“O QUE É QUE QUEREM QUE EU DIGA?”

O presidente da Câmara Africana de Energia (CAE), NJ Ayuk, considerou hoje que a reestruturação da companhia petrolífera do MPLA, Sonangol, é um exemplo para outras petrolíferas africanas e vai garantir mais investimento estrangeiro para Angola. Mudam alguns bailarinos, mudam a música.

O líder desta organização cuja principal motivação é fomentar o investimento estrangeiro no sector energético em África, diz que “o Governo de João Lourenço está a perseguir um notável programa de reformas desenhado para permitir que a Sonangol represente os interesses locais ao mesmo tempo que trabalha de forma cooperativa com investidores estrangeiros”.

Numa declaração enviada à Lusa, NJ Ayuk diz que o primeiro passo da transformação da Sonangol foi a mudança da missão, retirando da empresa a vertente regulatória, o que lhe permitiu concentrar-se na sua actividade principal, a exploração e produção de petróleo.

Depois, em Setembro de 2021, o ministro do Petróleo, Diamantino Azevedo, anunciou que a Sonangol iria para a bolsa, num processo que está em curso, mas ainda sem data prevista para a dispersão de até 30% do capital.

No texto, NJ Ayuk aponta a ida para a bolsa para 2027, quando a empresa cumprir os critérios definidos no início deste ano pelo presidente executivo da companhia, Sebastião Gaspar Martins.

“Desde Setembro, o Governo angolano clarificou as suas intenções, dizendo que a Oferta Pública de Aquisição só avançaria quando a Sonangol cumprisse determinados critérios”, escreve, citando, entre outros, o aumento da capacidade de refinação interna e de armazenamento de petróleo, a redução de pelo menos 20% das emissões de dióxido de carbono nas operações de exploração, produção e refinação, e a subida da percentagem da produção petrolífera em campos operados pela Sonangol para 10%.

“Sebastião Martins disse que a Sonangol teria de cumprir todas estas metas, formuladas para tornar a companhia mais forte e auto-sustentável, antes de avançar com o IPO, e disse que mesmo não havendo um prazo rígido definido pelo Governo, esperava que a companhia atingisse os objectivos em 2027”, escreve NJ Ayuk.

Todas estas alterações, conclui, elogiando “a visão de João Lourenço”, são um exemplo para outras petrolíferas africanas e “servem para transformar a Sonangol de um instrumento do Estado numa organização ao estilo empresarial, focada em questões operacionais e não importunada com preocupações periféricas”.

Angola “adormeceu à sombra do sucesso durante oito anos”

Em Novembro de 2021, o administrador executivo da Agência Nacional de Petróleo de Angola admitiu que o país se deixou “adormecer à sombra” dos sucessos na exploração de petróleo durante quase uma década, mas garantiu que “esse tempo acabou”.

“Deixámo-nos adormecer à sombra dos nossos sucessos anteriores e durante oito anos não tivemos nenhuma ronda de licenciamento que promovesse novas explorações e descobertas, mas esse tempo acabou”, disse o responsável da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG), citado num comunicado de imprensa da Câmara de Energia Africana.

“O país tem uma grande prospectividade e isso não vai mudar, o que pode mudar são as condições fiscais e contratuais, mas se os investidores querem mudanças, precisam de nos dizer exactamente o que pretendem”, acrescentou, de acordo com o comunicado então divulgado no âmbito da Semana da Energia Africana, que decorreu na Cidade do Cabo, sobre a intervenção de Belarmino Chitangueleca na sessão sobre Angola.

A falta de licenciamento para prospecção de novos poços petrolíferos tem sido a principal causa apontada pelos analistas para a quebra na produção de petróleo em Angola, que nos últimos anos tem sido alvo de um conjunto de reformas com vista a tornar o ambiente empresarial mais atractivo para os investidores internacionais.

“A nova legislação tem ajudado a tornar as negociações e os termos contratuais mais flexíveis”, aponta-se no comunicado, no qual se afirma que Belarmino Chitangueleca “sugeriu que a ANPG estaria disposta a fazer algumas cedências aos investidores de forma a oferecer termos contratuais mais competitivos”.

Em 2020, Angola adjudicou nove blocos em terra, tendo recebido 46 propostas de companhias petrolíferas, e já este ano foram adjudicados mais blocos para prospecção e exploração.

O Governo angolano aprovou em 2020 um novo Regime Jurídico de Conteúdo Local do Sector dos Petróleos para promover a diversificação da economia, a participação do empresariado nacional no sector dos petróleos, o aumento da produção interna e a redução das importações, bem como fomentar a criação de emprego e formação da mão-de-obra angolana afecta à indústria petrolífera.

Em Outubro, a ANPG publicou a lista com os serviços e bens fornecidos às empresas petrolíferas que as operadoras de blocos petrolíferos devem contratar exclusivamente ou dar preferência a empresas angolanas e de direito angolano.

A medida visava assegurar a criação de uma indústria de suporte às operações petrolíferas baseada em Angola e constituída por empresas locais, já que actualmente 95% dos bens e serviços consumidos nas instalações petrolíferas é assegurado por multinacionais estrangeiras.

Na altura, a consultora Fitch Solutions reviu em baixa a previsão para produção de petróleo em Angola, considerando agora que vai cair sustentadamente até um milhão de barris por dia no final da década devido à falta de investimento e exploração.

“O desempenho de Angola para além das metas da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados (OPEC+) durante este ano e a incapacidade de sustentar uma produção mensal positiva levou-nos a rever a previsão para a produção de petróleo e gás para -4,9% este ano”, de 1,32 milhões em 2020 para 1,26 milhões de barris por dia este ano (2021), escrevem os analistas da Fitch Solutions, numa nota com o título ‘Angola continua a debater-se para aumentar a produção petrolífera’.

A falta de investimento e de exploração nos poços petrolíferos nos últimos anos vai fazer descer a produção petrolífera para um milhão de barris em 2030, dizem, apontando, ainda assim, que o próximo ano assistirá a uma subida da produção, para 1,31 milhões de barris diários, “mas isto será um aumento de pouca duração, com a produção a retomar a queda estrutural a partir de 2023”.

A Câmara Africana de Energia (CEA) defendeu em Outubro de 2021 que a transição energética tem de levar em conta as necessidades de África, apontando Angola como exemplo de boas práticas na transição energética que pode demorar décadas.

“Se África for pressionada para cumprir os calendários externos relativos às alterações climáticas e não puder usar internamente os seus recursos de petróleo e gás, e tiver de mudar para as renováveis antes de estar pronta, isso criará um fardo financeiro injusto para os países africanos, para além de problemas económicos significativos”, escreveu o presidente da CAE, NJ Ayuk.

“Por todo o continente, os países africanos enfrentam uma insistência dramática de vozes do Ocidente para pararem as actividades de petróleo e gás e mudarem imediatamente para fontes de energia renovável”, acrescentou, avisando, no entanto, que isso é impossível e prejudicial ao continente que menos contribui para a emissão de gases poluentes.

Com mais de 1 milhão de barris bombeados todos os dias, 8 mil milhões de barris em reservas petrolíferas e 11 biliões de pés cúbicos de reservas de gás, “Angola é um país rico em recursos, convenhamos”, escreve o presidente da organização destinada a supostamente promover os investimentos energéticos em África.

No texto, NJ Ayuk elogia o Governo pelas reformas que “preparam o caminho para a diversificação económica num contexto de transição para energias renováveis” e diz que “Angola tem uma oportunidade de mostrar ao mundo que os combustíveis fósseis podem desempenhar um papel significativo no caminho para a energia verde”.

A utilização de gás natural como combustível de transição é defendida, mas “sem a energia do petróleo e gás para financiar as novas iniciativas, energias verdes como a solar corem o risco de falhar, prejudicando milhões de angolanos que já vivem em pobreza energética”.

O país, aponta, precisa de tempo, porque “não é realista pensar que ao limitar a produção de petróleo, Angola vai simplesmente adoptar energia verde no dia a seguir porque o processo demora anos, se não décadas”, avisa.

“Para a transição energética ser justa, Angola tem de ter tempo para capitalizar os esforços atuais, e tem de desenvolver a sua indústria de renováveis a uma velocidade que torne o país mais forte, fechar uma das principais fontes de receita não empurra Angola para as renováveis mais depressa, antes abranda o progresso porque o país fica sem capital para financiar essa iniciativa”, concluía Ayuk.

Folha 8 com Lusa

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