NA VINELO, ENQUANTO HOUVER O QUE ROUBAR… ROUBA-SE!

Actualmente, o aperto financeiro está cada vez mais sufocante, impelindo a que pessoas de várias idades recorram a actividades que lhes possam garantir alguma renda, como é o caso de bens recicláveis. Veja-se em todas as paragens de Luanda menores e idosas a vasculharem os contentores de lixos com o objectivo de lá encontrar pelo menos uma lata.

Por Domingos Miúdo

Esta actividade estende-se para o resto do país, pois, de algum modo ela põe dinheiro nos bolsos de quem a pratica. Portanto, mais gente vai aderindo a isso e, como sinal, verifica-se a escassez destes bens onde, comummente, se encontravam em abundância. Por conta disso, a facturação diminui. O que se ganhava ao dia, agora só é possível ganhar no final de uma semana bem transpirada.

Como consequência, a actividade vai atingindo patamares ilegais, o furto. Resultado da escassez e da qualidade do material, o que mais lhes garante dinheiro, por sinal, são aqueles que em nenhum momento são deitados ao lixo. É caso dos fios eléctricos arrancados dos postes, de alguns ferros que servem de suporte nas linhas férreas, das chapas de zinco, etc..

Tal cenário verifica-se na antiga fábrica de vinho, a VINELO, localizada no Dondo, município de Cambambe, província do Kwanza-Norte, apesar de não funcionar há muito tempo ainda assim continua sobre a égide do Estado angolano, pelo que, merece a protecção de todos. Pelo contrário, indivíduos de várias idades (crianças e adultos) praticam o vandalismo diariamente e em todos os turnos sem que alguém de direito faça alguma coisa para os afugentar.

No momento, a indústria encontra-se completamente sem tecto porque as chapas de zinco foram sendo roubadas paulatinamente. As janelas de ferro e parte dos materiais sumiram aos olhos da comunidade. As acções são feitas a luz do dia.

Agora, é a vez do chão de perder a estrutura, pois, diga-se há cabos de cobre debaixo dele.

Ainda que esteja adjacente a um comando policial, a antiga fábrica de vinho encontra-se num abandono total. Os autores são facilmente identificados, porque para além de lá vandalizarem, é exactamente onde passam a maior parte do tempo sendo também o local das suas confraternizações após a venda dos bens furtados.

O engraçado é que têm a VINELO como local de trabalho, apelidando-a como PRODEL, daí que se chegou a um acordo de se trabalhar por escala, tendo mesmo um bloco de anotações. Nesta escala, mais do que um trabalho intercalado semanalmente, resultasse em três grupos: os que cortam os ferros dentro da indústria, os que os removem fora dela e os que os comercializam.

Sendo que pessoas de várias idades e com estímulos antagónicos estavam imiscuídos, para além da divisão de trabalho havia divisão de hierarquia, em que elementos do grupo B não poderiam mexer nos materiais mais valiosos que pertenciam ao grupo A, ou mesmo quando o grupo A estivesse na zona o grupo C estaria em dispensa. Em casos de atropelos a estes apelos resultava em luta de gangues que não terminava nem com a intervenção da Polícia. E o terror espalha-se na comunidade que clama pela intervenção constante do Estado a fim de erradicar o vício o mais cedo possível.

A comunidade pergunta: “E quando na VINELO não mais tiver material para ser furtado o que acontecerá?” A resposta surge a seguir: “Vão virar-se para as nossas residências, pois o vício pelo dinheiro está cada vez mais perpetuado no ADN desses indivíduos. Serão os tectos de nossas casas que vão desaparecer, os bens públicos correrão também estes riscos. O mais assustador não é o que eles fazem hoje, é o que podem fazer amanhã pelo dinheiro”.

Moradores do bairro dizem que a Polícia age por fachada, sendo conivente com as transgressões que aí são praticadas. Há quem diga que “comem todos da mesma comida”.

Fachada ou não, a Polícia já interveio certas vezes. Nas operações resultou na morte de um dos marginais, estava no topo da “PRODEL” a remover o telhado, entretanto, com a presença abrupta de agentes policiais no local e aos disparos, assustou-se e acabou por escorregar de uma altura de aproximadamente 20 metros, sem chances de sobrevivência. Ao lado disso, outro com um pouco mais de sorte, sobreviveu ao ferimento no órgão genital causado pelo acerto do tiro da Polícia. Ainda assim, segundo as fontes, depois da recuperação retornou aos furtos.

Na madrugada de 25 de Dezembro de 2023, a Polícia com auxílio militar efectuou uma emboscada a todos identificáveis, escaparam-se dessa acção aqueles que tinham contactos dentro da Polícia. Ainda assim, esta acção não foi digna de aplausos porque no intervalo de 48 horas já se podia esbarrar com os capturados no gozo de uma liberdade plena, voltando aos trabalhos. Na final, não há infracções, são todos inocentes, o que realmente frusta quem sabe que não são inocentes.

Lamenta-se também o facto de os compradores serem os principais promotores destas reprováveis acções. São eles que sugerem o tipo de ferro ou alumínio a “roubar”, por exemplo. Tanto é que emprestam rebarbadoras e financiam discos de cortes e serras para a facilitação dos trabalhos dos seus clientes.

A VINELO, enquanto fábrica, foi vocacionada para a produção de vinhos, licores, fruta em calda e hortaliça em conserva, localizada na cidade do Dondo. Até Janeiro de 2011, a empresa italiana representada por Valentim Vertua detinha 40 por cento do capital do consórcio. A percentagem restante estava subdividida por vários investidores angolanos. A intenção era de reabilitar a fábrica em Fevereiro daquele ano, contudo não se apurou os motivos do recuo.

A fábrica VINELO começou a funcionar em 1973. Paralisou em 1992, por causa da guerra pós-eleitoral. O grupo Mello Xavier tentou, em 2002, ressuscitar a fábrica, mas teve de a encerrar três anos depois.

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