CULTURA DAS MIGRAÇÕES AFRICANAS NOS ÚLTIMOS SÉCULOS

A migração é um fenómeno intrínseco à experiência humana, e no caso da África, essa dinâmica tem raízes históricas profundas, que reflectem a complexidade das interacções sociais, económicas e políticas.

Por Eugénio Costa Almeida (*)

Ao longo dos últimos séculos, as migrações africanas foram moldadas por uma variedade de factores que incluem colonização, conflitos, busca por oportunidades económicas e, mais recentemente, mudanças climáticas. Este artigo busca explorar essa rica tapeçaria cultural resultante das migrações africanas e sua influência nas sociedades de origem e destino.

1. Histórico das Migrações Africanas

A migração em África não é um fenómeno novo. Desde tempos antigos, povos nómades e comunidades agrícolas deslocaram-se em busca de recursos, comércio e novas terras. No entanto, a colonização europeia no século XIX trouxe um novo capítulo às migrações. A imposição de fronteiras arbitrárias, a exploração de recursos e a criação de economias de plantação levaram ao deslocamento forçado de milhões de africanos, tanto dentro de seus países quanto para fora do continente.

Além da migração forçada, a diáspora africana, que inclui o tráfico transatlântico de escravos, resultou na dispersão de africanos em diversas partes do mundo. Esse movimento teve consequências profundas, não apenas para os indivíduos deslocados, mas também para as culturas locais. Os descendentes de africanos escravizados nas Américas, por exemplo, mantêm vivas tradições culturais que continuam a influenciar a música, a dança, a religião e a literatura das sociedades em que habitam.

Recordemos algumas das principais migrações ocorridas entre o século XIV até à actualidade.

Entre os séculos XIV e XVI predominaram dois tipos de migrações: as “migrações internas”, onde durante esse período, as populações africanas se moveram internamente por vários motivos, como busca por terras férteis, escassez de recursos e conflitos entre grupos étnicos. Grupos como os Bantu migraram pela África subsaariana, expandindo seus territórios e interagindo com outras comunidades; e o designado “comércio transaariano” de que se destaca a denominada “A Rota do Ouro”, em que mercadores, missionários e viajantes cruzaram o deserto do Saara, promovendo intercâmbios culturais e económicos, de que se destaca as migrações levadas a efeito por imperador maliano Mansa Musa (1280-1337), que aproveitando a sua vasta riqueza, efectuava largas peregrinações a Meca, comerciava ouro e sal, traficava escravos, o fez dele uma das figuras mais icónicas da história africana, bem como outras rotas comerciais que facilitaram a movimentação de pessoas entre o norte e o sul da África.

Entre os séculos XVII e XIX, predominava o “tráfico de escravos” em que milhões de africanos foram forçados a migrar para as Américas como parte do comércio transatlântico de escravos e teve impactos profundos nas sociedades africanas, nas Américas e na Europa; e ocorreram vastas “migrações inter-africanas” devido à colonização por europeus e o estabelecimento de colónias, que levou a que muitas comunidades fossem deslocadas de suas terras, forçando migrações em busca de novas áreas para viver e trabalhar.

Já no século XX, com a “descolonização e os movimentos de luta pela independência” em várias partes da África, especialmente nas décadas de 1950 e 1960, ocorreram migrações significativas, tanto internas quanto para outros países, porque muitos actos ocorridos, fizeram que muitas pessoas tivessem de fugir da violência e da instabilidade; a acrescer a isto o «facto de muitas das independências não terem diminuído a violência e a instabilidade, bem pelo contrário, pelo que o emergir de inúmeros “conflitos e guerras civis” como os ocorridos em Angola, RDC, Ruanda e Somália resultaram em grandes deslocamentos populacionais, com milhões de refugiados buscando segurança em outros países africanos ou em regiões fora do continente e que se prolongam no presente século as denominadas “migrações forçadas” devido a um aumento de conflitos armados, crises políticas e desastres naturais que têm gerado fluxos contínuos de migrantes e refugiados na África; a acrescer registamos as naturais “migrações económicas” e as “mudanças climáticas” que leva muitos africanos a procurarem melhores oportunidades de emprego em países como África do Sul, Europa e América do Norte a que também não se exclui o facto de algumas significativas mudanças climáticas estão tornando algumas regiões da África incapacitadas para a agricultura, forçando as comunidades a migrar para áreas mais seguras e sustentáveis.

2. Factores Contemporâneos de Migração

Nos últimos decénios, a migração africana tem sido impulsionada por diversos factores, como a instabilidade política, os referidos conflitos armados, as constantes crises económicas e as já indicadas mudanças climáticas. Muitos africanos buscam uma vida melhor noutras partes do continente ou em regiões mais desenvolvidas. A migração rural-urbana também é um fenómeno significativo, com pessoas se deslocando para cidades em busca de trabalho e melhores condições de vida, o que tem levado ao crescimento de megacidades africanas, como Luanda (Angola), Lagos (Nigéria) ou Nairobi (Quénia).

A busca por oportunidades económicas tem levado muitos africanos a países da Europa, América do Norte e outras regiões, onde as comunidades de imigrantes rapidamente se formam. Essas comunidades não apenas preservam suas tradições culturais, mas também podem influenciar – e em alguns casos, influenciam mesmo – as sociedades que os acolhem. As interacções culturais resultantes, na maioria das vezes, enriquecem a vida artística, culinária e social das sociedades de destino.

3. Dinâmicas Culturais e Identidade

O deslocamento forçado e voluntário de africanos ao longo dos séculos resultou em uma diversidade cultural que é singularmente africana. As migrações geram um fenómeno conhecido como “hibridismo cultural”, onde elementos de diferentes culturas se fundem, resultando em novas expressões artísticas, modos de vida e sistemas de crenças.

Um exemplo significativo são as manifestações musicais, como o reggae na Jamaica, que incorpora ritmos africanos e elementos de resistência cultural. Da mesma forma, a literatura africana contemporânea, escrita por autores tanto no continente como na diáspora, reflecte as experiências vividas por aqueles que migraram, abordando temas de identidade, pertença e resistência.

4. Desafios e Oportunidades

Embora a migração traga uma riqueza cultural para as sociedades, também apresenta desafios. Os migrantes frequentemente enfrentam discriminação, xenofobia e dificuldades de integração. As políticas de imigração nos países de acolhimento muitas vezes são rigorosas e podem marginalizar comunidades, dificultando o fortalecimento de suas identidades culturais.

Por outro lado, as migrações podem promover o desenvolvimento económico e social, tanto para os países de origem quanto para os de destino. Remessas enviadas por migrantes para suas famílias são uma fonte vital de “financiamento” para muitas economias africanas. Além disso, a troca cultural pode levar a um maior intercâmbio de ideias e práticas, promovendo a inovação e a criatividade.

5. A crise da migração clandestina, irregular ou ilegal

Se as migrações africanas são um fenómeno contínuo que reflecte as dinâmicas sociais, políticas e ambientais do continente, as questões de identidade, pertença e direitos dos migrantes são tópicos críticos nas discussões contemporâneas sobre migração africana, tanto dentro do continente quanto em escala global.

Um desses problemas, cada vez mais actual e persistente ocorrem com migrações irregulares (ou ilegais ou clandestina) que podem resultar – e têm resultado – em diversas crises internacionais que afectam não apenas os países de origem e destino, mas também a comunidade global como um todo. Vejamos algumas das crises mais notáveis e que mais têm contribuído para a persistência e – há que o afirmar – “compra” de migração clandestina, que se mostra muito rentável para os chamados “dealers”: a migração forçada da “crise dos refugiados” devido a conflitos armados, perseguições políticas, ou desastres naturais; os “conflitos sócio-políticos” nos países anfitriões; o “tráfico de pessoas” sobre indivíduos vulneráveis que são explorados por redes criminosas (a “nova escravatura”).

Estas crises exigem respostas coordenadas entre países, ONG e instituições internacionais para garantir a proteção dos direitos humanos e a promoção de soluções sustentáveis para a migração. Só que…

6. A migração Angolana

No caso da migração em Angola, tanto interna quanto externa, pode-se dizer que é um fenómeno complexo que envolve diversas dinâmicas sociais, económicas e políticas, em grande parte, devido às “transferências rurais-urbanas”, migrando do interior para as cidades quer em busca de melhores oportunidades de emprego e acesso a serviços básicos como saúde e educação, quer devido à muita falta de condições de sobrevivência nalgumas partes do país, seja pela falta de água (secas contínua), seja pela fome (em parte para razão anterior que impede que a agricultura floresça ou que o gado sobreviva) e não poucas múltiplas “desigualdade regionais” que leva eu muitos dos nossos compatriotas procurem oportunidades no exterior, especialmente em países da África do Sul, Portugal e Brasil, onde entre outras motivações se incluem, também, busca de uma mais avançada educação técnico-profissional, emprego e melhores condições de vida.

Mas se os Angolanos se posicionam como potenciais migrantes, também Angola acaba por ser porto de destino de migrantes estrangeiros e muitos por algumas das mesmas razões que nos leva a sair do País, como a busca de melhores condições económicas e profissionais, destacando-se entre estes, portugueses, moçambicanos, chineses, malianos, mauritanos, moçambicanos e congoleses-democratas.

7. Em forma de conclusão…

A cultura das migrações africanas ao longo dos últimos séculos é um testemunho da resiliência e adaptabilidade dos povos africanos. As interacções resultantes das migrações moldaram identidades culturais ricas e diversas, que transcendem fronteiras e continentes.

Ao reconhecer e celebrar essa complexidade, podemos compreender melhor os desafios e as oportunidades que surgem num mundo em constante movimento e transformação. A cultura das migrações africanas não é apenas uma narrativa do passado, mas uma força viva que continua a influenciar o presente e o futuro das sociedades globais.

E isto pode se constatar com a migração irregular que, tendencialmente, pode criar grandes fluxos de refugiados intra-continental e, principalmente, para a “fortaleza europeia”, levando a experimentar fortes tensões diplomáticas devido a diferente visões das políticas de migração, como tem sido nalgumas nações da União Europeia que ao lidarem com a migração irregular de refugiados “constroem” muros e barreiras, em resposta a fluxos migratórios, como o aumento do nacionalismo, xenofobia e políticas anti-imigração; e isto, repito, está a ser foi observado em vários países europeus, mas, também, nos EUA, e agora com mais acuidade, devido à aproximação das eleições presidenciais e intercalares para o Congresso e Senado.

Finalmente, no caso nacional, e como se viu, a migração em Angola é um reflexo das complexidades sociais e económicas do país e com propensão para continuar a evoluir com o tempo. A análise das tendências de migração oferece-nos alguns importantes avisos sobre os desafios e oportunidades que a sociedade angolana enfrenta. Caberá – SEMPRE – aos governantes saberem como proceder. Assim o queiram e estejam preparados…

(*) Com o blogue Pululu

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