre o último responsável por tudo que corre bem e por tudo que corre mal no país, parece ser inimputável. Se ele não pede explicações, se estas não são públicas, é por demais evidente que está solidário com as acções da polícia. Presumo que haja em Angola um conceito muito específico, a infalibilidade presidencial. Assim a lei o parece dar a entender.
O problema é o exemplo que vem de fora, o Presidente Interino do Peru demitiu-se depois da morte de dois manifestantes. O exemplo é claro e conciso. Ah! Mas no Peru há uma democracia, não confundamos as coisas.
Em suma, quarenta e cinco anos, noves fora, quase nada.»