DITADURA DO MPLA SOMA, MULTIPLICA E SEGUE IMPÁVIDA

A Human Rights Watch (HRW) acusou hoje o Presidente angolano, general João Lourenço (igualmente presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas) de assinar leis que não cumprem as normas internacionais de direitos humanos e que irão restringir severamente liberdades dos meios de comunicação social, de expressão e associação. Nada de novo, portanto.

Em comunicado, a Organização Não-Governamental (ONG) apresenta duas leis que considera “repressivas”, nomeadamente o projecto de lei sobre os Crimes de Vandalismo de Bens e Serviços Públicos, que a Assembleia Nacional de Angola aprovou em 18 de Julho, que prevê penas de prisão até 25 anos para pessoas que participem em protestos que resultem em vandalismo e perturbações de serviços.

Indicou também a promulgação pela Assembleia Nacional, a 7 de Agosto, da Lei da Segurança Nacional, que, alega, permite um controlo excessivo do Governo sobre os meios de comunicação social, as organizações da sociedade civil e outras instituições privadas.

Os dois projectos de lei foram promulgados pelo Presidente general (ou general Presidente) a 29 de Agosto.

“A adopção pelo Governo de duas leis repressivas pressagia sérios desafios ao funcionamento dos meios de comunicação social e dos grupos da sociedade civil em Angola”, disse Zenaida Machado, investigadora sénior para África da HRW, acrescentando: “As autoridades devem recuar nos seus passos e revogar estas novas leis para proteger o espaço para meios de comunicação livres e abertos no país.”

As novas leis já foram criticadas por grupos nacionais e internacionais de direitos humanos, incluindo a HRW, e peritos jurídicos.

Segundo a HRW, a Lei dos Crimes de Vandalismo viola os direitos à liberdade de expressão, de reunião e dos meios de comunicação social, supostamente protegidos pela Constituição angolana e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que Angola ratificou em 1992, bem como por outros tratados internacionais e regionais sobre direitos humanos.

A organização refere, especificamente, os artigos 8.º e 15.º da Lei dos Crimes de Vandalismo que impõem penas de prisão até 15 anos para pessoas que “forneçam, divulguem ou publiquem por qualquer meio informações relativas a medidas de segurança aplicáveis a bens e serviços públicos”.

“O artigo 8.º define como atentado contra a segurança dos bens e serviços públicos o simples acto de registar ou facilitar o registo, através de meios analógicos ou digitais, de fotografias, vídeos ou desenhos, das medidas de segurança das infra-estruturas e serviços públicos”.

Por seu lado, o artigo 23.º permite que as autoridades adoptem “medidas adequadas” para evitar a destruição e os danos das infra-estruturas ou serviços públicos, sem especificar o que constituiria “medidas adequadas”.

Para a organização angolana Associação para a Justiça, Paz e Democracia, citada pela HRW, a lei dá poderes ao Governo para processar qualquer pessoa que organize protestos contra a conduta e as políticas governamentais.

A aprovação destas leis surge após a Relatora Especial das Nações Unidas sobre os direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação, Gina Romero, ter instado o Governo e a Assembleia Nacional de Angola a não adoptarem legislação que pudesse ser usada para limitar direitos básicos.

A HRW lembra que o Governo angolano tem frequentemente promulgado ou tentado promulgar legislação repressiva, ao longo da última década.

“O Governo angolano voltou a ignorar as preocupações dos grupos da sociedade civil, o que transmite a mensagem de que não tenciona parar as suas tentativas de limitar os direitos dos cidadãos”, afirmou Zenaida Machado.

Falar de direitos humanos com 20 milhões de pobres?

Angola ratificou vários tratados internacionais de direitos humanos, com vista a fortalecer o sistema jurídico de promoção e protecção desses direitos a nível nacional, anunciou em Agosto de… 2019, em Luanda, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. Leis, tratados, acordos, convenções não faltam. O que falta é cumprir tudo isso. Mas o MPLA ainda não teve tempo…

Na altura tinha assinado a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos relativos à Abolição da Pena de Morte.

Ratificou, de igual modo, segundo uma nota do Ministério, o Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados não-internacionais, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas e a Convenção para a Redução dos Casos de Apátrida.

Com a ratificação desses instrumentos, disse o Governo, Angola cumpria com os seus compromissos (formais) a nível internacional, especialmente enquanto Estado Membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas no período 2018-2020.

Angola é Estado-Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais, bem como a Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Após a aprovação da Assembleia Nacional, o processo foi remetido para a Promulgação pelo Presidente da República e Publicação no Diário da República (nos dias 9 e 16 de Julho de 2019), em conformidade com a Lei n.º 4/11, Lei dos Tratados Internacionais.

O Governo do MPLA e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) também assinaram, em Luanda, um acordo de cooperação destinado a reforçar as garantias da promoção e defesa dos Direitos Humanos em Angola.

O acordo, assinado pelo secretário de Estado do Interior angolano, José Bamikina Zau, e pelo representante do PNUD em Angola, Henrik Fredborg Larsen, previa o apoio da agência da ONU na monitorização, avaliação e estatísticas sobre direitos humanos, bem como acções de formação, sobretudo junto dos agentes das forças de segurança.

O documento previa, ao longo dos cinco anos seguintes, o apoio do PNUD em acções destinadas a melhorar as relações entre os agentes da ordem pública e os cidadãos e a respectiva capacitação institucional em matéria dos direitos humanos.

Na cerimónia, Henrik Larsen, que, mais tarde, se escusou a falar aos jornalistas (o que só por si foi sintomático), destacou a “parceria estratégica” entre Angola e o PNUD, realçando o facto de a agência das Nações Unidas já trabalhar no sector em mais de uma centena de países, nomeadamente junto dos Governos e das polícias.

Sem adiantar pormenores, Larsen realçou, por outro lado, a importância de o Ministério do Interior angolano estar, desta forma, a “responder às preocupações” manifestadas nos últimos anos pelo PNUD em questões ligadas aos Direitos Humanos.

Por seu lado, Bamikina Zau sublinhou o “empenho” do Governo angolano na promoção e defesa dos direitos humanos em Angola, consubstanciado nos diferentes acordos já assinados com outras agências da ONU, como os altos comissariados das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e para os Direitos Humanos (ACNUDH).

Num documento oficial do Ministério do Interior, era lembrado que a questão dos Direitos Humanos em Angola é uma matéria que está no “topo da agenda do executivo”. Só falta saber se essa agenda não está de pernas para o ar…

“Angola é parte de cinco dos nove tratados principais dos Direitos Humanos e faz parte de cinco dos sete principais instrumentos legais da Comissão Africana dos Direitos Humanos”, lembrava-se no documento.

Segundo o Ministério do Interior, Angola tem alcançado “importantes marcos no cumprimento das suas obrigações internacionais e regionais de reportar sobre Direitos Humanos, destacando a participação em dois ciclos de revisão periódica universal (UPR) – 2010/14 e 2015/19.

O Ministério do Interior lembrou ainda que Angola já criou “importantes instituições nacionais” representativas da defesa dos Direitos Humanos, como a Comissão Intersectorial para Elaboração dos Relatórios Nacionais dos Direitos Humanos, o Provedor de Justiça, os comités provinciais dos direitos humanos e o projecto legislativo para a criação de Centros de Resolução Extrajudicial de Conflitos (CREL). Faltou lembrar o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA.

Muita parra e pouca, muito pouca, uva

No dia 26 de Fevereiro de 2018, o então ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Manuel Domingos Augusto, reconheceu finalmente o que acontecia há décadas. Ou seja, que o país “ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir o bem-estar e os direitos fundamentais a todos os cidadãos”. Haja Deus!

Será que, perante este reconhecimento do ministro dos Negócios Estrangeiros, o MPLA iria pedir desculpas aos que – como é repetidamente o caso do Folha 8 – têm dito o mesmo ao longo dos anos e que foram acusados de alarmismo e de ataques ao prestígio do país e falta de patriotismo?

Falando na 37ª sessão regular do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que decorreu em Genebra, Manuel Augusto vincou que é por haver este caminho a percorrer que o Governo “continuará a trabalhar diariamente nos programas de diversificação económica, na criação de um melhor ambiente de negócios que atraia o investimento privado nacional e estrangeiro, garantindo assim o emprego à juventude e reduzindo drasticamente a pobreza”.

O então ministro apresentou as principais preocupações do executivo liderado por João Lourenço, salientando que o país “continua a atribuir a maior importância à promoção e protecção dos direitos humanos e ao reforço do papel da sociedade civil na consolidação do Estado democrático e de direito e na prevalência do diálogo e da participação política inclusiva como elementos fundamentais para a convivência harmoniosa no país”.

Nesse sentido, acrescentou, “Angola está cada vez mais comprometida com acções que visam apoiar a criação, desenvolvimento e empoderamento das organizações da sociedade civil e privados, assegurando a actores não estatais a informação e participação inclusiva na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas, bem como os apoios necessários para o desenvolvimento das suas actividades”.

Manuel Augusto disse ainda que o Governo queria “incentivar as organizações da sociedade civil a apresentar iniciativas e projectos junto da Administração Pública e de outros órgãos do Estado e prosseguir com a reforma do Estado, boa governação, luta contra a pobreza e combate cerrado à corrupção e à impunidade”.

Na verdade, a situação dos direitos humanos em Angola melhora a cada dia que passa e, embora não tenhamos um quadro perfeito, o país faz a sua caminhada. Isto, é claro, a nível dos que integram a elite do regime.

Os angolanos têm noção exacta do patamar em que se encontram em matérias dos direitos humanos, sabem igualmente melhor do que ninguém sobre os desafios imediatos e querem progredir. Além da realidade pós conflito cujos vestígios existem em muitas partes do país, podemos dizer que muito mudou em matéria de direitos humanos. Hoje, temos um quadro completamente diferente se compararmos o estado actual dos direitos humanos ao de há alguns anos.

Não há no mundo uma ementa ou modelo que sirva como paradigma em matéria de direitos humanos. As leis angolanas e os instrumentos legais internacionais subscritos pelo Estado angolano, que não são cumpridos e apenas existem formalmente, além de uma experiência de reconciliação marcada por intolerância, denegação do diálogo, são bases relevantes para se verificar como o regime tenta vender gato por onça.

Angola participou na 58.ª sessão da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) que decorreu em 2016 na cidade de Banjul, Gâmbia, que se tornou numa espécie histriónica de “Meca dos direitos humanos em África”. Como africanos devemos olhar para este importante mecanismo continental, a CADHP, através do qual os Estados africanos supostamente avaliam o estado dos direitos humanos em África, como uma ferramenta indispensável… se fosse para ser cumprida.

Sem prejuízo para as demais instituições regionais e Organizações Internacionais que superintendem os direitos humanos, é preciso potenciar cada vez o papel que a CADHP deveria fazer em África.

Naquela cidade, o então secretário de Estado dos Direitos Humanos reafirmou mais uma vez o compromisso do Executivo de sua majestade o rei da altura, José Eduardo dos Santos, no sentido da contínua garantia, promoção e protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais para os angolanos de primeira, no âmbito das suas obrigações continentais e internacionais.

Fazendo jus às palavras emblemáticas constantes na Constituição (que o regime não cumpre) segundo as quais “Angola é uma República baseada na dignidade da pessoa humana”, as autoridades do país empenham-se para fingir que a agenda dos direitos humanos está no topo das prioridades. E assim tem sido, razão pela qual o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais continuam a não ser uma realidade em todo o país.

Como qualquer Estado cujas tarefas para limar arestas em torno dos direitos humanos prevalecem como fins a alcançar num horizonte de mais 40 anos, as autoridades angolanas reconhecem que há ainda muito por fazer. O fundamental é que gradualmente numerosas metas continuam por alcançar e muitas outras o poderão ser na medida que o reino venha um dia a ser um Estado de Direito.

Em teoria, o país mostra-se aberto a passar regularmente pelo crivo de instituições que lidam com os direitos de dimensão continental, mundial e cujas recomendações são normalmente aplicadas no país.

Não podemos perder de vista que numerosos Tratados e Convenções internacionais têm força jurídica no ordenamento jurídico interno, o que torna Angola – nesta matéria – num reino arcaico e esclavagista.

É natural que as expectativas no que à observância dos direitos humanos dizem respeito sejam elevadas, embora seja igualmente recomendável que deixemos as instituições trabalharem nos próximos 51 anos já que, recorde-se, nos últimos 49 anos andaram para trás. É fundamental que, em vez da promoção de campanhas que visam denegrir os donos reino, sejamos participantes activos nos esforços das instituições para melhorar a situação dos direitos humanos no país. Muitos dos parceiros do reino, tais como as organizações de defesa dos direitos humanos, realizam tarefas importantes na medida em que contribuem para olhar para o problema dos direitos humanos sob diversas perspectivas.

Mas há também, dentro e fora do reino, organizações que correctamente concebem planos e promovem campanhas para, constatando que o reino é cada vez mais esclavagista, mostrar que também neste assunto o rei vai… nu.

Somos, comparativamente a muitos outros Estados em África e no mundo, piores em matéria de direitos humanos. O fundamental, e que devia ser encorajado por todos, é a luta para que um dia destes deixem, por exemplo, de existir presos políticos em Angola.

Urge pôr em causa a falsa abertura e a não menos falsa cooperação do reino, tal como é amplamente realçada pelas organizações internacionais, particularmente a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a Comissão Africana para os Direitos Humanos e dos povos.

As instituições angolanas são favoráveis à vinda ao país de entidades amigas e compráveis, colectivas e singulares para “in situ” terem uma percepção real sobre a situação dos direitos humanos que o Governo lhe queira vender. Toda essa demonstração por parte do reino demonstra que o Governo angolano nunca esteve pronto, disponível e aberto para o diálogo sobre direitos humanos com as competentes entidades, sendo muito, muito, o que tem a ocultar sobre esta matéria.

Na 37ª sessão regular do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas e no plano internacional, a intervenção do governante angolano centrou-se na análise das crises, considerando que “o contexto internacional actual é marcado pelo aumento de tensões resultantes das múltiplas crises e conflitos nas várias regiões e que estão na origem das principais violações dos direitos humanos e liberdades fundamentais”.

Angola, acrescentou o diplomata, defende a “preservação da paz, estabilidade e segurança internacional como condições essenciais para o pleno exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais devem constar entre as prioridades deste Conselho”.

Também importante é que as especificidades regionais sejam levadas em conta na análise internacional: “A agenda desta sessão contempla a análise dos direitos humanos nalgumas regiões, incluindo países africanos mergulhados em instabilidade política ou social generalizada”, disse o diplomata.

“Gostaríamos de sublinhar a necessidade, sempre que possível, ter-se em consideração a posição ou recomendações das instâncias e dos mecanismos de consultas políticas regionais ao abordar-se a situação desses países, que aliás é uma posição defendida pelo secretário-geral das Nações Unidas no que diz respeito à resolução de conflitos”, concluiu o governante.

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