O Governo do MPLA que, violando o Direito Internacional, ocupou em 1975 o protectorado português de Cabinda, considera estável a situação na sua colónia de Cabinda e nega a existência de qualquer conflito armado no território, numa reacção ao anúncio de um cessar-fogo pelos independentistas da FLEC-FAC.
Numa nota de protesto, o Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social desmentiu o suposto cessar-fogo anunciado pela Frente de Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC), referindo que “a situação sócio-política e militar” no território “é estável”.
O executivo do general de três estrelas João Lourenço negou ainda a existência de qualquer conflito armado no território ocupado e repudiou “as supostas negociações entre o partido político UNITA e o citado grupo terrorista conforme propala certa imprensa”.
A UNITA, maior partido na oposição que, a muito custo, o MPLA ainda permite que exista, anunciou em Março que vai submeter ao parlamento (órgão dominado pelo MPLA e no qual a UNITA é apenas uma organização decorativa) um projecto de resolução para “exigir o fim imediato e incondicional das hostilidades militares” em Cabinda e “início imediato das negociações de paz”.
O grupo parlamentar da UNITA sustenta que a sociedade civil de Cabinda, os movimentos reivindicativos e a população querem e defendem o diálogo inclusivo para a resolução do problema político-militar e histórico de Cabinda.
A FLEC-FAC reivindica há mais de 50 anos a independência do território de Cabinda, de onde provém grande parte do petróleo do país, evocando o Tratado de Simulambuco, de 1885, que designa aquela parcela territorial como protectorado português.
O Estado-Maior das Forças Armadas Cabindesas (FAC) anunciou na segunda-feira que foi decretado um cessar-fogo unilateral, com efeito imediato, por um período de dois meses, em todo o território de Cabinda.
No comunicado refere-se que a decisão, em concordância com a direcção política da FLEC-FAC, surge após consultas internas com a direcção política da FLEC e “insere-se num desejo claro de criar um clima propício para um diálogo sério com as autoridades angolanas para pôr fim ao conflito de Cabinda”.
“A decisão da FLEC-FAC surge também na sequência da divulgação da iniciativa do partido angolano UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola, maior partido da oposição angolana] e da proposta que disse que irá apresentar ao parlamento angolano”, refere-se no comunicado.
Recorde-se que o fundador e primeiro presidente da UNITA, morto em combate pelo MPLA em Fevereiro de 2002, Jonas Savimbi, reconheceu em várias intervenções públicas que Cabinda nunca fez parte integrante de Angola, nem antes, nem durante, nem depois da retirada do colonizador português.
Em oposição a esta corajosa declaração de Jonas Savimbi, surge o único suporte ao qual se agarra com unhas e dentes o regime do MPLA para justificar a sua apetência expansionista sobre Cabinda: o Acordo de Alvor.
Acordo de Alvor que permitiu a (in)dependência de Angola e a anexação por esta de Cabinda, representou, segundo disse o próprio Almeida Santos, um dos signatários, apenas “um pedaço de papel” que “não valeu nada”.
Almeida Santos, tal como a restante equipa portuguesa, sabia à partida que o Acordo de Alvor só valeria se o MPLA não ficasse no Poder. Como ficou…
O dirigente socialista, que a 15 de Janeiro de 1975 era ministro da Coordenação Interterritorial e integrava a delegação portuguesa que assinou com os líderes dos três movimentos de libertação de Angola (MPLA, FNLA e UNITA) o Acordo de Alvor, no Algarve, referiu que, assim que viu o documento, soube que “aquilo não resultaria”.
“Aquilo não resultaria”, como não resultou, porque Portugal viciou as regras do jogo no sentido de dar o Poder a uma das partes, o MPLA, sem esquecer que era necessário correr à força com os portugueses de Angola e depois, como defendia Vasco Gonçalves e Rosa Coutinho, entre outros, metê-los no Campo Pequeno já que – dizia Mário Soares – eram um fardo pesado.
De facto, se o valor do Povo português se medisse pelo nível dos políticos portugueses que assinaram o Acordo de Alvor, não há dúvidas de que Portugal há muito era uma província espanhola (a Ibéria tão desejada por José Saramago).
“Do Acordo de Alvor sou apenas um escriba, não sou mais do que isso”, dizia Almeida Santos (que foi não só Ministro da Coordenação Territorial em quatro governos provisórios, como ministro da Comunicação Social, da Justiça, de Estado, candidato a primeiro-ministro e presidente da Assembleia da República), mentindo mais uma vez ao dizer que Portugal não teve outra alternativa, a não ser assinar por baixo.
Se o Acordo de Alvor não serviu para nada, importa ter a mesma coerência no sentido de também o considerar inválido no que respeita à anexação de Cabinda por Angola.
Na véspera da proclamação das independências de Angola (em 11 de Novembro de 1975, uma em Luanda pelo MPLA e outra no Huambo pela UNITA e FNLA), tanto o primeiro-ministro como o presidente da República de Portugal reconheceram que não tinham capacidade para controlar a situação, devendo esta constatação também contribuir para a anulação do Acordo de Alvor.
É no primeiro dia de Agosto que os cidadãos do Protectorado Português de Cabinda comemoram a proclamação da independência do Estado Livre de Cabinda.
Foi nesse dia, em 1975, três meses antes da independência da República Popular de Angola (país que ocupa desde então Cabinda), que os cabindas começaram a sua difícil, mas não impossível, caminhada em prol dos seus direitos.
Desde então enfrentam dois grandes inimigos. Portugal que ao não honrar os seus até então solenes e nobres compromissos, se transformou num inimigo político, e Angola que é um inimigo militar que transformou Cabinda numa colónia (embora chamando-lhe província) onde, um pouco à semelhança do que faz no resto de Angola, vigora o princípio de que até prova em contrário todos são culpados.
Muitos se recordam mas poucos têm a liberdade de consciência para o dizer. É por isso que, um pouco por todo o lado – até mesmo em Portugal – os que se atrevem a defender – ou a questionar – a causa de Cabinda são também culpados… até prova em contrário.
Recorde-se que, a partir da revolução portuguesa de 1974, Cabinda entrou por direito próprio na agenda internacional, especialmente na da então OUA (Organização de Unidade Africana, hoje União Africana), onde a FLEC contava com o apoio de alguns países africanos (Uganda, Zaire, Gabão, etc.).
Perante o cenário juridicamente correcto, em face dos tratados assinados, de uma descolonização separada dos dois territórios (Angola e Cabinda), o presidente do MPLA, Agostinho Neto, desencadeou em 1974 uma actividade diplomática intensa para persuadir os líderes africanos a retirarem da agenda da cimeira da OUA o debate previsto sobre o problema de Cabinda.
Agostinho Neto apresentava, aliás, todas as garantias de que as autoridades comunistas portuguesas que dominavam o país iriam entregar exclusivamente ao MPLA os destinos de Angola, apresentando mesmo documentos nesse sentido subscritos pelos dirigentes do Movimento das Forças Armadas (MFA).
Com o apoio do Presidente congolês, Marien Ngouabi, Agostinho Neto conseguiu que fosse arquivado o dossier Cabinda (Cf. Memorandum – 4/07/75 – conversação entre Agostinho Neto e o Embaixador soviético no Congo, Afanasenko).
O mesmo se passou em relação ao Acordo de Alvor onde, com cumplicidade activa do “Almirante Vermelho”, Rosa Coutinho, Alto Comissário em Angola, bem como de outras figuras de destaque, caso de Almeida Santos, Agostinho Neto afastou a FLEC de qualquer discussão do caso de Cabinda, dando como adquirido que o protectorado português era parte de Angola.
Foi todo este cenário que levou o Presidente Luís de Gonzaga Ranque Franque a declarar a independência de Cabinda. Recorde-se que, apesar dos esforços conjuntos do MPLA, Portugal, União Soviética e Cuba, alguns países reconheceram Cabinda como um país independente. Foram os casos do Togo, Gabão, República Centro Africana, Uganda e a R. D. Congo (ex-Zaire).
E, como sempre disseram os cabindas, só é derrotado quem deixa de lutar. Não creio por isso que alguma vez os cabindas deixem de lutar. Desde logo porque só aceitam estar de joelhos perante Deus. Perante os homens, mesmo que armados até aos dentes, estarão sempre de pé.