ORGIA (COLECTIVA) DA CPLP

A CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que integra Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, realiza a 14.ª conferência de chefes de Estado e de Governo, em São Tomé e Príncipe, amanhã, sob o lema “Juventude e Sustentabilidade”.

No passado dia 30 de Maio, o ministro da Defesa Nacional e dos Veteranos da Pátria angolano, João Ernesto dos Santos, destacou em Luanda a importância da cooperação no sector da Defesa no seio da CPLP.

O governante angolano, que intervinha na cerimónia de abertura da XXII reunião de ministros da Defesa da CPLP, disse que “estamos certos que as comissões de defesa e segurança visam promover a paz e a estabilidade mundial, pelo que devem ser o estandarte a ostentar e enaltecer face aos desafios do presente e do futuro”.

“Os laços que ligam os nossos países e povos têm vindo a intensificar-se na base do respeito pela soberania e independência de cada um, no interesse de uma cooperação mutuamente proficiente”, acrescentou.

João dos Santos ‘Liberdade’ sublinhou também a importância da cooperação e da coordenação entre os países da CPLP (caso, recorde-se, da Guiné Equatorial) na promoção da segurança e da defesa de todos, e deu como exemplo a disponibilidade de Angola no envio de “contingentes e apoio logístico” para a Guiné-Bissau e Moçambique.

“Quando foi necessário estivemos e continuamos prontos a ajudar os Estados-membros da comunidade, enviando contingentes militares e apoio logístico, quando a situação assim nos aconselhou, como foi o caso da missão angolana de apoio à reforma do sector humanitário da Guiné-Bissau”, destacou o ministro de Angola, país que preside actualmente à CPLP.

“E na República de Moçambique, quando foi assolada pelo ciclone Idai e actualmente na província de Cabo Delgado, onde temos uma componente militar, que se cinge apenas às suas acções no posto de comando das operações auxiliar de Informações para as Forças Armadas da Defesa de Moçambique, bem como na projecção de Força de Estados Membros da SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral] em apoio ao processo de pacificação e estabilidade daquela parcela do território moçambicano”, acrescentou.

João Ernesto dos Santos recordou que no passado dia 29 de Março, formalmente e apenas para dar um ar de democraticidade ao regime, os deputados angolanos aprovaram o pedido de autorização do Presidente João Lourenço (que é Presidente do partido maioritário, o MPLA) para a prorrogação de estada por mais três meses dos militares angolanos em Moçambique.

“Na história do passado recente há registos de convivência entre os nossos povos que naturalmente estão determinados ou destinados a partilhar um futuro comum de solidariedade e entreajuda, facilitado pelo idioma e a defesa dos valores comuns”, frisou.

João Ernesto dos Santos salientou ainda que ao longo dos 25 anos de existência da cooperação no sector de defesa da CPLP, Angola “apresentou múltiplas iniciativas de cooperação progressiva e mutuamente vantajosa no domínio da defesa, com os ministérios homólogos e respectivas Forças Armadas” que, concluiu, “contribuíram para a coesão na actuação das nossas instituições”.

O ministro angolano destacou também a realização dos exercícios “Felino”, dos quais duas edições decorreram em Angola, e que visam, em teoria e em tese política inconsequente, preparar o Estado-Maior de uma Força de Tarefa Conjunta e Combinada (FTCC), no âmbito da CPLP, para – supostamente – atingir, manter e optimizar a capacidade de participar em missões de Apoio à Paz e de Assistência Humanitária, aos níveis operacional e táctico. “Foram um valioso contributo na consolidação do projecto da nossa comunidade”, sintetizou.

Para se verificar como esta gente gosta de brincar com coisas que deveriam ser sérias, eis “ipsis verbis” um texto publicado no Folha 8 em 12 de Setembro de 2016. Sim, não é engano. Foi em 2016:

«O exercício militar Felino 2016, inserido nesse paquiderme branco que dá pelo nome de Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), arrancou hoje na Praia, Cabo Verde, com a participação de 90 militares dos nove países que integram a organização dita lusófona.

O exercício, que tem como objectivo desde que nasceu há 16 anos a preparação de uma força conjunta da CPLP, optimizando a sua capacidade de intervenção em missões humanitária e de paz.

O exercício decorre no continente fictício (tal como a CPLP) “Gama”, “instalado” em três pisos do edifício do Estado Maior General das Forças Armadas (EMFA) e onde, ao longo de duas semanas, os militares serão confrontados com situações simuladas de incidentes para testar a capacidade de reacção das diversas forças.

Todas as acções serão executadas com recurso a mapas, cartas e meios de comunicação e, os cenários simulados no formato Exercício em Carta (EC), serão depois aplicados na modalidade Exercícios com Forças no Terreno (EFT).

“Encontrámo-nos perante um dos mais importantes eventos da CPLP, a realização de um exercício militar multinacional, que evidencia a determinação dos nossos países em desenvolver um esforço comum no sentido de conferir maior projecção e visibilidade às capacidades da comunidade em matéria de segurança colectiva e cooperativa”, defendeu o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas de Cabo Verde (CEMFA), Anildo Morais.

Anildo Morais falava na cerimónia de abertura do Felino 2016, ao início da manhã na cidade da Praia perante os militares das delegações de Angola (9), Brasil (17), Guiné-Bissau (5), Guiné Equatorial (7), Moçambique (2), Portugal (10), Timor-Leste (10) e São Tomé e Príncipe (2).

Tretas habituais e pouco inovadoras

Sabemos que essa coisa da memória é uma constante chatice. Tal como a coluna vertebral e outros “instrumentos” que são cada vez mais decorativos. Mas, mesmo assim, respeitando todos aqueles, e são cada vez mais, que não têm esses predicados, continuamos a valorizá-los como membros de uma minoria.

Recordamo-nos que o chefe do Estado Maior General das Forças Armadas portuguesas (CEMGFA) considerou em 24 de Setembro de 2008 estarem criadas as bases da doutrina militar para o emprego de uma força conjunta da CPLP.

Luís Valença Pinto regozijou-se na altura com a participação, pela primeira vez, de forças de todos os países que compõem a CPLP no exercício Felino concluído então na área militar de S. Jacinto, em Portugal.

No balanço que fez desse exercício conjunto, o CEMGFA considerou que o Felino 2008 permitiu lançar as bases de doutrina militar para criar uma força conjunta que possa ser activada para missões de paz, sob a égide das Nações Unidas.

“Portugal ensinou e aprendeu muito e a conduta táctica permitiu recolher referências para essa doutrina militar, cujas bases deverão ser testadas em 2009, em Moçambique”, disse Luís Valença Pinto, acrescentando que a construção dessa doutrina militar é condição de base para o emprego comum de forças da CPLP, já que há países de dimensão muito diferente e com realidades distintas das de Portugal, como elemento da NATO.

O CEMGFA salientou que, devido à cooperação militar, seria viável até aqui uma intervenção bilateral ou trilateral, mas não a oito, do ponto de vista militar, dada a necessidade de harmonizar conceitos, técnicas e tácticas, que foi o objectivo do Felino 2008.

No terreno desde 2000, os Felino visam treinar o planeamento, a conduta e o controlo de operações no quadro da actuação de resposta a uma situação de crise ou guerra não convencional, por parte das Forças Armadas dos estados-membros da CPLP.

Em teoria, e é só disso que vive a CPLP, as forças Felino poderiam actuar por livre iniciativa da CPLP quando a situação é de crise num dos seus estados-membros.

Em termos políticos, de acordo com o especialista angolano em Relações Internacionais Eugénio Costa Almeida, “o grande problema da CPLP é não ter, ao contrário da britânica Commonwealth ou da Communauté Française, um Estado com capacidade de projecção e liderança que defina e determine as linhas de actuação da Comunidade, tal como faz Londres ou Paris”.

O facto, “ainda não ultrapassado e se calhar de difícil solução, de a CPLP não falar a uma só voz, de não ter uma voz de comando que determine o rumo a seguir, leva a que, em situações de crise num dos seus membros, sejam terceiros a resolver o problema”, diz Eugénio Costa Almeida.

E, assim, enquanto os militares da CPLP brincam aos… militares, recorrentemente na Guiné-Bissau os militares, ou similares, vão-se exercitando com as AK-47 e por falta de alvos convencionais… matam-se uns aos outros.»

Gigante que nem pés de barro tem

Criada em 1996, a CPLP tem actualmente nove Estados-membros: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Guiné Equatorial – cuja adesão, em 2014, criou polémica.

Teoricamente a CPLP tem como objectivos prioritários a concertação político-diplomática entre os seus estados membros, nomeadamente para o reforço da sua presença no cenário internacional; a cooperação em todos os domínios, inclusive os da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública, comunicações, justiça, segurança pública, cultura, desporto e comunicação social.

Mas será que existe uma estratégia comum em matéria, por exemplo, de educação? Não. Não existe. Será que existe uma estratégia comum em matéria, por exemplo, de saúde? Não. Não existe. Será que existe uma estratégia comum em matéria, por exemplo, de ciência e tecnologia? Não. Não existe. Será que existe uma estratégia comum em matéria, por exemplo, de defesa? Não. Não existe.

Não vale a pena continuar a pôr estas perguntas porque, de facto não existe nenhuma estratégia comum, seja em que matéria for. Comum a todos, comum como se existisse uma verdadeira comunidade. Existem casos pontuais, entre alguns dos estados-membros, mas nada em sentido comunitário.

Três países lusófonos – Guiné-Bissau, Angola e Moçambique – estão entre os que têm a pior taxa de mortalidade infantil, de acordo com o relatório sobre a Situação da População Mundial relativo a 2011. Segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), em cada 1.000 nascidos vivos, morrem 192,6 na Guiné-Bissau (só ultrapassada pelo Afeganistão e pelo Chade), 160,5 em Angola e 141,9 em Moçambique.

Entre os países de língua portuguesa, seguem-se São Tomé e Príncipe, com 77,8 crianças, e Timor-Leste, com 56,4. Mais abaixo, surgem Cabo Verde, com 27,5, e Brasil, com 20,6. Portugal apresenta uma taxa de 3,7.

Ainda no capítulo da saúde materno-infantil, 1.000 em cada 100.000 mulheres na Guiné-Bissau morrem no parto (pior registo só no Afeganistão e no Chade).

Com números acima das 500 mortes estavam Angola (610) e Moçambique (550). O relatório não apresenta dados sobre São Tomé e Príncipe, enquanto em Timor-Leste 370 em 100.000 mulheres morrem no parto. Os números descem em Cabo Verde (94), no Brasil (58) e em Portugal (7).

No que diz respeito à taxa de partos entre adolescentes (15 a 19 anos), é Moçambique que lidera, com 185 (em cada 1.000), 170 na Guiné-Bissau, 165 em Angola, 92 em Cabo Verde, 91 em São Tomé e Príncipe, 59 em Timor-Leste, 58 no Brasil e 17 em Portugal.

Os indicadores faziam ainda referência à percentagem de “partos atendidos por pessoal qualificado em saúde”, sendo esta menor, entre os países da CPLP, em Timor-Leste (18), inferior apenas no Afeganistão, Chade e Etiópia.

Na Guiné-Bissau (39) e Angola (47) menos de metade das mulheres beneficiaram deste atendimento especializado. Acima dos 50 por cento surgem Moçambique (55), Cabo Verde (78), São Tomé (82) e Brasil (97).

Na saúde sexual e reprodutiva, é em Angola que as mulheres entre os 15 e os 49 anos menos usam contraceptivos, seja através de que método for. Apenas 6% o fazem, seguidas por 10% das guineenses e 17% das moçambicanas.

Em Timor-Leste, 22% das mulheres usam contraceptivos, taxa que aumenta para 38% em São Tomé e Príncipe, 61% em Cabo Verde, 80% no Brasil e 87% em Portugal.

Apenas quatro dos países da CPLP apresentam dados sobre a taxa de prevalência do vírus VIH/SIDA entre a população dos 15 aos 24 anos, com Moçambique a distanciar-se pela negativa, com percentagens de 3,1% nos homens e de 8,6% nas mulheres (apenas menor do que em países como Botswana, Lesotho, África do Sul, Swazilândia e Zâmbia).

Na Guiné-Bissau, o vírus VIH/SIDA afecta 0,8% de homens e 2% de mulheres, em Angola, 0,6% de homens e 1,6% de mulheres e, em Portugal, 0,3% de homens e 0,2% de mulheres.

Nos indicadores relativos à educação, a taxa de alfabetização da população entre os 15 e os 24 anos é de 78% nos rapazes e 62% nas raparigas tanto na Guiné-Bissau como em Moçambique, e de 81% e 65% em Angola.

Taxas de alfabetização totais ou quase totais verificam-se em São Tomé e Príncipe (95% dos rapazes e 96% das raparigas), no Brasil e em Cabo Verde, com os mesmos números para rapazes e raparigas (97 e 99%), e em Portugal (100% para os dois sexos).

Não havia dados sobre a alfabetização em Timor-Leste, mas o relatório indica que 79% dos rapazes e 76% das raparigas em idade escolar estão matriculados no “ensino fundamental”.

Esta é, apesar de pálida, a realidade dos países da CPLP. Estes dados têm onze anos. No entanto, de substancial para melhor nada se passou desde então. Basta, por exemplo, ver que em Angola, para uma população de 34,5 milhões de cidadãos, tem mais de 20 milhões de pobres.

Durante anos o argumento da guerra serviu às mil maravilhas para que esse “elefante branco” que dá pelo nome de CPLP, enquanto organização que congrega os países lusófonos, dissesse que só podia – quando podia – mandar algum peixe. Para ensinar a pescar era imprescindível a paz. Angola está em paz (ausência de tiros) há mais de 20 anos…

E agora? Há muito que existe paz, nomeadamente em Angola e mais ou menos na Guiné-Bissau. Será que as canas de pesca são mais caras que as Kalashnikov? Será que os angolanos só vão ter direito à cana de pesca quando o rio Kwanza nascer na foz?

Segundo declarações de José Eduardo dos Santos, feitas em 2008, existia a esperança de que “a vontade política que norteia a CPLP, bem como as excelentes relações entre os seus membros dêem lugar a programas concretos que fomentem o crescimento económico, a erradicação da pobreza e a integração social, para que a médio/largo prazo pudéssemos estar todos no mesmo patamar de desenvolvimento”. Isto foi dito há 14 anos.

E acrescentava: “deve-se, por isso, pensar muito a sério na criação de facilidades financeiras para a promoção recíproca do investimento e da cooperação económica”.

Todos estão de acordo. Só que… continua a não fazer sentido pedir aos pobres dos países ricos para dar aos ricos dos países supostamente pobres. Em vez de se preocupar com o povo que não pode tomar antibióticos (e não pode porque eles, quando existem, são para tomar depois de uma coisa que o povo não tem: refeições), a CPLP mostra-se mais virada para questões políticas, para o suposto aprofundamento da democracia.

Que adiantará ter uma democracia quando se tem a barriga vazia? Valerá a pena pedir, ou exigir, que se respeite a legitimidade democrática se o povo apenas quer deixar de morrer à fome?

Ainda não será desta que a CPLP vai perceber a porcaria que anda a fazer em muitos países lusófonos. De facto, a dita CPLP é uma treta, e a Lusofonia é uma miragem de meia dúzia de sonhadores. O melhor é mesmo encerrar para sempre a ideia de que a língua (entre outras coisas) nos pode ajudar a ter uma pátria comum espalhada pelos cantos do mundo.

E quando se tiver coragem para oficializar o fim do que se pensou poder ser uma comunidade lusófona, então já não custará tanto ajudar os filhos do vizinho com aquilo que deveríamos dar aos nossos próprios filhos.

Artigos Relacionados

One Thought to “ORGIA (COLECTIVA) DA CPLP”

Leave a Comment