DÍVIDA À CHINA? SÃO “PEANUTS” (JINGUBA)…

O embaixador chinês em Angola, Zhang Bin, repete agora a tese habitual, aprovada pelo Presidente do MPLA, que a negociação da dívida entre Pequim e Luanda tem sido “amistosa”. Ou seja, para além de o paraíso ficar mais próximo, João Lourenço tem mais um forte motivo para dizer que o MPLA fez mais em 50 anos do que Portugal em 500…

Zhang Bin (foto), que iniciou funções a 23 de Fevereiro, acrescentou que os países precisam de empréstimos para se desenvolver e que, para resolver as questões da dívida, devem resolver as questões do desenvolvimento. O brilhantismo analítico dos chineses nada deve ao do MPLA. Ou vice-versa.

As declarações foram feitas durante uma conferência de imprensa em Luanda, onde fez um rescaldo da visita do Presidente angolano, general João Lourenço à China, na semana passada, na qual se fez acompanhar – mostrando o alto nível da democracia e do Estado de Direito do seu reino – do Presidente do MPLA (João Lourenço), do Titular do Poder Executivo (João Lourenço) e do Comandante-em-Chefe das Forças Armadas (João Lourenço).

“De facto, alguns países africanos têm dificuldade em pagar as suas dívidas e a China presta atenção a esta questão”, disse Zhang Bin, sublinhando que a China ofereceu, em 2020, uma moratória da dívida aos países mais vulneráveis e assinou acordos de reformulação da dívida com vários países.

Durante a visita de João Lourenço foram negociados novos termos para o pagamento de “pequena” dívida de Angola à China, 17 mil milhões de dólares (15,7 mil milhões de euros), e que dá a Angola (há 49 anos nas mãos do MPLA) o título de maior devedor africano à China.

O ministro de Estado para a Coordenação Económica, José de Lima Massano, disse em Shangdong que o acordo não envolve uma moratória, mas sim uma “refundação da mecânica de reembolso”, que envolve uma diminuição da reserva de garantia associada às prestações.

Zhan Bing sublinhou que a China não faz “exigências ou pressões” em termos de dívida e que as negociações entre Angola e China neste domínio têm sido “amistosas”, levando à suspensão de pagamentos em 2020 e agora à “harmonização de divida” (“mecânica de reembolso” em linguagem do MPLA), através de um mecanismo que optimiza o serviço de dívida.

“Este ajustamento de harmonização reuniu consensos das duas partes e é uma resolução razoável e satisfatória que dá uma base sólida para a futura cooperação China-Angola”, realçou o diplomata.

Questionado sobre os casos judiciais que envolvem a China International Fund (CIF) e antigos dirigentes angolanos de topo, como os Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino do Nascimento Fragoso “Dino” e o ex-vice-presidente e ex-patrão da Sonangol, Manuel Vicente, que terá desviado milhões de dólares da petrolífera estatal angolana através de negócios com a CIF, adiantou que a empresa foi fundada e registada em Hong Kong e os seus investimentos em África nada têm a ver com o Governo chinês. “É uma empresa privada”, reforçou.

Segundo Zhang Bin, China e Angola assinaram depois desta visita uma parceria de cooperação estratégica global, evoluindo para um nível mais elevado das relações entre os dois países.

Da visita resultou a assinatura de 12 novos acordos de cooperação bilateral, entre os quais se destacam os sectores do comércio e investimento nas áreas de agricultura, indústria e recursos minerais.

O embaixador referiu ainda que, em termos acumulados, as empresas chinesas já investiram em Angola cerca de dois mil milhões de dólares e manifestou a intenção de aprofundar os laços interculturais, já que nos últimos anos “têm avançado mais” as relações económicas e comerciais e políticas.

“Cerca de 50 mil chineses trabalham e vivem em Angola, mas não há muito angolanos lá, a minha missão é envidar esforços para melhorar esta situação”, frisou o diplomata.

Em Setembro de 2023, o director do departamento de mercados emergentes da Oxford Economics considerou que Angola e Moçambique eram os estados lusófonos africanos em maior risco de uma reestruturação da dívida, o que seria um processo muito demorado.

Em resposta a questões então colocadas pela Lusa, Gabriel Sterne disse que “os dois países lusófonos africanos mais em risco de uma reestruturação da dívida soberana são Angola e Moçambique, apesar de ambas as economias terem estado melhor devido aos níveis de produção e preço do petróleo e do gás natural”.

Falando no seguimento de um relatório em que analisou a influência da competição entre o Fundo Monetário Internacional e a China nos processos de reestruturação da dívida, Gabriel Sterne afirmou que “ambos os países continuam com um elevado risco de sobreendividamento soberano, com as taxas de juro (para emissões de dívida) nos mercados internacionais acima de 10%, o que provavelmente significa que é demasiado caro para eles irem ao mercado”.

Assim, continuou, “para entrarem em ‘default’ [incumprimentos nos pagamentos de dívida soberana], só é preciso que haja mais um choque negativo nas matérias-primas”.

A análise de Gabriel Sterne incidia sobre as diferenças entre a China e o FMI, não só na abordagem, mas também nos mecanismos de resolução das dívidas dos países mais endividados e no papel de cada um destes intervenientes no futuro.

Nos últimos anos, a China tornou-se um parceiro financeiro incontornável no panorama mundial, sendo um dos principais investidores em África e um dos maiores credores dos países africanos, que constituem uma boa parte dos países mundiais em sobreendividamento e com dificuldades em servir a dívida e, ao mesmo tempo, lançar os investimentos públicos necessários para sustentar o desenvolvimento.

Os credores oficiais internacionais têm criticado a postura da China em não aceitar perdas ou adiamentos dos pagamentos da dívida soberana, a que se junta a opacidade dos termos dos empréstimos, as consequências do incumprimento, que chegam ao corte de relações diplomáticas, e o facto de a China emprestar sem exigir contrapartidas em termos de reformas económicas ou políticas.

A necessidade de uma nova arquitectura mundial, defendida pela generalidade dos actores financeiros, tornou-se mais premente no seguimento da crise económica originada pela pandemia de covid-19, que afundou as economias e foi particularmente dura para os países da África subsaariana, retirando-lhes ainda mais espaço de manobra orçamental.

O aumento da dívida pública destes países e o envolvimento cada vez maior do FMI na região foram duas das consequências, depois de um período em que as medidas de alívio da dívida, como a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) ou o Enquadramento Comum, se sucederam, mas não foram suficientes nalguns casos, como os da Zâmbia, o primeiro país a entrar em incumprimento financeiro a seguir à pandemia.

Questionado sobre as características da relação entre Angola e China, que é um dos maiores credores e compradores do petróleo angolano, e como a ‘guerra’ pela influência entre China e FMI pode ter um impacto em Angola, Gabriel Sterne respondeu que “Angola é um caso particularmente interessante, já que tem a maior percentagem de dívida à China, na sua dívida total, a nível mundial, o que significa que as ligações entre os dois países são profundas”.

No entanto, “significa também que se houver um ‘default’, o alívio da dívida por parte da China teria necessariamente de ser parte da solução, o que, por seu turno, quer dizer que qualquer processo desse género levará muito tempo a resolver”, apontou.

Para países como Angola e Moçambique, com níveis de dívida elevada face às receitas e face ao próprio Produto Interno Bruto do país, o analista defendeu a necessidade de manter um controlo das contas públicas e continuar com reformas que atraiam investidores internacionais.

“A melhor coisa, para além de ter sorte com os preços do petróleo e gás, é fazer um esforço adicional com uma política orçamental cautelosa para construir almofadas de segurança, já que uma crise da dívida em grande escala seria muito dolorosa”, concluiu.

Energia e transportes foram os sectores que beneficiaram de empréstimos chineses ao MPLA (Angola), entre 2000 e 2022, num total de 45 mil milhões de dólares (42 mil milhões de euros), um quarto do montante concedido pela China a África neste período. Angola é, recorde-se, o país que mais dinheiro deve à China.

Os dados do Centro de Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston mostram que o maior empréstimo das últimas duas décadas destinou-se à petrolífera do MPLA, a Sonangol.

Angola contratualizou 258 empréstimos, somando 45 mil milhões de dólares, o que representa mais de um quarto (26,5%) do total emprestado pela China a África, tendo o mais recente sido atribuído no ano passado pela empresa estatal de defesa para a tecnologia aérea (CATIC).

Energia e transportes foram os sectores que mais consumiram dinheiro chinês – 25,9 e 6,2 mil milhões de dólares, respectivamente – absorvendo mais de metade dos empréstimos.

Em anos mais recentes, as verbas foram afectas sobretudo aos sectores da Defesa (recorde-se que Angola está em paz total desde 2002) e Tecnologias da Comunicação.

Em 2021, foi assinado um acordo com o banco Export-Import da China (Chexim) para um projecto de segurança pública e vigilância anticrime, no valor de 79,7 milhões de dólares, e uma extensão do contrato de assistência técnica à Força Aérea com a CATIC, por 30,3 milhões de dólares.

Em 2022, a CATIC concedeu um novo empréstimo ao governo angolano no valor de 18,6 milhões de dólares para aquisição de equipamentos, bens e serviços militares para a Força Aérea.

O banco estatal chinês CHEXIM foi, desde 2000 dos principais financiadores do governo angolano (do MPLA há 49 anos) através de empréstimos nas mais diversas áreas, mas foi o também estatal do Banco de Desenvolvimento da China (CDB) que concedeu a maior verba neste período, num contrato único de mil milhões de dólares atribuído em 2013 à Sonangol, petrolífera do MPLA.

A base de dados não refere os fins a que se destinava o crédito para a petrolífera angolana, que é descrito apenas como “Sonangol Development”.

Na área da energia outros empréstimos relevantes são os 838 milhões de dólares da central de ciclo combinado do Soyo, concedido em 2015 pelo ICBC (Banco Industrial e Comercial da China) e os projectos de electrificação de Luanda (452 milhões de dólares concedidos pelo CDB) e do Zaire (405 milhões de dólares do ICBC e China Misheg), com contratos assinados em 2016 e 2018, respectivamente.

No sector dos transportes os financiamentos mais caros foram o do porto do Caia (932 milhões de dólares em 2016), reabilitação de estrada Caxito-Nzeto (619 milhões de dólares em 2007) e estrada Nzeto-Soyo (509 milhões de dólares em 2015) e compra de 5.500 autocarros, todos via CHEXIM.

A base de dados CLA Database, iniciada em 2007, usa várias fontes para contabilizar os empréstimos chineses concedidos a África e estima que, entre 2000 e 2022, um total de 39 entidades financiadoras chinesas assinaram 1.243 empréstimos num total de 170 mil milhões de dólares (cerca de 160 mil milhões de euros) com 49 governos africanos e sete instituições regionais.

Esta base de dados apresenta apenas o valor dos empréstimos contratualizados, que não são equivalentes à divida total já que contemplam apenas os contratos e não os desembolsos, reembolsos ou incumprimentos.

Folha 8 com Lusa

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