Lula da Silva ignorou a presença do general João Lourenço, desmarcando a reunião que estava agendada para segunda-feira no Palácio do Itamaraty. É mesmo preciso ter azar. Apesar dos muitos bruxos e videntes que tem no seu harém, nada bate certo para o general João Lourenço. Desde logo, o chefe adjunto da sua Unidade de Segurança Presidencial, brigadeiro Santos Manuel Nobre “Barba Branca”, levou no focinho, em Brasília, quando agrediu angolanos que se manifestavam à porta do hotel onde estava a comitiva presidencial…
Apesar de tudo isso, o governo do MPLA vem agora dizer que Angola e o Brasil pretendem impulsionar o desenvolvimento das relações diplomáticas e de cooperação com a realização da Reunião da Comissão Mista Bilateral até finais de Março ou princípio de Abril.
A decisão resultou, diz o governo, do encontro que o ministro das Relações Exteriores, Téte António, manteve com o seu homólogo brasileiro, Mauro Vieira, esta terça-feira, em Brasília.
Em declarações à imprensa, o diplomata brasileiro considerou Angola um país amigo, “grande sócio” e relevante no domínio das relações internacionais.
“Nós acabamos de ter uma reunião onde tratamos dos temas mais importantes e mais imediatos da nossa relação bilateral. E conversamos sobre a realização, em breve, em data que será proximamente fixada para finais de Março ou princípio de Abril, da nossa Comissão Mista que tem sido preparada ao longo dos últimos meses”, frisou.
Por seu turno, o ministro angolano das Relações Exteriores, Téte António, sem detalhar os domínios da cooperação bilateral a serem relançados, confirmou a realização da reunião em Brasília.
“Não vamos entrar em detalhes porque teremos a mesma comissão a ser realizada aqui no Brasil. E na altura daremos todos os detalhes sobre os domínios de cooperação que são sobejamente conhecidos, tendo em conta a história dos dois países que têm tido uma cooperação muito profícua e muito proveitosa para os dois povos”, disse.
O encontro entre os dois ministros das Relações Exteriores aconteceu no quadro da viagem do Chefe de Estado angolano, general João Lourenço, ao Brasil, onde participou na cerimónia de tomada de posse do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, no dia 1 de Janeiro.
Antes desta visita, o ministro disse que “o Brasil é a terceira economia do continente americano, depois dos Estados Unidos e do Canadá e a nona economia mundial. Portanto, temos muita coisa a fazer com o Brasil no que diz respeito aos nossos próprios interesses que têm a ver com a diversificação da economia, já que o Brasil tem instrumentos e conhecimentos científicos que pode partilhar com Angola nesse sentido”.
O ministro garantiu que em 2023 a diplomacia entre os dois países vai crescer ainda mais com a assinatura de um Memorando de Entendimento, que abrange, entre outros, sectores chave como agricultura e indústria, no âmbito do processo de diversificação da economia angolana, supostamente – presumimos – iniciado há 47 anos…
Téte António informou que o país tem vários domínios em que assenta a cooperação com o Brasil, mas defende a necessidade de se mudar de paradigma, através da criação de uma Comissão Bilateral para o efeito.
O ministro das Relações Exteriores revelou, por outro lado, que algumas entidades, presentes na tomada de posse, já se manifestaram em cooperar com Angola, sem, contudo, avançar detalhes até a concretização dos mesmos.
No passado dia 31 de Outubro, o Presidente angolano, expressou “calorosas felicitações” pela eleição de Lula da Silva, como Presidente do Brasil, considerando esta como sinal de “esperança e prosperidade” para os brasileiros, manifestando vontade de “resgatar” relações bilaterais.
Para o general João Lourenço, a escolha de Lula da Silva para a mais alta magistratura do Brasil traduz, “para o povo brasileiro, a esperança de que, sob vossa liderança, a nação brasileira trilhará os caminhos da prosperidade” assentes em valores que não pratica em Angola, como sejam a democracia, a justiça social, a inclusão e as regras de um Estado de Direito.
O Presidente angolano (derrotado pelo voto popular mas consagrado por decisão das sucursais do MPLA, como a CNE e o Tribunal Constitucional) recordou que Angola e Brasil acumulam um passado recente de ricas memórias de relações bilaterais que “precisam de ser resgatada”.
E, por isso, “acredito que os laços históricos de amizade e de fraternidade entre os nossos povos poderão nos impulsionar a trabalhar afincadamente no sentido de estreitamento das relações de cooperação bilateral existentes entre os nossos governos”, no interesse de Angola e do Brasil.
João Lourenço, na sua mensagem endereçou igualmente a Lula da Silva “melhores votos de bem-estar pessoal e de sucesso na sua honrosa missão para a qual foi indicado a desempenhar por escolha do povo brasileiro”.
Relações de (velhos) amigos
Recorde-se que no dia 9 de Fevereiro de 2018 o então chefe da diplomacia brasileira, Aloysio Nunes, anunciou que o seu país concedeu a Angola um financiamento de dois mil milhões de dólares (1,6 mil milhões de euros) para financiar trocas comerciais e promover o investimento entre os dois países.
Na altura, Aloysio Nunes disse ter reafirmado ao Presidente João Lourenço o empenho do Brasil em relançar as relações bilaterais: “Uma relação estratégica, uma relação antiga, uma relação que vem do tempo da independência. O Governo brasileiro foi o primeiro Governo a reconhecer a independência de Angola, no mesmo dia em que a independência foi proclamada”.
“O Governo brasileiro ofereceu já um financiamento de dois biliões de dólares, que poderá ser aplicado por bancos públicos como também por bancos particulares, para financiar trocas comerciais, investimentos”, disse Aloysio Nunes.
“Porque nós acreditamos que além dos aspectos tradicionais da cooperação na área da saúde, da educação, na defesa, que nós queremos incrementar, é muito importante que haja entendimentos entre os nossos empresários para promover desenvolvimento tanto no Brasil quanto em Angola, e esse instrumento que vamos assinar, logo mais, é muito importante para dar segurança a esse intercâmbio”, acrescentou.
Em Janeiro de 2018 o então ministro das Finanças angolano, Archer Mangueira, deslocou-se ao Brasil para negociar a reabertura dos desembolsos da linha de crédito para o financiamento de alguns projectos de investimento público inscritos no Orçamento Geral do Estado de 2018.
Refira-se que João Lourenço reuniu-se a 24 de Janeiro de 2018, na Suíça, com o seu então homólogo brasileiro, Michel Temer, à margem do Fórum Económico de Davos, tendo sublinhando aos jornalistas a importância das relações entre os dois países, anunciando a partida para Brasília do ministro das Finanças para negociar a retomada dos financiamentos do BNDES a Angola.
“A nossa prioridade é financiar obras públicas de grande envergadura, nomeadamente infra-estruturas nos sectores da construção, da energia e águas, sobretudo em barragens eléctricas”, justificou ainda o general João Lourenço, a propósito das negociações entre os dois Governos.
No dia 13 de Abril de 2017 ficou a saber-se que um ex-gestor da construtora brasileira Odebrecht afirmou em depoimento à Procuradoria brasileira que o grupo pagou uma comissão de 20 milhões de dólares a um ministro angolano, cujo nome não foi revelado.
Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho, apontado como antigo dirigente do departamento de comissões na gigante brasileira da construção, afirmou ainda em depoimento na Procuradoria-Geral da República (PGR) brasileira, no âmbito das investigações da operação Lava-Jato, que o dinheiro foi transferido para o Banco Espírito Santo no Dubai, e registado no planeamento de comissões da Odebrecht.
O juiz de investigação, Edson Fachin, remeteu o depoimento e pediu a manifestação do Ministério Público Federal brasileiro sobre o alegado pagamento de “luvas” no valor de 20 milhões de dólares (18,8 milhões de euros) a um ministro angolano.
“Considerando (…) a informação de que o pagamento da suposta propina teria sido efectuado por intermédio do Sector de Operações Estruturadas da Odebrecht preliminarmente, mantido o sigilo dos presentes autos, determino a remessa dos autos ao Ministério Público para que se manifeste sobre a aplicabilidade da lei penal brasileira aos factos narrados”, escreveu Edson Fachin.
Entretanto, um juiz federal de Nova Iorque condenou no dia 17 de Abril 2017 a Odebrecht a pagar uma multa de 2,6 mil milhões de dólares (2,4 mil milhões de euros), pelo escândalo dos subornos em países de África e da América do Sul.
A empresa brasileira deveria pagar 2,39 mil milhões de dólares no Brasil, 116 milhões na Suíça e mais 93 milhões nos EUA em resultado da sentença ditada pelo juiz Raymond Dearie, confirmou à agência EFE um porta-voz da procuradoria federal do distrito leste de Nova Iorque.
A sanção multimilionária, que foi conhecida num tribunal de Brooklyn, resultou de um acordo negociado pela construtora brasileira com o Departamento de Justiça, bem como com as autoridades de Brasil e Suíça.
Segundo o Departamento de Justiça, a Odebrecht pagou cerca de 788 milhões de dólares em subornos em 12 países de África e da América do Sul, incluindo o Brasil, onde anda a ser investigada há vários anos no quadro da corrupção na petrolífera estatal Petrobras.
O pagamento de subornos foi feito a propósito de “mais de 10 projectos em 12 países: Angola, Argentina, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela”, segundo os documentos do tribunal.