2ªS, 4ªS e 6ªS COM OS EUA. 3ªS, 5ªS E SÁBADOS COM A CHINA

A consultora BMI Research considerou hoje que a política externa angolana vai aproveitar-se do renovado interesse dos Estados Unidos da América em África, mas sem perder as fortes ligações à China, o maior parceiro comercial de Angola. Isto para além de manter a Rússia no limbo.

No sábado já o Folha 8 pergunta: “Em quantos tabuleiros joga o MPLA?”. Na verdade, a estratégia do general João Lourenço é simples. Às segundas, quartas e sextas alinha com os EUA, às terças, quintas e sábados está com a China. Aos domingos mantém viva a chama com a Rússia.

Escrevem os analistas desta consultora detidas pelos mesmos donos da agência de notação financeira Fitch Ratings, que a consultora “antevê que o governo do Presidente João Lourenço vá continuar a aproveitar-se do renovado interesse geopolítico em África, ao mesmo tempo que mantém os fortes laços com a China, o seu principal e tradicional parceiro económico”.

Numa análise ao risco político do país, enviado aos clientes, a BMI Research diz que o renovado interesse norte-americano em Angola e na região “trouxe pelo menos dois mil milhões de dólares [1,8 mil milhões de euros] em investimentos na energia, telecomunicações e infra-estruturas ferroviárias” e acrescenta que vê “mais investimentos nestes sectores nos próximos trimestres”.

Ao mesmo tempo, notam, “Angola procurou manter as actuais relações bilaterais com a China, assegurando a ausência de taxas aduaneiras no acesso aos mercados chineses para 98% dos produtos tributáveis, com efeitos a Dezembro de 2023”.

Neste contexto, a consultora prevê que “os esforços diplomáticos de João Lourenço vão continuar a garantir benefícios económicos para Angola, de uma perspectiva de investimento e comércio”.

Na análise a outros pontos que podem alterar a percepção de risco político do país, a BMI Research considera que a liberalização interna vai “avançar lentamente” e vincam que a sua previsão aponta para que a retirada dos subsídios aos combustíveis continue, apesar da contestação popular.

Ainda assim, “o ambiente operacional de Angola continua relativamente pouco atractivo, a percepção de corrupção continua elevada, e o descontentamento popular vai continuar grande”, prevê a BMI Research.

“Num contexto de espaço orçamental limitado para um estímulo fiscal e uma fraca perspectiva de crescimento da economia, que prevemos de 1% este ano e 1,4% em 2025, bem abaixo da média de 5,3% de 2010 a 2014, e com um crescimento populacional de 3,1%, é provável que haja mais protestos, mas não antevemos que evoluam para perturbações em larga escala, ao ponto de representarem qualquer ameaça para o governo, até porque as manifestações teriam uma resposta muito dura do forte aparelho de segurança angolano”, afirmam os analistas.

A médio prazo, ainda assim, “o enfraquecimento do apoio eleitoral ao MPLA (no poder há 48 anos) coloca riscos à sua continuidade a médio prazo”.

Os analistas consideram até haver o risco de o MPLA “perder a maioria no Parlamento”, nomeadamente porque “o Produto Interno Bruto per capita tem estado em queda desde 2014 e só deverá voltar a crescer novamente em 2027, alimentando a percepção de degradação das condições de vida e de má gestão económica por parte do governo liderado pelo MPLA”.

Recorde-se que, segundo a Chatham House, a dívida de África à China é uma “prioridade global”, informando que Angola é o país africano que recebeu mais empréstimos da China nos últimos 20 anos: mais de 42 mil milhões de dólares.

De acordo com os dados do Instituto Real de Assuntos Internacionais do Reino Unido (Chatham House), os países africanos devem 696 mil milhões de dólares, cerca de 651 mil milhões de euros, uma subida de cinco vezes face ao início do milénio, com 12% desse valor a ser devido a credores chineses.

O estudo analisa sete países em detalhe, incluindo Angola, que é apontado como o país africano que recebeu mais empréstimos da China nos últimos 20 anos (mais de 42 mil milhões de dólares).

Angola deve mais à China do que os três países seguintes, ultrapassando a soma dos 13,7 mil milhões de dólares da Etiópia, 9,8 mil milhões da Zâmbia e 9,2 mil milhões do Quénia, de acordo com a Chatham House.

“O pagamento, alívio e cancelamento da dívida continua a ser uma prioridade para o governo do Presidente João Lourenço no segundo mandato, que começou em Setembro de 2022, tal como diversificar as parcerias externas para além da sobredependência da China”, lê-se no estudo da Chatham House, que aponta que a dívida dos países africanos deve ser encarada como “uma prioridade global”.

A China tem sido o maior credor dos países africanos nas últimas décadas, ultrapassando os Estados Unidos da América, a União Europeia e o Japão. Longe de ser uma estratégia sofisticada para se apropriarem de activos africanos, os empréstimos da China, numa fase inicial, podem ter criado uma armadilha da dívida para a China, que se enredou profundamente com os parceiros africanos, cada vez mais maturos e assertivos.

O gigante asiático é o maior credor da Zâmbia, por exemplo, o primeiro país a entrar em Incumprimento Financeiro no seguimento da pandemia de Covid-19, e as consequências económicas não só da pandemia, mas também da invasão da Ucrânia pela Rússia fez outros países pararem de pagar as suas dívidas, como é o caso do Gana.

De acordo com os critérios do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), 22 dos 54 países africanos estão em sobreendividamento, incluindo todos os países lusófonos.

A crise da dívida que afecta os países africanos tem motivado um intenso debate entre os académicos, bancos multilaterais, analistas e investidores, com vários observadores a defenderem que o nível actual do rácio da dívida face ao PIB, entre os 60 e os 70%, é insustentável tendo em conta a subida das taxas de juros pelos bancos centrais ocidentais e o aumento da inflação nomeadamente nos bens alimentares e energéticos, que se junta ao elevado preço que os investidores cobram para emprestar dinheiro aos países africanos, percepcionados como mais arriscados em termos de credibilidade dos pagamentos.

A ministra das Finanças de Angola, Vera Daves, diz que as relações com a China são “muito positivas” há mais de 20 anos e que o país vai continuar a apostar diariamente nesta cooperação e amizade entre os dois Estados.

Para Vera Daves, as relações entre Angola e a China, são mutuamente reconhecidas como muito positivas há mais de duas décadas, num clima de amizade e cooperação estratégica em várias áreas, com destaque para as relações comerciais, financeiras e económicas, nas quais Angola continuará a apostar diariamente dentro do espírito de cooperação e amizade existentes entre as duas nações.

A história repete-se. O Governo angolano estendeu a mão (e as riquezas que ainda são nacionais) à China para pedir assistência técnica na elaboração de projectos sustentáveis e assim poder candidatar-se aos financiamentos, quer do Governo, quer dos potenciais investidores chineses (supostamente) interessados no desenvolvimento de Angola.

Há poucos sinais de que o presidente João Lourenço seja capaz de colocar as finanças do país em bases sustentáveis. O petróleo é que irá decidir, desde logo porque a diversificação da economia angolana longe da dependência do petróleo será um processo a longo prazo… e talvez até inexequível.

Após o fim da longa guerra civil do país em 2002, a relutância dos angolanos em aceitar as condições associadas ao financiamento ocidental levou ao afluxo de empréstimos chineses. Foi um salto da frigideira para o fogo, com o país obrigado a vender mais petróleo, o seu principal activo, quando o preço estava a cair.

Angola nem sequer beneficia em termos de emprego, já que as construtoras chinesas constroem projectos de infra-estrutura principalmente com seus próprios empregados.

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