MÁ QUALIDADE DO ENSINO É O BUSÍLIS

A falta de mão-de-obra qualificada e fraco capital humano, devido à má qualidade do ensino, são dos maiores constrangimentos ao desenvolvimento económico da Guiné-Bissau, segundo um relatório do Banco Mundial (BM), hoje divulgado. Certamente por economia de meios, ou balofa simpatia, o BM não diz que a má qualidade do ensino um problema comum a todos os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. E então o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua de Portugal?

No relatório lê-se que “a má qualidade do ensino e a falta de acesso à educação têm conduzido a uma séria escassez de mão-de-obra qualificada”.

Segundo o Banco Mundial, a taxa de alfabetização dos adultos é de cerca de 57% e a “escolarização primária universal ainda está longe de ser uma realidade”.

“Cerca de 21% das crianças entre os 6 e 11 anos de idade nunca frequentaram a escola devido a barreiras socioculturais, económicas e geográficas” e as taxas de abandono escolar são mais elevadas entre as crianças mais pobres, refere o relatório.

O BM salienta que as dificuldades de acesso e qualidade da educação revelam que as crianças não estão a “dominar as competências de literacia e numeracia” e “evidenciaram um fraco desempenho em português e matemática”.

Outro problema apontado no relatório é a “baixa qualificação do pessoal docente”.

“Apenas uma pequena parte dos professores tem os conhecimentos e as competências pedagógicas necessárias para ensinar eficazmente” e mais de 90% não conseguem responder correctamente a perguntas em matemática e português.

Para o Banco Mundial, é “urgente” dar prioridade à educação. “O capital humano é um motor chave da produtividade laboral e do crescimento inclusivo e também um pilar importante da coesão social e da confiança nas instituições. Contudo, o insuficiente investimento em capital humano, provocado por sistemas fracos e ineficientes e a instabilidade política têm resultado em greves frequentes e perturbações nos serviços de educação”, aponta o documento.

O BM adverte também que é preciso investir na igualdade de género no país, porque os custos económicos da desigualdade “é muito grande”.

“As perdas de riqueza do capital humano na Guiné-Bissau devido à desigualdade de género nos rendimentos poderiam atingir até 5,6 mil milhões de dólares [5,2 mil milhões de euros], de acordo com dados de 2018”, estima o relatório.

Recorde-se, mais para… inglês ver do que para efeitos práticos, como agora acusa o Banco Mundial, que a política de cooperação para o desenvolvimento portuguesa, que constitui um dos pilares da política externa, tem (deveria ter) como objectivo fundamental a erradicação da pobreza extrema e o desenvolvimento sustentável dos países parceiros devendo ser entendida como um investimento e não como uma despesa, como desenvolvimento e não como assistencialismo. Baseia-se num modelo de gestão descentralizado e é enquadrada pelo Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa, 2014-2020.

Cabe ao Camões – Instituto da Cooperação e da Língua a direcção – em estreita articulação com os princípios e directrizes da política externa nacional -, a coordenação e a supervisão das actividades de cooperação para o desenvolvimento e assegurar a representação e a participação do Estado Português nas actividades das organizações internacionais relacionadas com a cooperação e a ajuda pública ao desenvolvimento.

A cooperação portuguesa tem (ou deveria ter) três áreas de actuação:

Cooperação para o desenvolvimento, Educação e sensibilização para o desenvolvimento, Ajuda humanitária e de emergência.

Historicamente, as prioridades geográficas da cooperação portuguesa são os países de língua oficial portuguesa (PALOP e Timor Leste) contudo, estrategicamente, em determinadas áreas temáticas devem ser igualmente consideradas novas geografias como o Norte de África, África Ocidental, América Latina e Atlântico.

São dois os eixos de intervenção: governação, Estado de direito e direitos humanos; e desenvolvimento humano e bens públicos globais, materializados em 8 prioridades sectoriais:

– Capacitação institucional; segurança e desenvolvimento; educação e ciência; saúde; ambiente, crescimento verde e energia; desenvolvimento rural e o mar; protecção social e inclusão social; sector privado.

Para além destas áreas tradicionais de actuação a cooperação portuguesa constituiu dois clusters de actuação estratégica, o “Cluster de Segurança e Defesa”, e o “Cluster Energia e Ambiente”.

No sentido de reforçar a qualidade da sua acção a cooperação portuguesa actua baseada num conjunto de princípios, dos quais se destacam:

Alinhamento com os objectivos da agenda internacional da cooperação para o desenvolvimento; Promoção da Coerência de Políticas e da Eficácia do Desenvolvimento; Aposta em áreas de intervenção em que a cooperação portuguesa acrescenta mais-valias, como a capacitação institucional e a formação de quadros superiores e intermédios; Concentração da ajuda em áreas prioritárias, através de Programas, Projectos e Acções (PPA) de maior dimensão e visibilidade, alinhados com os eixos centrais da política externa e as novas orientações internacionais, nomeadamente os ODS e conforme as regras e boas práticas internacionais, nomeadamente as do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE;

Bem como desvinculação de abordagens assistencialistas, devendo os projectos visar a capacitação institucional e humana e facilitar a mobilização de investimento e comércio; Trabalho articulado com os países parceiros, criando um novo ciclo no relacionamento e apostando na apropriação, tirando partido da rede diplomática portuguesa; Transição para uma lógica de co-financiamento nacional, europeu e internacional, público e privado, através do recurso a novas e diversas fontes de financiamento e a parcerias (cooperação delegada, criação de consórcios com entidades nacionais e/ou externas – públicas e privadas, blending, cooperação triangular);

E, envolvimento dos agentes económicos, do mundo académico e da sociedade civil; Participação activa nos mecanismos de coordenação e de divisão de trabalho existentes nos países parceiros; Reforço da avaliação sistemática das intervenções, tendo presente os resultados previstos e a definição de estratégias de saída.

A cooperação multilateral portuguesa visa projectar as prioridades e os objectivos da cooperação bilateral e contribuir para o estabelecimento de parcerias e de sinergias com as acções nesse âmbito desenvolvidas, com destaque para as Nações Unidas, União Europeia, OCDE, CPLP e Conferência Ibero-americana.

“Potencial Económico da Língua Portuguesa”

No dia 5 de Dezembro de 2012, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa apresentou ao público o livro “Potencial Económico da Língua Portuguesa”.

Trata-se de um trabalho de investigação conduzido por uma equipa de investigadores do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE – IUL) sobre o valor económico da língua portuguesa, a pedido do Camões, IP, que em 2008, organizou a distribuição e recolha do inquérito por questionário aos seus estudantes em todo o mundo.

O “Potencial Económico da Língua Portuguesa” compreende o estudo que pela primeira vez estimou em 17% o peso da língua no Produto Interno Bruto, a partir de um método criado por Martin Municio (e aplicado a Espanha, onde o espanhol representa 15% do PIB).

O livro compreende duas partes. Na primeira são apresentados estudos ligados às relações entre variáveis económicas/sociais e língua, efectuados pela equipa liderada por Luís Reto, reitor do ISCTE-IUL, e constituída pelos investigadores José Paulo Esperança, Mohamed Azzim Gulamhussen, Fernando Luís Machado e António Firmino da Costa. Na segunda parte, dá conta dos resultados de um inquérito sobre «usos e percepção dos utilizadores da língua», realizado junto de cerca de 2.500 aprendentes de português nas universidades e escolas do mundo em que existem centros de língua e leitorados apoiados pelo Instituto Camões (actual Camões – Instituto da Cooperação e da Língua) em 2008.

Para 2010, o livro indicava a existência de 254,54 milhões de «falantes nativos» de português, correspondente às populações dos 8 países de língua oficial portuguesa, o que comparava com os ‘cerca’ de 400 milhões (os dados mais precisos divergem) de falantes de cada um dos universos de espanhol e inglês. Valor para o português que não compreende pequenos núcleos de falantes nativos noutros territórios (Goa, Macau) nem os emigrantes fora do espaço lusófono. Os autores reconhecem que «nem todos os naturais» dos 8 países, nomeadamente os africanos e os timorenses, têm o português como língua materna. Este universo de falantes e países corresponde a 3,66% da população mundial e a 3,85% do PIB mundial, respectivamente.

Os estudos colocam a língua portuguesa entre a dezena de idiomas «supercentrais», que rodeiam o inglês «hipercentral» e vaticina-lhe «um lugar de relevo no contexto mundial deste novo século», ao falar do «efeito de rede». Este efeito, estudado para outras áreas, como as telecomunicações ou as redes sociais, postula que «o valor económico da língua resulta sobretudo das economias de rede que lhes estão associadas». «Quanto maior o número e a riqueza dois utilizadores de um idioma, maior o seu valor para o utilizador».

Na avaliação do peso económico da língua, a obra dá atenção ao valor das indústrias culturais e criativas (dependentes fortemente do factor língua), apresentadas hoje em dia como um importante instrumento de criação de riqueza e emprego. Reportando-se a um estudo de 2008 da empresa Augusto Mateus e Associados, indica que aquele sector representava em 2006 2,8% de toda a riqueza criada em Portugal.

Inovador nos estudos publicados relativamente a Portugal e ao português é a avaliação feita no livro do efeito da língua no comércio externo e no investimento directo estrangeiro (IDE). Se no caso do comércio externo, «a proximidade linguística tem um impacto quase nulo nas importações» de Portugal, já «o peso de Angola» nas exportações portuguesas «faz com que os países de língua oficial portuguesa absorvam cerca de 8% das exportações nacionais». No comércio externo, o estudo detecta que os factores relevantes são «a proximidade geográfica e a integração económica».

O mesmo não acontece no IDE português, em que «a proximidade linguística é muito importante». Os autores, que teorizam sobre as barreiras que as diferenças de língua e cultura constituem ao IDE, escrevem que «Brasil e Angola têm um peso muito significativo, na medida em que representam 17% das saídas de investimento directo com origem em Portugal». «Também à entrada se verifica um peso superior ao natural do investimento directo, oriundo principalmente do Brasil e Angola, representando 5,7% do total em 2010».

Influenciados também por factores linguísticos estão os fluxos migratórios e o turismo. Aliás, «o fluxo com maior sensibilidade à proximidade linguística é o das migrações», afirma o livro, em que se pode ler que, segundo dados de 2009, «mais de 50% dos imigrantes que residem em Portugal são oriundos dos países de língua portuguesa». No sentido contrário, «apesar da preferência por locais de destino mais ricos, cerca de 16% dos emigrantes portugueses optaram por países de língua oficial portuguesa, com destaque para Angola e Moçambique».

Quanto às remessas dos emigrantes portugueses, os dados sugerem, no dizer dos investigadores, que a maioria dos que estão estabelecidos no Brasil encontram-se aí de uma «forma mais duradoura, enquanto os de Angola enviam remessas de montante próximo das que são enviadas pelos emigrantes em países europeus».

Quanto ao impacto da língua no turismo, ele é «muito moderado», refere o livro, que acrescenta permitir uma «análise mais fina» verificar que «uma percentagem dos turistas brasileiros na Europa faz pelo menos uma paragem em Portugal», aspecto também registado com nacionais de outros países de língua oficial portuguesa, permitindo prever «uma forte expansão do número de visitantes oriundos desses países, à medida que a classe média se consolide e o nível de turismo se intensifique». Brasil e Cabo Verde são por seu lado «locais de destino muito procurados» por portugueses.

Na síntese final do estudo, afirma-se que «a língua portuguesa é hoje uma das mais influentes do mundo, com tendência para o crescimento dos seus falantes, dos utilizadores como segunda língua e da sua afirmação como língua de cultura e ciência», sendo este último um dos aspectos também abordados no estudo.

A implantação do português como «língua de comunicação internacional» é atribuída ao «crescimento económico muito acentuado na última década, com destaque para Angola e o Brasil», às «boas práticas de governo em praticamente todo o universo dos países de expressão portuguesa» e ao «reconhecimento internacional de personalidades e instituições do espaço lusófono» em paralelo com a afirmação de empresas multinacionais e universidades com sede nalguns destes países.

O «elevado grau de intercompreensão entre os falantes de português, apesar de algumas diferenças lexicais e gramaticais», também é enfatizado no livro, que diz ser isso uma «mais-valia». «A coesão de uma língua reforça a sua vantagem comparativa no quadro da globalização», afirmam os autores citando o académico espanhol José Luís Garcia Delgado.

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