A proposta de lei de segurança nacional de Angola (leia-se do MPLA) pode prejudicar o direito do público à informação e minar gravemente a liberdade de imprensa, expondo ainda mais os jornalistas ao assédio, à intimidação e à censura (e for necessário à morte) por parte das autoridades, afirma o CPJ – Comité para a Protecção dos Jornalistas.
A Lei de Segurança Nacional, que os críticos dizem que ameaça a democracia de Angola (que, de facto, até nem existe) e pode transformar o país numa ainda mais férrea ditadura, está actualmente a ser analisada por uma comissão especializada depois de ter sido aprovada na primeira votação na Assembleia Nacional do MPLA, em 25 de Janeiro, da revisão e reenvio do projecto de lei para votação parlamentar final antes de ser enviado para assinatura presidencial.
“Se for aprovada, a Lei de Segurança Nacional de Angola exporá os jornalistas a mais assédio e intimidação por parte das autoridades e legalizará o encerramento das telecomunicações ao capricho das agências de segurança”, disse Muthoki Mumo, coordenador do programa do CPJ para África, em Nairobi. “As disposições que citam limites constitucionais ao exercício do poder não podem disfarçar a intenção repressiva desta lei. Os parlamentares devem rejeitar ou rever qualquer projecto de lei que não cumpra os padrões internacionais de direitos humanos,” referiu.
De acordo com uma cópia do projecto de lei analisado pelo CPJ, a lei proposta criará um sistema de segurança nacional liderado pelo presidente – e incluindo a polícia, os serviços de inteligência e os militares – com o poder de “proibir a transmissão de canais públicos ou privados sistemas de rádio” ou interromper os serviços de telecomunicações, sob “circunstâncias excepcionais” indefinidas e “dentro dos limites da Constituição”.
A proposta de lei também daria à polícia autonomia para vigiar “instalações, edifícios e estabelecimentos” e “meios de transporte”, bem como encerrar temporariamente locais públicos ou proibir a circulação de pessoas “cuja actividade seja susceptível de perturbar a ordem pública” por tempo não definido. Não estabelece disposições específicas para a supervisão judicial destas medidas “preventivas” de segurança nacional, não delineia procedimentos para o pessoal de segurança solicitar mandados para actividades de vigilância, nem define as actividades que seriam consideradas perturbadoras da ordem pública.
Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, disse ao CPJ que as disposições que conferem aos órgãos de segurança o poder de interromper as telecomunicações e desligar a Internet “sem razão aparente” poderiam tornar o trabalho jornalístico “impossível”.
David Boio, proprietário do site de notícias online Camunda News, que suspendeu as operações indefinidamente em 2023 devido ao assédio policial, disse que a lei proposta forneceria às autoridades o “quadro jurídico” que faltava e necessário para “justificar as suas acções contra os críticos”.
“O projecto de lei é o mais invasivo possível, com as autoridades autorizadas a colocar legalmente jornalistas e qualquer pessoa sob vigilância, grampear suas casas e seus carros sem a intervenção de um juiz, tudo a critério e à mercê do próprio aparato repressivo”, disse Boio ao CPJ.
Florindo Chivucute, presidente do grupo de direitos humanos Amigos de Angola, disse ao CPJ que a proposta de lei de segurança nacional enquadra-se num padrão de legislação repressiva, incluindo um projecto de lei de Organizações Não Governamentais (ONG) sob apreciação pela Assembleia Nacional.
André Mussamo, presidente da secção angolana do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA), disse ao CPJ que o MISA Angola e outras ONG que defendem a liberdade dos meios de comunicação social poderiam enfrentar a “extinção” por directiva do governo se a proposta de lei das ONG fosse aprovada.
Contactado por telefone, o Secretário-Geral da Assembleia Nacional, Pedro Neri, recusou-se a comentar a proposta de legislação de segurança e encaminhou o CPJ para António Paulo, presidente da primeira comissão parlamentar especializada que está a analisar o projecto de lei. António Paulo recusou-se a comentar os projectos de lei de segurança nacional ou de ONG, dizendo que queria “evitar influenciar o processo de revisão”, mas que acolheu com satisfação as contribuições da sociedade civil durante o processo.
Folha 8 já sentiu na pele em 2012
No dia 12 de Março de 2012, o Comité para a Protecção dos Jornalistas publicou o texto «Polícia Angolana confisca computadores de jornal independente», que a seguir transcrevemos na íntegra:
«O Comité para a Protecção dos Jornalistas condenou a incursão policial no semanário independente Folha 8, realizada hoje em meio a uma politizada investigação sobre a publicação de uma fotomontagem satírica. Os policiais apreenderam todos os computadores do Folha 8, efectivamente incapacitando o funcionamento de uma das duas publicações independentes remanescentes no país.
Aproximadamente 15 funcionários da Direcção Nacional de Investigação Criminal de Angola chegaram ao escritório do Folha 8 em Luanda por volta de 13h00, disse ao CPJ o editor-chefe do jornal, Fernando Baxi. Os funcionários levaram cerca de 20 computadores da redacção, disse o vice-director do jornal, António Setas, ao CPJ. Eles também obrigaram Baxi a remover a bateria de seu celular durante a incursão, para evitar que se comunicasse com qualquer um, informou Setas.
Hoje, em uma entrevista à agência portuguesa LUSA, o director do Folha 8, William Tonet, disse que a batida estava relacionada à investigação do Ministério Público de Dezembro de 2011 sobre a publicação de uma fotomontagem satírica veiculada na internet na qual aparecem o Presidente José Eduardo dos Santos, o vice-presidente Fernando Piedade Dias dos Santos e o ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República, general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”. Nenhuma acusação formal foi apresentada durante o inquérito, mas os computadores do jornal poderiam ser usados como evidência contra ele no caso, disseram ao CPJ jornalistas locais.
O CPJ obteve uma cópia do mandato de busca e apreensão assinado pelo Procurador Público João Vemba Coca, que solicitava a apreensão de todos os computadores e ferramentas usadas para cometer “actos que constituem um crime de ultraje contra o Estado, a pessoa do presidente, e órgãos do executivo”. O Folha 8 tem noticiado a corrupção no governo e também cobriu os recentes protestos antigovernamentais contra os 32 anos de Dos Santos no poder, de acordo com a pesquisa do CPJ. A falta dos computadores inviabiliza a publicação do jornal.
O porta-voz da polícia, Carmo Neto, não respondeu imediatamente às solicitações do CPJ para que comentasse o assunto.
“A apreensão dos computadores do Folha 8 é um simples acto de censura, direccionado a silenciar um dos poucos meios de comunicação independentes remanescentes em Angola”, disse o coordenador de defesa dos jornalistas africanos do CPJ, Mohamed Keita. “A sátira não é um ultraje contra o Estado – é uma parte importante do vigoroso debate em uma sociedade livre. Pedimos às autoridades angolanas que devolvam de vez os computadores ao Folha 8 e interrompam este inquérito politicamente motivado”.
Os jornalistas do Folha 8 foram alvo anteriormente. Em Outubro de 2010, as autoridades impuseram a Tonet uma sentença de um ano de prisão suspensa e uma multa de 10 milhões de Kwanza (US$ 105.000,00), que ainda é objecto de recurso. O jornalista havia escrito sobre supostos casos de corrupção e abuso de poder por parte de cinco funcionários do alto escalão próximos ao presidente Santos, segundo jornalistas locais.»
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