SE É PRECISO EXORTAR OS JUÍZES…

O Presidente da República, general João Lourenço, exortou, hoje, em Luanda, os dois novos juízes do Tribunal Constitucional a respeitar a lei e a Constituição da República. Se é preciso exortar (“convencer por meio da persuasão, do conselho”) é porque até agora a lei e a Constituição não eram bem respeitadas?

O general João Lourenço intervinha na cerimónia de posse dos juízes conselheiros do Tribunal Constitucional Victória Manuel da Silva Izata e Victorino Domingos Hossi, ambos eleitos pela Assembleia Nacional.

Victória da Silva Izata, que também assumirá o cargo de vice-presidente do Tribunal Constitucional, foi proposta pelo grupo parlamentar MPLA, para ocupar a vacatura aberta com a jubilação da juíza Guilhermina Contreiras da Costa Prata. Já Victorino Hossi foi proposto pela UNITA.

O Presidente da República espera que a actuação dos juízes tenha sempre em conta o cumprimento da lei e da Constituição da República.

O Tribunal Constitucional é, nos termos da Constituição da República de Angola, o órgão supremo da jurisdição constitucional, ao qual compete, em geral, administrar a justiça em matéria jurídico-constitucional.

É composto por onze juízes designados entre juristas e magistrados, sendo quatro (4) indicados pelo Presidente da República, incluindo o Presidente do Tribunal, quatro eleitos pela Assembleia Nacional por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções, incluindo o vice-presidente do Tribunal, dois eleitos pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial e um juiz seleccionado por concurso público curricular.

Os juízes conselheiros são designados para um mandato de sete anos não renovável e gozam das garantias de independência, inamovibilidade e imparcialidade dos juízes dos restantes tribunais.

A designação e a eleição dos juízes conselheiros do Tribunal Constitucional faz-se levando em consideração os princípios da continuidade do órgão, razoabilidade, tempestividade e necessidade.

Na Assembleia Nacional, o processo electivo dos juízes leva em consideração o princípio da representação proporcional.

Nesta conformidade, havendo a necessidade de se eleger o vice-presidente do Tribunal Constitucional, o Grupo Parlamentar do MPLA, em obediência ao princípio da continuidade do órgão, propôs a candidatura da juíza conselheira do Tribunal Constitucional Victória Manuel da Silva Izata.

COMUNICAÇÃO DE VICTÓRIA IZATA EM MARROCOS

Prestemos, entretanto, atenção (verba volant, scripta manent) à comunicação proferida pela juíza Conselheira Victória Izata no Congresso da Conferência das Jurisdições Constituições de África que decorreu em Marrocos em Novembro de 2022:

«É-me profundamente grata estar perante Vossas Excelências e particularmente neste 6.º Congresso da Conferência das Jurisdições Constituições de África (CJCA), cuja instituição o Tribunal Constitucional de Angola teve o privilégio de presidir nestes três últimos anos e, pronunciar-me sobre o status das normas internacionais na Constituição do meu País.

O direito internacional, desde os anais da história de Angola como País independente faz parte integrante da nossa ordem jurídica. Teve consagração e tutela constitucional logo na primeira Lei Constitucional n.º 1/75, que entrou em vigor na data da proclamação da nossa independência nacional a 11 de Novembro de 1975, altura em que Angola assumiu-se como um Estado independente e soberano e sempre foi reverenciado nas alterações subsequentes, até a aprovação da Constituição da República de Angola no ano de 2010.

Como se diz, o direito internacional tende a regular os interesses de âmbito transnacional ou fronteiriço, é algo que transcende a soberania de um Estado, mas resulta de coordenação entre os vários Estados. O direito internacional de hoje é dinâmico, flexível, mas não foge das preocupações clássicas, tendentes a regular, disciplinar os conflitos, interesses entre estados, organizações internacionais ou ONG.

Hoje, a consagração do direito internacional na nossa ordem jurídica tem respaldo na Constituição, na parte respeitante aos princípios fundamentais (artigo 13.º) que consigna: “O direito internacional geral ou comum, recebido nos termos da presente Constituição, faz parte integrante da ordem jurídica angolana.”

Em Angola, as fontes de Direito Internacional invocadas na Constituição, e isto vale, por força do n.º 1 do artigo 12.º, são a Carta da Organização das Nações Unidas e a Carta da União Africana. Ressalta-se que, no que diz respeito aos direitos fundamentais, são igualmente invocados, por força do artigo 26.º a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

A nossa Lex Mater consagra os tratados e os acordos internacionais como fontes de direito internacional desde que regularmente aprovados ou ratificados vigorando na ordem jurídica após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica internacional.

É mister referir que a posição hierárquica das normas constitucionais relativamente as demais normas coloca-as sempre numa posição de supremacia, mesmo em relação às normas de direito internacional, ressalvando-se, no entanto, que as normas de direito internacional, desde que aprovadas pelo Parlamento, ratificadas pelo Presidente da República e publicadas no diário oficial, passam a integrar a nossa ordem jurídica interna, numa posição hierárquica logo a seguir às normas constitucionais e acima das normas ordinárias.

A Constituição de Angola não apresenta uma distinção formal entre tratados e convenções de outras normas internacionais.

É sim densificado na lei ordinária o tratado internacional como qualquer acordo, seja qual for a sua designação particular, isto é, quer sejam tratados, acordos, convenções, estatutos, cartas, protocolos, ou seja, pouco importa a designação tratado, implicando apenas que seja um documento de natureza internacional.

O direito angolano tem como fonte primária a Constituição que condensa essas matérias numa lei ordinária, nomeadamente a Lei sobre os Tratados Internacionais que aí sim classifica-os de: tratados solenes, acordos executivos e acordos em forma simplificada, diferenciando-os pelo órgão com competência para aprovar os referidos instrumentos legais.

De acordo com a nossa Lei infraconstitucional os tratados solenes requerem a assinatura do Presidente da República, do Ministro das Relações Exteriores ou de outro membro do Executivo devidamente mandatado, estando a sua entrada em vigor na ordem jurídica interna sujeita à apreciação prévia do Conselho de Ministro, à aprovação formal da Assembleia Nacional e a ratificação ou adesão pelo Presidente da República.

É importante, igualmente referir que os tratados solenes versam sobre matérias ligadas a: Tratados de participação de Angola em organizações internacionais, tratados constitutivos de organizações internacionais, tratados sobre questões de rectificação de fronteiras, tratados de amizade e de cooperação, tratados relativos à paz, tratados de defesa e respeitantes a assuntos militares e tratados que impliquem alteração em matéria legislativa interna e, nomeadamente, estatuto de pessoas e bens, acordos sobre nacionalidade, acordos consulares e similares.

À luz do que se vem referenciando, no ordenamento jurídico angolano os tratados internacionais embora tenham dignidade constitucional, não gozam de aplicabilidade imediata e directa, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º, conjugado com a alínea k) do artigo 161.º e a alínea c) do artigo 121.º da Constituição. Eles estão sujeitos à aprovação, em Plenário, pela Assembleia Nacional, por via de uma Resolução e à ratificação ou adesão pelo Presidente da República e no final a publicação em diário da República.

Ademais, a nossa Constituição consagra como competência no domínio político e legislativo do nosso Parlamento a de aprovar para ratificação e adesão os tratados, convenções, acordos e outros instrumentos internacionais que versem sobre matérias da sua competência legislativa.

Portanto, a nível da Constituição, nossa Lei Magna, o Parlamento tem um papel determinante, crucial, e único na aprovação dos tratados internacionais. Não se sobrepõe outro órgão com competências para aprovar esses instrumentos internacionais.

Logo, o Parlamento é o órgão legislativo por excelência que aprova os tratados solenes e o Presidente da República tem competência única de os ratificar.

Entretanto, já os demais Acordos internacionais (Acordos executivos e acordos em forma simplificada) pela natureza do seu objecto e importância ou que não estabelecem nenhuma formalidade legal posterior à assinatura, para a sua entrada em vigor recaem no âmbito da competência do Presidente da República, no domínio das relações internacionais, enquanto Titular do Poder Executivo e do Ministro das Relações Exteriores, respectivamente.

A este propósito parece-nos, igualmente oportuno referenciar que de acordo com a lei infraconstitucional angolana, os Acordos executivos são todos os demais não referenciados nos tratados solenes e os Acordos em forma simplificada são os que versam sobre troca de notas, notas verbais, acordos de navegação e memorados.

Como já referido, a Constituição da República de Angola é a nossa Lei Magna, a nossa Lei Padrão. Ela representa a pauta de princípios estruturantes com que se organiza e rege o funcionamento do nosso País.

Com a consagração das normas constitucionais sobre relações internacionais e direito internacional foram aprovadas várias Resoluções anteriormente pela Assembleia do Povo e hodiernamente, pela Assembleia Nacional (o nosso Parlamento) que inseriram na nossa ordem jurídica interna vários tratados e convenções com destaque para:

Declaração Universal dos Direitos do Homem; – Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral da Nações Unidas (Resolução 217 A III), em 10 de Dezembro de 1948;

Resolução 15/84, de 19 de Setembro – Aprova a adesão da República Popular de Angola à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres;

Resolução n.º 20/90, de 10 de Novembro – Aprova para ratificação a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança;

Resolução n.º 1/91, de 19 de Janeiro – Aprova a adesão da República Popular de Angola à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, também designada «Carta de Banjul»;

Resolução n.º 26-B/91, de 27 de Dezembro – Aprova, para adesão, o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos;

Resolução n.º 25/00, de 1 de Dezembro – Aprova a adesão da República de Angola ao Estatuto de Roma que cria o Tribunal Penal Internacional;

Resolução n.º 33/03, de 9 de Dezembro – Aprova para ratificação o Protocolo sobre o Estabelecimento do Conselho de Paz e Segurança da União Africana;

Resolução n.º 21/02, de 13 de Agosto – Aprova o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis;

Resolução n.º 23/07, de 23 de Junho – Aprova, para a adesão, o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas Sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres;

Resolução n.º 25/07, de 16 de Julho – Aprova, para adesão, o Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, Relativo aos Direitos da Mulher em África;

Resolução n.º 2/13, de 11 de Janeiro – Aprova, para adesão, o Protocolo Opcional à Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptado em Nova Iorque, aos 30 de Março de 2007;

Resolução n.º 11/13, de 11 de Abril – Aprova para ratificação a Convenção da União Africana sobre a Protecção e Assistência às Pessoas Deslocadas Internamente em África – Convenção de Kampala;

Resolução n.º 38/16, de 12 de Agosto – Aprova para adesão, a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras;

Resolução n.º 50/18, de 31 de Dezembro – Aprova para a adesão da República de Angola, o Protocolo do Tribunal de Justiça da União Africana;

Resolução n.º 4/19, de 18 de Fevereiro – Aprova para ratificação da República de Angola, o Protocolo da União Africana Relativo aos Estatutos do Tribunal Africano de Justiça e dos Direitos Humanos;

Resolução n.º 35/19, de 9 de Julho – Aprova para adesão da República de Angola, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial;

Resolução n.º 37/19, de 9 de Julho – Aprova para adesão da República de Angola o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vista à Abolição da Pena de Morte;

Resolução n.º 38/19, de 9 de Julho – Aprova para adesão da República de Angola, a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes;

Resolução n.º 3/20, de 2 de Janeiro – Aprova para ratificação, a Carta Africana Sobre a Democracia, as Eleições e a Governação;

Resolução n.º 14/22, de 7 de Abril – Aprova para ratificação, o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo aos Direitos das Pessoas com Deficiência em África;

Resolução n.º 15/22, de 7 de Abril – Aprova para ratificação, o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos Relativo aos Direitos dos Idosos em África.

Como se monstra evidente a República de Angola tem aderido e concretizado muitos dos instrumentos internacionais, sendo aqui importante ressalvar que o Tribunal Constitucional de Angola, em que estamos integrados, tem sido prolifero na aplicação de alguns instrumentos internacionais por ofensa às Garantias fundamentais consagradas, de entre outros, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

Foi-nos, igualmente, sugerido que se fizesse uma breve abordagem sobre o princípio da reserva do possível na nossa Lei Fundamental.

Quanto a este quesito gostaríamos antes de mais aludir que o princípio da reserva do possível desde a sua criação na Alemanha passou a ser sobreposto em muitos Estados com o objectivo de limitar exigências em prol dos direitos fundamentais, sempre tendo em atenção a componente financeira do Estado, sua possível adequação e a necessidade do pedido formulado pelos cidadãos, com critério proporcional.

O princípio da reserva do possível encontra-se muito conexo ao Estado social. Verifica-se que existem direitos sociais cuja concretização encontra-se intrinsecamente ligado à legislação ordinária aprovada pelo Parlamento e isto pode verificar-se com o Orçamento Geral do Estado que apresenta a previsão financeira para cada ano civil.

Da Constituição da República de Angola se pode subentender o princípio da reserva do possível no n.º 2 do artigo 28.º ao consagrar “O Estado deve adoptar as iniciativas legislativas e outras medidas adequadas à concretização progressiva e efectiva, de acordo com os recursos disponíveis, dos direitos económicos, sociais e culturais”.

A reserva do possível denota que, a concretização dos direitos fundamentais se encontra condicionada à presença de recursos financeiros do Estado para suportar os custos dos direitos consagrados constitucionalmente.

Como nos afirmou o angolano João Valeriano, aquando da celebração dos 12 anos da Constituição da República de Angola, “Do princípio da reserva do possível, o que se destaca é que os direitos sociais são consagrados em normas vagas, de conteúdo indeterminado concebidas e positivadas apenas através de princípios, levando a que a sua efectivação fique sempre na dependência da pontuação, como sempre, das regras e princípios opostos, remetendo para a conformação orçamentais do legislador, mais concretamente, para clausula da reserva do possível.”

Similarmente, ainda refere que “A reserva do possível condiciona como limite extremo, os desejos de prestações sociais, ligando-os à capacidade financeira do Estado que independentemente das disponibilidades financeiras deve ser respeitado o núcleo essencial desse direito”.

Nunca é demais aqui enfatizar que no âmbito dos direitos fundamentais a Constituição angolana consagra no seu artigo 26.º e aqui, para melhor elucidação, transcreve-se ipsis verbis que “Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos”.

Nesta esteira, sempre que surja um pleito concernente a direitos fundamentais o Tribunal deve socorrer-se do uso dos instrumentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.

São dos instrumentos internacionais que a nossa Constituição expressa de modo taxativo que na apreciação de litígios pelos Tribunais angolanos relativos à matéria sobre direitos fundamentais são os mesmos aplicados, ainda que não sejam invocados pelas partes.»

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