COBARDE FALTA DE MEMÓRIA DA UNITA

A UNITA defende um “diálogo permanente com vista o alcance das melhores soluções para os desafios comuns” do país, no dia que se assinala o 31º aniversário dos Acordos de Bicesse. Mais uma vez, a UNITA deixa o acordo interno que, dias antes, fez cessar as armas (Acordo do Alto Kauango) no saco do seu servil e sabujo esquecimento…

Por Orlando Castro (*)

Num comunicado divulgado no dia em que se assinalam os 32 anos da assinatura dos acordos de Bicesse, “o secretariado executivo do comité permanente da Comissão Política da UNITA apela a todos os grupos de interesses nacionais ao diálogo permanente com vista ao alcance das melhores soluções para os nossos desafios comum”.

“Estes acordos visavam pôr fim ao conflito político-militar resultante da violação do Acordo do Alvor, em 1975 pelo MPLA [no poder desde a independência] que, unilateralmente e com a cumplicidade de Cuba e URSS, proclamou a independência em Luanda, no dia 11 de Novembro”, afirma-se no documento.

O maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola acrescenta que, “no fundo, os Acordos de Bicesse visavam também a reposição do espírito do Alvor que preconizava a realização de eleições em Outubro de 1975, isto é, o lançamento do sistema democrático dentro do qual Angola nasceria como estado independente a 11 de Novembro de 1975”.

A data de hoje “tem, deste modo, um significado histórico singular porquanto os Acordos de Bicesse representaram o início da viragem do sistema monopartidário para o sistema multipartidário como premissa fundamental para a construção do Estado democrático de Direito e economia de mercado”, acrescenta-se no texto.

“O secretariado executivo do comité permanente da comissão política da UNITA em nome dos membros, simpatizantes e amigos do partido, rende a sua mais singela homenagem a todos os heróis, conhecidos e anónimos, que deram as suas vidas pela democracia e pela paz. Desta feita constitui dever Sagrado, das actuais e futuras gerações, a sua consolidação e aprofundamento”, conclui-se no documento.

Os Acordos de Paz para Angola – Acordos de Bicesse, com os quais se pretendia pôr fim à guerra civil, foram assinados em 1991 no Estoril, entre o então presidente angolano, José Eduardo dos Santos, e o presidente da UNITA, Jonas Savimbi, e mediados pelo governo português, representado por Durão Barroso (um conhecido simpatizante do MPLA), na altura secretário de Estado dos Assuntos Externos e Cooperação.

MEMÓRIA CURTA E TAMBÉM SELECTIVA

A UNITA, submissa ao regime do MPLA desde que Jonas Savimbi foi assassinado, continua a ter memória curta e, por isso, esquece aquele que foi o primeiro Acordo de Paz, assinado entre as suas tropas e as do Governo, a 19 de Maio de 1991, e pelo jornalista William Tonet que mediou as negociações.

O Acordo do Alto Kauango foi um acordo importante entre angolanos. William Tonet, que estava – como Jornalista – a cobrir a guerra dos 57 dias de cerco ao Luena, entendia que não fazia sentido aquele conflito na medida em que os políticos já se encontravam a negociar em Portugal visando um acordo de entendimento. O prosseguimento da guerra poderia inviabilizar o entendimento entre os políticos e mesmo adiar a assinatura dos Acordos de Bicesse, no dia 31 de Maio de 1991, caso as FALA (tropas militares da UNITA) e as FAPLA (tropas militares do MPLA/Governo) continuassem a procurar vantagens no teatro das operações.

William Tonet estava preparado para enviar um trabalho para a Voz da América em Washington quando, de repente, houve uma interferência na comunicação. A voz do outro lado desafiou-o a não reportar só o lado governamental, pois a realidade – disse – era outra. O jornalista justificou que não poderia fazê-lo ao mesmo tempo, por estar com as tropas governamentais, mas desafiou o seu interlocutor (que era o general Mackenzie) a permitir que ele fosse ao lado controlado pelas FALA.

Fez-se silêncio na linha. O general Mackenzie tinha de contactar o seu superior hierárquico, para a devida anuência ou não. Assim que o fez, retornou à linha, dando conta que a proposta de William Tonet fora aceite. A questão foi colocada ao então coronel Higino Carneiro que não ficou logo convencido por temer ser uma armadilha. Depois de alguma insistência por parte do jornalista, foi permitido que William Tonet atravessasse a linha de fogo para ir ao encontro do comando geral das FALA.

Este processo, na sua fase inicial, foi testemunhado pelas jornalistas Luísa Ribeiro, da Lusa, e Rosa Inguane, da Agência de Informação de Moçambique (AIMO). Do lado das FALA, William Tonet encontrou um amigo, o general Ben Ben. Numa conversa aberta, o jornalista afirmou que o ideal seria um cessar-fogo, uma vez se estava já a negociar em Bicesse. Ben Ben mostrou-se sensível à iniciativa e prometeu contactar Jonas Savimbi, que na altura estava no exterior de Angola.

Jonas Savimbi mostrou-se muito desconfiado mas deu a sua primeira anuência e William Tonet regressou à frente do MPLA para “negociar” com Higino Carneiro e também com o general Sanjar que comandava aquela frente e que também tiveram de auscultar o Presidente José Eduardo dos Santos.

William Tonet estava entre dois fogos. Mas as duas partes sabiam que ele era tanto amigo de Ben Ben como de Higino Carneiro e Sanjar. Depois de quatro dias a ir e vir de um lado para o outro e de negociar com as respectivas lideranças conseguiu chegar a um acordo que satisfez as duas partes (MPLA/UNITA) e conseguiu parar com a guerra fratricida.

Com o fim das hostilidades militares, no teatro das operações, onde inicialmente, os contendores gladiavam para obtenção de controlo territorial, instalou-se o calar das armas, com o cessar-fogo e a criação das primeiras comissões militares conjuntas, permitindo desta forma dar-se um impulso às negociações em Bicesse.

Apesar das autoridades angolanas (por manifesto complexo de inferioridade e servilismo junto da comunidade internacional) desvalorizarem estes Acordos, que foram os primeiros mediados por um autóctone angolano (o grande “crime” de William Tonet), com eficácia prática no terreno, reza a História que nunca antes do Acordo do Alto Kauango os militares da UNITA e do MPLA se tinham sentado à mesma mesa para assinar tréguas. Alto Kauango foi a mãe de Bicesse, que o complexo político de alguns pretende perversamente apagar da História, talvez por o negociador ser preto e pensar pela sua própria cabeça.

O Governo do MPLA, por pressão da mediação portuguesa liderada por Durão Barroso e que temia perder protagonismo, aceitou minimizar o Acordo do Alto Kauango. Se William Tonet fosse estrangeiro, traficante de armas, chinês corrupto ou um bajulador invertebrado, este acontecimento nunca seria esquecido e até teria passaporte diplomático. Mas, mesmo assim, William Tonet diz que valeu a pena porque, modestamente, ajudou a evitar a morte de muitos inocentes. Muitas pessoas conseguiram viver e outros sobreviver às balas e aos canhões.

Isso foi bom! Foi histórico. Foi a partir do Alto Kauango que se estabeleceram os telefones vermelhos, as patrulhas mistas, reuniões conjuntas e outras questões militares sensíveis.

Nem todos estão hoje vivos, mas a História da verdade inclui nesta iniciativa de William Tonet nomes como: Arlindo Chenda Pena “Ben Ben”, Higino Carneiro, Demóstenes Amós Tchilingutila, Nogueira Canjundo, Januário Consagrado, Adriano Wayaka Mackenzie, Agostinho Fernandes Nelumba, José Alexandre G. Lukama, Bento Sozinho “Venceremos” e Manuel Henrique Gomes.

Factos são factos. Vejamos depoimentos sobre o Acordo do Ato Kauango, desta vez através dos depoimentos na primeira pessoa do General Marques Correia “Banza” e do General Sachipengo Nunda, do General Mackenzie de forma indirecta através de um texto exclusivo para o F8 do repórter de guerra Mabiala Ndalui, e pelo texto do jornalista José Gama.

Na batalha dos 45 dias no Luena, o então Tenente-Coronel Marques Correia “Banza”, era o Chefe do Estado-Maior da 3ª Região Militar que a dada altura teve que assumir a Direcção das tropas. Quando interrogado sobre se achava que William Tonet teve um papel importante para o Acordo, o General “Banza” não poderia ter sido mais assertivo: “Teve um papel decisivo para a Paz”. E acrescentou: “O seu papel foi determinante para a paz, pois este entendimento entre as Chefias militares obrigou os políticos, em Bicesse, a assinar o acordo”.

“Sem a deslocação de William Tonet, que forçou as partes para parar com as ofensivas militares, consequentemente os seus resultados deram lugar ao encontro do Alto Kauango e assinatura do Protocolo de Bicesse naquela data”, afirmou o General Banza.

A História escreve-se com a verdade que, mesmo quando bombardeada insistentemente pela mentira, acabará por se sobrepor a todo o género de maquinações e acções de propaganda pessoal ou colectiva. É, por isso, legítimo que se faça pedagogia e formação quando, por razões mesquinhas, alguns tentam apagar o que de bom alguns, muitos, angolanos fizerem pela sua, pela nossa, terra.

O General Sachipengo Nunda, na altura dos Acordos do Alto Kauango era chefe operacional na Região Centro das FALA e acompanhou todo processo, na distância geográfica e proximidade das comunicações militares.

À pergunta “quando acha que as duas partes se encontraram no Luena?”, o General Nunda foi claro na resposta: “Eu não acho. De acordo com os Generais Mackenzie que era o Chefe de todo o Sistema de Telecomunicações (das Forcas da UNITA no terreno VHF e HF), da Interceptação das Comunicações das FAPLA (GITOP) e do General Kamorteiro, Comandante das Companhias Móveis de Armas Anti-Tanque, nessa altura, foi no dia 19/05/1991, que o General Higino, com o seu elenco se encontraram com o General Ben Ben e o seu elenco, em que estava também o General Chilingutila”.

De forma directa, o General Mackenzie considera que “sem a comunicação do Jornalista William Tonet para a VOA não haveria interferência do Brigadeiro Mackenzie e sem essa interferência não haveria contactos entre Ben Ben e Higino Carneiro. Sem a mediação do William Tonet, não haveria o encontro entre as partes e sem a aceitação das partes, superiormente autorizadas por José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi, nada teria sido feito. Ficava-se apenas pela interferência na comunicação do William Tonet. Aliás, se fosse um outro jornalista nacional ou estrangeiro provavelmente o Brigadeiro Mackenzie não iria interferir.”

Segundo o General Sahcipengo Nunda, ex-Chefe do Estado-Maior General das FAA e actual Embaixador no Reino Unido, 19 de Maio de 1991 “é uma daquelas datas felizes da nossa história, pois depois da rubrica de uma preliminar versão dos Acordos de Bicesse, dia 15 de Maio, por Lopo de Nascimento, pelo Governo, e por Jeremias Chitunda, pela UNITA, havia ainda desconfiança entre as forças que estavam no terreno e essa iniciativa do encontro de Higino Carneiro e Ben Ben, no Alto Kauango – no Teatro Operacional do Luena – foi um sinal muito forte para dar confiança aos Angolanos, no sentido de que desta vez não era mais como Gbadolite”.

(*) Com Lusa

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