NO REINO DO MPLA REINA A HIPOCRISIA

O MPLA recordou hoje o antigo Presidente angolano e seu líder, José Eduardo dos Santos, que morreu há um ano, elogiando o seu contributo e apelando para que os angolanos transformem a data numa “jornada de reflexão”. Se a hipocrisia matasse, muitos dos actuais dirigentes do MPLA, a começar pelo seu próprio presidente, há muito já tinham morrido.

Numa declaração a propósito do primeiro aniversário da morte do ex-Presidente e presidente emérito do partido, que esteve à frente dos destinos de Angola durante 38 anos, o Bureau Político do Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no Poder há 48 anos), prestou tributo ao antigo chefe de Estado “por tudo quanto fez pelo engrandecimento do Partido e da Nação”.

“Decorrido um ano, Angola e os Angolanos continuam resignados pelo desaparecimento físico de um dos seus melhores filhos, cuja entrega incondicional à causa do povo e o amor à Pátria elevaram-no à categoria de ser uma das individualidades de referência universal, detentor de irrefutáveis índices de verticalidade e dimensão humana”, refere o comunicado.

Eram tantas as qualidades que o actual Presidente, general João Lourenço, o passou de bestial a besta, a marimbondo e a dirigente que – recordam-se? – tinha deixado os cofres do Estado vazios.

José Eduardo dos Santos morreu em Espanha em 8 de Agosto de 2022, aos 79 anos, tendo sido o funeral celebrado em Luanda 20 dias mais tarde após uma vergonhosa disputa sobre a custódia dos restos mortais entre alguns dos seus filhos mais velhos, que vivem fora de Angola e enfrentam a justiça angolana, e a viúva e filhos mais novos, apoiados pelo MPLA/Estado.

José Eduardo dos Santos viveu os últimos anos em Barcelona, após a subida ao poder do seu sucessor e sua escolha pessoal, para além de ser seu ministro da Defesa, João Lourenço, e os tribunais do MPLA terem avançado com processos contra alguns dos mais próximos colaboradores e familiares do ex-chefe de Estado, incluindo os filhos Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos.

O ex-presidente interrompeu o auto-exílio apenas uma vez, regressando a Luanda em Setembro de 2021, para uma curta estada, sem prestar declarações à imprensa ou esclarecimentos sobre o motivo da deslocação.

O Bureau Politico elogiou “o valente empenho nacionalista e patriótico” de José Eduardo dos Santos “que permitiram manter o MPLA no trilho dos ideais do manifesto da sua constituição, apesar das metamorfoses impostas pela dinâmica social no contexto local e internacional”.

Por ultimo, o órgão MPLA, partido do poder em Angola desde 1975, apelou aos angolanos para que transformem esta data “numa jornada de reflexão em torno dos objectivos almejados para a prossecução do bem-estar do povo angolano”, sublinhando que – citando um outro seu presidente e assassino responsável pelo massacre de milhares e milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977, Agostinho Neto, – “o mais importante é resolver os problemas do povo”.

Até 2017, o Presidente da República, líder absoluto do MPLA, Titular do Poder Executivo, Comandante em Chefe das Forças Armadas, José Eduardo dos Santos tinha tudo para, ao fim de 38 anos de poder absoluto e absolutista (despotismo, tirania, autocracia) sair menos beliscado ou até, com alguma ousadia e mestria, ganhar na recta final o que não conseguiu ao longo de décadas: o epíteto de estadista patriota.

Mas não. Se o poder corrompe, o poder selvático corrompe selvaticamente. E foi esta a opção de José Eduardo dos Santos. Embevecido pela megalomania de um poder que julgou divino e que, por isso, legitimava a sua tese de que não era Presidente para servir os seus cidadãos mas, antes, para deles se servir, esqueceu-se que era um simples mortal e que, no fim da linha, o seu epitáfio reflectiria o que de facto foi: um reles e déspota ditador.

José Eduardo dos Santos deixou o país, que ajudou determinantemente a ser um reino de características antropófagas (matéria em que está a ser superado por João Lourenço) em que os mais poderosos se alimentam dos mais fracos, na mais profunda crise da sua história. Um país abençoado por Deus em matéria de riquezas naturais e mosaico humano, mas também por Ele amaldiçoado nestes 48 anos de independência quanto ao nível macabro e criminoso dos seus dirigentes.

José Eduardo dos Santos esvaziou, deixou que esvaziassem, determinou que esvaziassem e viveu a esvaziar os cofres do Estado, para encher os dos filhos e dos seus amigos de partido (João Lourenço incluído), criminosos bajuladores formatados na tese de que o importante não é o que se é mas, apenas, o que se tem. Esqueceu-se, como acontece a todos os ditadores, que o que se tem é efémero e que eterno só é o que se é.

José Eduardo dos Santos promoveu a acumulação política do capital, para criar corruptos de colarinho branco, anafados demagogos e apologistas de que só trabalha quem não sabe fazer outra coisa. E esses, como o seu “querido líder”, limitaram-se a retirar chorudos dividendos do trabalho escravo de milhões de angolanos.

Institucionalizou a política do roubo no Estado, com a expressão “o cabrito come onde está amarrado”, em Malanje, para justificar os roubos de um seu amigo de situação, Flávio Fernandes.

Mesmo não sendo julgado pelos homens, o seu mais implacável juiz foi a tormenta que sempre se abate, qual tsunami, sobre os ditadores: não há forma de comprar, ou alterar, o fim da história terrena.

Nem mesmo um ou outro ténue exemplo de realismo altera a sua criminosa hibernação de 38 anos dos 48 que a parte mais radical da sua seita leva de poder. Vir agora falar de diversificação da economia é como querar aliviar a dor de um pai dizendo que o filho foi assassinado mas que dos sete tiros que levou só um foi… mortal.

Eduardo dos Santos assumiu a falência dos bancos comerciais; CAP; BESA; BPC; BCA; BCI. Não pagou a reforma dos desmobilizados e reformados das Forças Armadas. Fez uma Constituição à sua medida. Privatizou o sistema judicial, que vive a maioria na ilegalidade, violando a sua própria Constituição. Os corruptos, criminosos e gatunos estiveram (e continuam a estar) sob a sua bênção alojados no poder, privatizou o Estado, transformando-o numa sociedade unipessoal.

Não conseguiu na hora da mudança institucionalizar a democracia interna no MPLA. Indicou um sucessor, que a sua máquina levou às costas, sem carisma e capacidade de alterar o quadro dantesco em que o país definha. O país, não os seus dirigentes.

Eduardo dos Santos não conseguiu, por exemplo, resolver ou apontar um caminho, por esburacado e estreito que fosse, para resolver a questão dos massacres de 27 de Maio de 1977, liderados por Agostinho Neto. Não conseguiu instituir um dia dos pais da independência. Mau grado o espelho de aumento que todos os seus acólitos colocaram na sua frente, procurando que dessa forma se julgue um gigante, Dos Santos sabia que afinal não passava de um anão. E sabia porque o fim da picada traz, regra geral, momentos de extrema lucidez. E assim vai acontecer com o seu sucessor.

Dos Santos poderia, antes de sair, apadrinhar um Pacto de regime onde todos os actores políticos fossem discutir o país, com seriedade, procurando soluções para estancar a roubalheira, como melhorar a democracia, como terminar com a promiscuidade governantes empresários, como reconciliar os angolanos. Não o fez. Em vez de ser a solução para o problema, mostrou que era um problema para a solução, ainda até ao ponto de perpetuar o problema ao escolher e impor o seu sucessor, João Lourenço.

Por isso é mais do que claro que José Eduardo dos Santos foi um homem que na desmedida ganância de concentrar o poder absoluto, foi forçado a ter de abandonar o seu projecto de governação não de forma voluntária, mas pela doença.

Não deixou uma política de emprego com sustentabilidade, pelo contrário saiu como o maior promotor de desemprego dos angolanos e pai da falência das pequenas e médias empresas angolanas. Como seu discípulo, João Lourenço ainda consegue, agora, fazer mais e pior.

Dos Santos preferiu dar emprego e minas de dinheiro a empresas estrangeiras do que às angolanas, inclusive levou à falência simples empresas de recolha e tratamento de lixo para atribuir a empresas brasileiras cujo objecto era a construção civil e obras públicas

Com todo este estado do País, pese o exército de bajuladores, Dos Santos saiu pela porta do cavalo, pela mais pequenina, como um líder falhado, fracassado, incompetente. Porta por onde, certamente, também um dia sairá João Lourenço.

Eduardo dos Santos partiu sem ter deixado um verdadeiro plano de país, uma plano económico viável, que não a corrupção institucional. E quando assim é, e assim é de facto, só lhe restava uma saída honrosa, mais abjecta politicamente, sair como um ditador.

Como se isso não fosse bastante, escondeu uma doença que, dadas as suas relevantes funções, deveria ser pública. Deveria, ainda que em desespero, explicar isso mesmo ao Conselho da República. Mas dado o seu atávico desrespeito pelos órgãos de soberania, Assembleia Nacional, Justiça, etc., actos próprios de um ditador, que a exemplo de Luís XIV considera ser ele o Estado.

O legado de Dos Santos foi quase nulo e a ladainha de que salvou os dirigentes da UNITA em 2002 é uma dantesca prova de quem esteve a léguas de ser um Estadista, mesmo que mediano. É, isso sim, a prova de quem elegeu a morte e o assassinato como uma política de Estado, do seu Estado.

A isso acresce que condenou miúdos inocentes cujo único “crime” foi estarem a ler livro sobre aquilo que só aceitou simular que implantava por a isso ter sido obrigado – democracia. Prendeu Kalupeteka por ser um dos maiores fenómenos de mobilização cristã, cometendo um dos maiores genocídios para acabar com uma congregação religiosa.

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