SE ESTÁ NO PODER É BESTIAL (NEM QUE SEJA CRIMINOSO)

O juiz presidente da sucursal do MPLA que dá pelo nome de Tribunal Supremo (TS) angolano, Joel Leonardo, disse, em Portugal, que as magistraturas judiciais de ambos os países continuarão firmemente engajados na concretização de projectos comuns, enaltecendo a formação de 20 novos magistrados no Centro de Estudos Judiciários (CEJ).

Margaret Thatcher (primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990 ) proibiu em 1979 o seu enviado especial à então Rodésia de se encontrar com Robert Mugabe. O argumento era o de que “não se discute com terroristas antes de serem primeiros-ministros”.

“Não. Por favor, não se reúna com os dirigentes da ‘Frente Patriótica’. Nunca falei com terroristas antes deles se tornarem primeiros-ministros”, escreveu Margaret Thatcher – e sublinhou várias vezes – numa carta do Foreign Office de 25 de Maio de 1979 em que o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Lord Peter Carrington, sugeria um tal encontro.

Ou seja, quando se chega a primeiro-ministro, presidente da República, ou presidente do Tribunal Supremo deixa-se de ser automaticamente terrorista. Não está mal. É verdade que sempre assim foi e que sempre assim será.

Joel Leonardo, que falava, em Lisboa, na cerimónia de encerramento do curso de formação especial dirigido a magistrados judiciais angolanos, considerou que a sua capacitação vai contribuir grandemente para a melhoria da qualidade do andamento dos processos e expedientes judiciais no país.

“O aprendizado que os futuros magistrados adquiriram ao longo deste último trimestre que aqui permaneceram fortalece o reforço da cooperação jurídica vigente há vários anos, entre os nossos dois países, quer a nível bilateral quer a nível da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)”, disse Joel Leonardo.

Pelo menos 20 novos magistrados judiciais angolanos cumpriram um ciclo formativo de três meses no Centro de Estudos Judiciários (CEJ) de Portugal.

O juiz presidente do TS e também presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial de Angola expressou igualmente gratidão pela parceria com o CEJ prometendo continuar a enviar para Portugal outros magistrados para cursos especiais de formação inicial.

De acordo com Joel Leonardo, a cooperação bilateral nesse domínio não anula o papel importante entre Angola e Portugal a nível da plataforma da CPLP, “onde continuamos firmemente engajados”.

“Para a concretização dos nossos objectivos comuns, no âmbito do diálogo judiciário fraternal existente com os nossos irmãos de Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Timor-Leste”, concluiu o magistrado angolano.

O (TAL COMO O MPLA) INTOCÁVEL JUIZ

Porque é preciso não deixar a memória morrer. O Tribunal Supremo angolano indeferiu uma acção popular que visava a condenação do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) por, alegadamente, falhar na obrigação de instaurar um processo disciplinar contra o presidente destas instâncias, Joel Leonardo.

Na acção popular, proposta por um grupo de advogados liderado pelo bastonário da Ordem dos Advogados, José Luís Domingos, indicava-se que Joel Leonardo, nas funções de presidente do Tribunal Supremo, “terá alegadamente desviado receitas do tesouro nacional” e questionava a “inacção” do CSMJ perante as “graves denúncias públicas” contra o juiz, que preside também ao CSMJ.

A acção popular tinha como objectivo “requerer uma providência antecipatória que consiste em o tribunal intimar o CSMJ a suspender e abrir um processo disciplinar contra o juiz conselheiro presidente do Tribunal Supremo e do CSMJ”, seguida de uma acção principal para prática de ato devido.

No entanto, no despacho de indeferimento, datado de 22 de Maio e assinado pela juíza relatora, Paciência Simão, a magistrada rejeita o pedido por considerar que os requerentes, ou seja, o grupo de advogados, “não são titulares do direito de acção para prática de acto devido”.

Justifica ainda que, para ser admitida esta acção, teria de haver uma prévia interpelação do órgão da administração e que daí resultasse uma não decisão, recusa da prática de acto ou recusa da participação, o que não se verificou.

“Da leitura feita ao requerimento inicial e dos documentos que o acompanham, constata-se que os requerentes não lograram juntar qualquer expediente que tenha suscitado junto do CSMJ para a prática do acto devido”, ou seja, a suspensão de Joel Leonardo e consequente instauração de um processo disciplinar.

Pelo que os requerentes não poderiam pedir a condenação do CSMJ por falhar na suspensão do juiz, pois não formularam previamente o pedido junto deste órgão, segundo o despacho.

A petição é indeferida por ser “manifestante improvável a procedência do pedido”, sendo que para o efeito deve ser ouvido o Ministério Público e feitas preliminarmente as averiguações que o juiz tenha por justificadas, conclui-se.

O colectivo de advogados remeteu, em Setembro do ano passado, a acção popular administrativa à Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do TS angolano.

De acordo com os queixosos, os factos arrolados para esta acção estão no domínio público, através de publicações em órgãos de comunicação digitais e “não se encontram já protegidos pelo segredo de justiça, após terem sido amplamente divulgados e sem nenhuma reacção das autoridades competentes”.

“Perante as graves denúncias contra o venerado juiz presidente do TS, Joel Leonardo, o que nos move, nesta acção, não é a veracidade ou a falsidade das acusações contra o mesmo, mas a inacção do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), o qual tem o dever constitucional de agir em situações deste género e não só”, dizem.

Joel Leonardo, presidente do TS e por inerência de funções do CSMJ, está a ser – consta – investigado pela Procuradoria-Geral da República por suspeitas de corrupção, nepotismo, má gestão do órgão e outros, acusações que se arrastam há meses.

Em Fevereiro do ano passado, a associação Pro Bono Angola apelou ao Presidente da República, igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, general João Lourenço, para que preste atenção e mande investigar denúncias contra o juiz presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, acusado de estar supostamente implicado em vários crimes.

Em comunicado, a Associação para o Bem de Angola, organização não-governamental (ONG) angolana de defesa dos direitos humanos, manifestou “imensa preocupação” com “as inúmeras e constantes denúncias anónimas (algumas até conhecidas)”, de “vários estratos da sociedade angolana, relacionadas com a pessoa do Dr. Joel Leonardo”.

A associação sublinhava que nas vestes de venerando juiz conselheiro presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo “tem a ingente responsabilidade de pautar a sua conduta com base em elevadíssimos princípios éticos, deontológicos e estatutários, que advém da função de juiz (moralidade pública, irrepreensibilidade, ética, probidade, dever de reserva) e que, por sua vez têm raízes constitucionais”.

“A Pro Bono Angola, instituição defensora dos direitos humanos, da transparência, da ética, da integridade e da responsabilidade nos actos de gestão pública, está profundamente preocupada com o ‘estado actual’ da judicatura em Angola, pois, entende que, sem um poder judicial imaculado, forte, verdadeiramente actuante e comprometido” com os valores citados, todo o “esforço de moralização pública e combate ferrenho à corrupção cairão por terra”, lê-se no documento.

Neste sentido, a ONG apela ao Presidente que “faça atenção às denúncias, mande investigar e tome as medidas que se justifiquem, visando pôr cobro aos males que enfermam a judicatura”.

Recorde-se que, na altura, o grupo parlamentar da UNITA, principal partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, exigiu a demissão do presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, alvo nos últimos tempos de várias denúncias de suposta má gestão e corrupção.

Aposição foi expressa pelo líder do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka, numa conferência de imprensa em que abordou a crise de confiança social nas instituições da justiça, órgãos de segurança e alguns departamentos ministeriais.

“Não se pode compreender, aceitar, que todos os meses saiam notícias envolvendo o presidente do Tribunal Supremo”, disse o líder parlamentar.

Segundo o deputado, compete à Procuradoria-Geral da República (sucursal, tal como o Tribunal Supremo, do MPLA) apurar as denúncias tornadas públicas.

“É o que estamos a exigir. Infelizmente, há provas que são públicas de alegado favorecimento de familiares directos do senhor presidente do Tribunal Supremo”, disse Liberty Chiaka, frisando que não se pode “colocar o nome de pessoas acima dos interesses nacionais”.

O responsável disse ainda que “não faz bem à República de Angola, não faz bem ao poder judicial, que o presidente do Tribunal Supremo, que também é o presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) ter o seu nome permanentemente ligado a escândalos de corrupção”.

“Afasta investimentos, coloca em causa a credibilidade, ela por si só já maculada, não faz bem a nós. Em defesa do bom nome do próprio presidente do Tribunal Supremo colocava o lugar à disposição”, salientou.

De acordo com o líder do grupo parlamentar da UNITA, “esses casos não são de hoje nem de ontem”, lembrando que há um discurso público e oficial de combate à corrupção.

“E não se pode fazer combate à corrupção sem um poder judicial independente, sem que os seus agentes tenham autoridade moral, não se pode fazer. Quando a autoridade moral, ética, dos agentes públicos, particularmente dos operadores de justiça fica em causa, todo o sistema de justiça fica em causa, e todo o discurso público, oficial, a propaganda, ficam em causa”, observou.

“Estamos aqui para reafirmar a nossa posição: exigir demissão do senhor presidente do Tribunal Supremo. Angola não pode mais continuar nessa condição. O que se espera dos operadores de justiça é concentração, administrar a justiça, gerir os conflitos, não é gerir a imagem, apagar fogo, que envolve os próprios operadores de justiça, assim não há combate à corrupção e não se pode fazer justiça”, defendeu.

Ilustração: Cartoon de Sérgio Piçarra publicado no Novo Jornal em 17 de Março de 2023.

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