IDE NA PAZ DO SENHOR… PRESIDENTE!

Depois de um longo e quase ininterrupto sono de 47 anos, os bispos católicos angolanos parecem estar a acordar. Hoje alertaram para o “aumento da criminalidade e da violência” no país, sobretudo nas cidades, bem como da mentalidade feiticista, pedindo mais esforços às forças de segurança para protecção das comunidades.

A preocupação dos bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) consta do comunicado final da I Assembleia Plenária Anual que encerrou em Luanda.

Além de registarem o “aumento da criminalidade e da violência” com “grande incidência” em instituições religiosas, apelam a um esforço redobrado das forças de segurança “para uma melhor protecção das comunidades”, os bispos apontam também para o crescimento, em Angola, da mentalidade feiticista.

Dizem também existir uma degradação geral do sistema de ensino, o que “exige, com urgência”, uma “melhor formação e valorização” do professor bem como a melhoria das condições de ensino e aprendizagem.

Segundo o porta-voz da CEAST, Belmiro Chissengueti, que apresentou o documento, em conferência de imprensa, da leitura dos relatórios das dioceses angolanas sobressaíram também a necessidade de se “disseminar” o ensino pré-escolar, nas capitais provinciais e municipais.

Os bispos lamentam o “acentuado desemprego, que está a provocar a fuga de muitos jovens para o exterior”, da pobreza e da consequente crise social e defendem ainda “urgência” de formação ecológica nas comunidades, de forma a se reduzir os danos ambientais provocados pelas queimadas e pelos plásticos.

Os prelados saudaram igualmente (como é sua obrigação há 47 anos) o executivo pela construção de estradas, sobretudo secundárias e terciárias, criticando, no entanto, a fraca durabilidade e ausência de fiscalização.

Em relação ao acordo-quadro entre o Estado angolano e o Vaticano, em 2019, os bispos exortaram as dioceses, paróquias e congregações religiosas a acelerarem o processo de aquisição de personalidade jurídico-civil junto da Conservatória dos Registos Centrais.

Sobre a vida da igreja angolana, admitiram haver necessidade urgente de se trabalhar afincadamente na busca da auto-sustentabilidade das paróquias e das dioceses por meio da formação do clero, dos religiosos e ecónomos em economia e gestão.

Defenderam ainda maior envolvimento das dioceses angolanas e das paróquias na mobilização dos jovens a participarem na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023, instando cada diocese a inscrever e patrocinar pelo menos um ou dois delegados ao evento de Agosto próximo.

O conclave, que decorreu entre 9 e 16 de Fevereiro, em Luanda, aprovou igualmente o programa da Semana Social a ter lugar em Luanda entre 19 e 21 de Julho próximo e a estrutura da mensagem pastoral para o terceiro ano do Triénio da Criança intitulada “A Integração da Criança na Igreja e na Sociedade” (2023-2024).

SILÊNCIO COBARDE PERANTE INJUSTIÇAS SOCIAIS

Abril de 2022. O bispo de Cabinda, Belmiro Chissengueti, criticou o silêncio “cobarde” de quem se cala perante situações sociais degradantes e negou que exista um ambiente de crispação entre a Igreja Católica e o executivo angolano, afirmando que o diálogo é “permanente”.

Belmiro Chissengueti, que falava à Lusa em Cabinda, após a visita do presidente angolano, general João Lourenço, à província, rejeitou a existência de reacções negativas por parte de membros do executivo às suas mensagens, frisando que os bispos defendem a pátria. Pátria que, segundo o regime, é sinónimo de MPLA. E quando isso acontece, e acontece há 47 anos, diálogo é um eufemismo usado em proveito exclusivo sempre dos mesmos.

“Esse dito ambiente de crispação entre a Igreja e o Estado (angolano) nós não o sentimos, esse é um ambiente criado na mente de internautas, de pessoas que julgam que criticar determinada posição do Governo é estar contra o Governo”, sublinhou, fazendo a distinção entre o mundo das redes sociais, onde há um extremar de posições, e o que se passa na realidade.

“Nós (os bispos católicos), queremos o maior bem da Pátria, o maior bem do país. Não queremos ser aqueles que cobardemente fazem silêncio diante de uma situação social galopantemente decadente”, afirmou o eclesiástico, acrescentando que é missão da Igreja chamar a atenção para aquilo que deve ser feito e prevenir males que podem ser erradicados.

“Nunca houve nenhuma crispação, nunca me foi negado um encontro com o governador, antes pelo contrário. Temos um diálogo permanente, a nível central também”, garantiu Belmiro Chissengueti.

No entanto, “o facto de não haver crispação, não quer dizer que concordemos com tudo o que é feito, chamamos a atenção daquilo que não está bem”, notou o bispo, aludindo também ao lema da presente governação, que é corrigir o que está mal e melhorar o que está bem.

Entre as correcções a fazer, apontou exemplos como a corrupção, a sobrefacturação, as obras mal feitas, os baixos salários. E, já agora, os 20 milhões de pobres.

Questionado sobre se já foi pressionado ou alvo de críticas respondeu, entre risos, que deve ser “o mais criticado”.

“Isso não me aquece nem me arrefece, estou habituado a viver neste ambiente de polémicas. O certo é que digo o que penso, não sou nenhum bajulador que vive no mundo da imaginação, eu vivo do realismo”, vincou.

Sobre se em Angola ainda é dominante o culto do chefe, o bispo de Cabinda admitiu que a existência de bajuladores não é benéfica para o desenvolvimento do país.

“Há bajuladores, temos até alguns com título académico superior ao phD (doutorados) que, na ânsia de conseguirem cargos políticos, benefícios económicos e vantagens ainda usam as pessoas a ponto de não terem capacidade ou coragem de reconhecerem as suas falhas e ajudarem a melhorar”, destacou.

“Estes bajuladores que fazem o culto do chefe têm uma capacidade de transumância incrível. Há pouco tempo eram por José Eduardo dos Santos, agora por João Lourenço e não lhes custa nada mudar para um outro. É importante que quem dirige não se deixe levar pelo culto de personalidade, saiba sobretudo ouvir aquele que pensam diferente e que muitas vezes trazem muito mais verdade do que os bajuladores”, aconselhou.

Realçou ainda que enquanto o bajulador “só está à procura de uma oportunidade para a sua vida”, os bispos querem “oportunidades para todos”.

Por isso, considerou que o Presidente angolano “faz bem em encontrar-se com figuras dissonantes”, mais habilitadas para transmitir a realidade do país.

Apelou, por outro lado, à valorização da mão-de-obra, independentemente da sua origem, da sua cor ou condição social “porque é esta diversidade que produz riqueza”.

Para Belmiro Chissengueti, regionalismo, nepotismo, tribalismo, “são doenças que não permitem o desenvolvimento. É preciso lucidez para não sermos a causa da nossa própria desgraça. O grande mal é vivermos por cima de jóias e passar fome”.

Belmiro Chissengueti tem-se tornado conhecido por partilhar sem rodeios as suas opiniões nas redes sociais, mas também pelas homilias consagradas aos temas sociais.

Na altura foi recebido em Cabinda pelo presidente angolano, João Lourenço, encontro onde expressou diversas preocupações sobre aquela província do norte de Angola e do qual fez um balanço positivo.

Por uma questão de memória e respeito pelos angolanos, recorde-se que o Presidente João Lourenço pediu desculpas em nome do Estado pelas execuções sumárias (massacres) levadas a cabo pelo MPLA de Agostinho Neto em 27 de Maio de 1977, salientando que se tratava de “um sincero arrependimento”. Tão sincero que o mentor dos massacres, Agostinho Neto, continua a ser – segundo o MPLA – o único herói nacional.

“Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias”, disse o chefe do executivo.

“O pedido público de desculpas e de perdão não se resume a simples palavras e reflecte um sincero arrependimento e vontade de pôr fim à angústia que estas famílias carregam por falta de informação quanto aos seus entes queridos”, acrescentou. Assim, segundo o próprio presidente João Lourenço, nada desta encenação se destina, ou faz antever, que seja feita justiça. Aliás, de acordo com o ADN do MPLA, fazer justiça seria com certeza reeditar o que Agostinho Neto mandou fazer em 27 de Maio de 1977.

João Lourenço admitiu que, devido ao tempo decorrido, poderá não ser possível localizar todas as vítimas, mas garantiu que serão feitos todos os esforços para que as famílias possam realizar um funeral condigno e pediu a compreensão de todos para os casos em que não for possível atingir este objectivo.

Sobre o assunto, Belmiro Chissengueti reiterou em devido tempo que a iniciativa do chefe de Estado “é um passo inicial de reconciliação com a história, com o passado”, mas, assinalou que “é fundamental que no presente se faça todo o esforço para que a barbárie de 77 e de outros conflitos não se voltem a repetir”.

“Se fazemos e temos coragem de nos reconciliarmos com os mortos, por maioria de razão, temos também de fazê-lo com os vivos, ou seja, fazer com que no concerto político ordinário se busque a salvaguarda do bem comum, se promovam os valores da caridade, da solidariedade, da partilha, do amor e da concórdia”, defendeu.

O bispo Belmiro Chissengueti considerou também ser necessário que se “evitem actualmente situações de intolerância política, de humilhação de adversários políticos e todas aquelas situações passíveis de provocarem novos conflitos”.

“Pois é com os vivos que temos de fazer o frente-a-frente para a reconciliação”, afirmou Belmiro Chissengueti.

Para o general João Lourenço, a postura de um Estado “deve ser ponderada e comedida pelas responsabilidades que tem na defesa da Constituição, da lei e da vida humana”.

Folha 8 com Lusa

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