ANGOLA BATEU NO FUNDO

O economista Carlos Rosado de Carvalho critica a política económica “irresponsável”, orientada pelo Governo do MPLA (no Poder há 48 anos) “para ganhar as eleições de Agosto de 2022, considerando que Angola “passou do céu para o inferno”, após a reeleição de João Lourenço. Isto, é claro, apesar de o general Presidente dizer que o paraíso está próximo…

O economista angolano diz que “no domínio económico, passamos do céu para o inferno, porque nas eleições (de 2022) estava tudo bem, o país estava a crescer, íamos acelerar o crescimento, com o kwanza estável, a inflação controlada, as contas públicas equilibradas e nós demos conta que menos um ano depois das eleições que afinal não há nada disso”.

Em declarações à Lusa, no âmbito do primeiro ano de reeleição do Presidente enquanto cabeça-de-lista do partido vencedor, o MPLA, (em Angola não há eleições presidenciais), Carlos Rosado de Carvalho diz que passado esse período a actual inflação em Angola “não está controlada, o kwanza está completamente descontrolado, com uma crise cambial”

As contas públicas, “andam atrasadas, as contas externas pioraram e não conseguimos perceber muito bem como é que nós passamos do céu para o inferno em menos de um ano”, disse, acrescentando: “não somos nós que dizemos, é o próprio Governo, que foi obrigado a adoptar medidas de emergência económica, é porque alguma coisa está mal”.

Para Carlos Rosado de Carvalho, um ano depois, as autoridades angolanas deveriam esclarecer porque é que o país “saiu do céu para o inferno”, considerando que a política económica angolana, naquele período, “foi orientada para ganhar as eleições”.

“Nós tínhamos uma inflação elevada, mas o que fizemos foi valorizar artificialmente o kwanza, liberalizamos as importações, e é o próprio Estado a fazer importações”, notou.

Carlos Rosado de Carvalho considera que as referidas medidas, que classifica de artificiais, trouxeram “consequências tremendas de tal forma que antes das eleições, em 2020, o kwanza foi valorizado e até um dólar custava 400 kwanzas (0,4 euros)”.

“E, nessa altura eu falei e disse, mas isto foi feito com único objectivo de comprar votos, a política económica foi orientada no sentido de comprar votos e agora o que está a acontecer é que estamos a pagar essa política económica que não tem outro nome, que é irresponsável, que foi feita antes das eleições, é essa a grande questão”, criticou.

A moeda angolana regista actualmente uma acentuada depreciação, há escassez de divisas, alta de preço dos produtos da cesta básica no mercado e o Governo anunciou, Julho passado, um conjunto de medidas para atenuar o actual cenário macroeconómico.

Medidas para estimular a produção interna, como a redução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 14% para 7% foram anunciadas, esta já aprovada na generalidade pelo parlamento angolano.

Carlos Rosado de Carvalho entende que as referidas “medidas de emergência económica”, anunciadas pelo Governo, são sintomáticas de que o quadro actual “é mesmo preocupante” alertando, mesmo, para o “grande problema da despesa pública” no país.

“Estamos a produzir actualmente pouco mais de um milhão de barris de petróleo/dia, já produzimos 1,8 milhões de barris/dia, o petróleo é praticamente a única fonte de divisas que temos, agora não podemos ter a mesma vida”, defende.

“Portanto, temos menos receita e o Estado tem que emagrecer, adaptar-se a nova conjuntura, a tudo, menos mexer na despesa pública, enfim a ministra das Finanças tem falado muito sobre a qualidade da despesa pública nos últimos tempos, mas está a falar não está a fazer”, referiu Carlos Rosado de Carvalho.

Questionado sobre o actual cenário mundial e as respectivas implicações para a economia angolana, o também jornalista diz existirem sim incertezas, instabilidade, guerra na Ucrânia, “mas naquilo que nos diz respeito, que é o petróleo, os nossos problemas são outros”.

Carlos Rosado de Carvalho recordou que o Governo do MPLA “fez um Orçamento (Geral do Estado) 2023 com base em 75 dólares, o petróleo está acima de 80 dólares, nós não temos esses problemas, os problemas são outros”.

“Um dos problemas que temos é que estamos a recomeçar a pagar agora o serviço da dívida pública, que tinha sido suspenso”, realçou. O pagamento da dívida pública “não é nenhuma novidade, porque já sabíamos quando é que íamos retomar o pagamento da dívida, e o que o Governo fez foi gastar tudo ao invés de se preparar para a retoma do pagamento da dívida”.

Carlos Rosado de Carvalho desvalorizou igualmente a diplomacia económica, promovida por João Lourenço, considerando que esta “fracassou” por inexistir em Angola investimento directo estrangeiro

“O Presidente (da República) viaja para captar investimento directo, nós não temos investimento directo estrangeiro em Angola e desse ponto de vista a tal diplomacia económica também fracassou”, notou.

De acordo com Carlos Rosado de Carvalho, a diplomacia económica “não trouxe os resultados esperados até agora porque temos um mau ambiente de negócios”.

Apontou ainda a justiça, como “factor fundamental” para a criação de um bom ambiente de negócios: “Aliás, a pior classificação que tínhamos no `doing business` do Banco Mundial era justamente no cumprimento dos contratos”.

A demissão da juíza presidente do Tribunal de Contas, por alegados actos de corrupção, o inquérito em curso na Procuradoria-Geral da República (PGR), sobre alegadas acções fraudulentas do actual presidente do Tribunal Supremo (TS) angolano, recordou, “travam” o investimento externo.

“O Presidente do TS tem um inquérito na PGR e ainda nomeia uma pessoa como juiz do TS, que foi condenada por actos de corrupção, portanto um país que não tem justiça é um país que não pode ter ambiente de negócios e investimento directo estrangeiro”, rematou Carlos Rosado de Carvalho.

MANTER E REPETIR O QUE ESTÁ MAL

Por sua vez, o analista político angolano Albino Pakissi, considerou a falta de transparência governativa e as dificuldades sociais da população como os factos marcantes do primeiro ano do segundo mandato do Presidente João Lourenço, que “parece estar a agir como nos cinco anos passados”.

Para o também docente universitário, do ponto de vista social “as coisas deterioraram-se”, porque “a vida do angolano ficou mais difícil, consequência de uma governação não transparente”.

“Ou seja, hoje os produtos da cesta básica estão mais caros, o que faz com que a vida dos angolanos esteja cada vez mais precária. Muitas famílias estão a ter apenas uma refeição por dia, porque não estão a ser capazes de completar todos os produtos para que os seus filhos se possam alimentar”, frisou.

Numa análise sobre as questões económicas, Albino Pakissi frisou que os empresários se queixam de uma vida também “cada vez mais difícil”, estando alguns a ser obrigados a fechar as suas empresas e despedir pessoas.

De acordo com Albino Pakissi, o que se tem verificado é que “nem os empresários nacionais, nem os internacionais” querem investir neste “ambiente precário”, marcado também por uma “insegurança jurídica”, ou seja, um poder judicial que “se encontra um tanto ou quanto comprometido, como que manietado pelo poder político”.

Sobre o poder político, o analista entende que há “uma espécie de guerra aberta” que se vem assistindo nos últimos dias, com discursos, na sua perspectiva, “muito musculados, essencialmente em Luanda”, devido “a força da UNITA”.

Segundo Albino Pakissi, a UNITA, através do seu líder, Adalberto da Costa Júnior, “que não está parado”, tem desenvolvido um périplo, que está a fazer o partido no poder perceber que o seu maior opositor político “tem estado com muita força, a apontar erros muito graves na governação, o que tem deixado o MPLA um tanto ou quanto nervoso”.

“Esta é a análise que faço à política e temos percebido todos os dias que as posições se acirram cada vez mais, cada um afirma a sua, isso faz com que nós consigamos ver, por exemplo, comícios em Luanda, onde o primeiro secretário do MPLA, que é o Manuel Homem, usa palavras muito duras para caracterizar a UNITA”, frisou.

Um facto relevante neste primeiro ano de mandato de João Lourenço, prosseguiu Albino Pakissi, é “essa grande saída da UNITA, que é efectivamente para a destituição do Presidente da República”, baseada na Constituição, que no seu artigo 129 “diz que o Presidente da República pode efectivamente ser destituído”.

“E os motivos que a UNITA utiliza para a destituição do Presidente da República estão muito claros”, disse Albino Pakissi, elencando um deles, que é “o facto de terem morrido nesta governação do Presidente João Lourenço, nos seis anos, mais de 200 pessoas em manifestações”.

“Foram mortas as pessoas, mortas a tiro. A UNITA entende, e ainda bem, que isto constitui crime, e é crime, porque a polícia está a matar, a UNITA tem razão”, diz Albino Pakissi, acrescentando ainda que a segunda força política em Angola entende também “que não tem havido transparência na governação” do chefe de Estado angolano.

Albino Pakissi sublinha que o Bureau Político do MPLA, na sua resposta à iniciativa da UNITA, respondeu de forma “completamente musculada”, ao invés de usar, como o seu adversário político, a Constituição nos seus argumentos.

“A grande verdade é que o Bureau Político não manda nos deputados, porque os deputados são do povo e também a grande verdade – e o MPLA sabe disso – (…) é que a UNITA poderá conseguir os deputados para isto, porque há muitos deputados do MPLA que não estão com o Presidente João Lourenço, não gostam dele, por uma razão muito simples, porque maltratou o ex-Presidente [da República] José Eduardo dos Santos, e há muitos deputados na Assembleia Nacional que o querem ver cair”, referiu.

Uma destituição, sublinhou o analista, não significa a convocação de eleições, nem dissolução do parlamento, reiterando que a iniciativa “constitui um facto muito grande”, porque “imediatamente, o Presidente da República começou a receber muitas associações, os jovens, as zungueiras, para ouvir delas como é que tem que fazer”.

“O Presidente vai muito tarde, porque se ele soubesse de facto escutar, há muita coisa no país que estaria muito bem feita”, afirmou, apelando “alguma calma” para que “o acirrar de posições no discurso não vá para a prática”.

Folha 8 com Lusa

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