A (RE)ACÇÃO DE UM GOVERNO-PENUMBRA

A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, defendeu hoje transparência nas contas associadas à Covid-19 e recomendou ao Ministério da Saúde (Minsa) que publique um relatório “minucioso” sobre a gestão da pandemia.

A UNITA sugere também que sejam actualizadas as linhas de orientação e as medidas de acção recomendadas nesta fase de transição e se assegure a continuidade da vacinação.

“Que sejam incorporadas no sistema normal de atendimento a infra-estrutura e equipamentos adquiridos no âmbito da gestão da pandemia, bem como as capacidades laboratoriais adquiridas, na perspectiva de melhorar o atendimento clínico e potenciar a investigação científica em saúde”, sugere ainda a UNITA.

Num extenso comunicado, quase parecendo uma “prova de vida”, o governo-sombra da UNITA recapitulou as medidas tomadas pelo executivo desde que a Covid-19 foi notificada pela primeira vez em Angola, em 21 de Março de 2021, em contraponto com as da própria UNITA, considerando tardia a reacção, embora destaque também a mobilização de “inúmeros recursos materiais, financeiros e humanos”.

Assinala, por outro lado, que não foi divulgado até hoje o volume financeiro total injectado para as despesas relacionadas com a Covid-19.

“A Comissão Multissectorial de Prevenção e Combate a Pandemia da Covid-19 foi extinta sem sequer emitir um relatório final concernente a toda actividade que esteve sob seu domínio durante o período de pandemia”, lê-se na nota, realçando-se que a gestão da pandemia mereceu uma atenção sobrestimada em detrimento de outras endemias que matam mais como a malária.

Além disso, a gestão da vigilância epidemiológica, a identificação e o acompanhamento dos novos casos “não foi das melhores”, tendo em conta que foram realizados cerca de 1,5 milhões de testes RT-PCR, número considerado muito aquém do desejável e que esteve na base de medidas erradas como a das cercas sanitárias interprovinciais e no interior de comunidades.

Outra “medida absurda” foi a obrigatoriedade de testes no desembarque internacional, considerou o governo-sombra da UNITA.

Nos três anos de pandemia, Angola notificou 105.384 casos confirmados de Covid-19, entre os quais 1.934 óbitos, números muito inferiores em relação aos casos de malária, o que para a UNITA denota que os investimentos realizados para mitigar a Covid-19, foram desproporcionais em relação a outras doenças não menos importantes e que os investimentos realizados para mitigar a Covid-19 não foram sustentáveis no sentido de serem rentabilizados a longo prazo.

Quanto ao processo de vacinação, “uma nuvem densa tem impedido que o público conheça os moldes em que decorreu a gestão das vacinas contra a Covid-19 distribuídas em todo país”, apontou o governo-sombra.

No comunicado refere-se que o custo total foi estimado em 263 milhões de dólares (246 milhões de euros), dos quais apenas 2,6% sairiam do Orçamento Geral do Estado (OGE), sendo os restantes financiados por instituições internacionais.

Mas por falta de um relatório final da comissão multissectorial “não ficou claro qual foi o número total de doses de vacinas que o Minsa adquiriu quer por intermédio da Covax-Facility quer por outros mecanismos, e desconhece-se o balanço de gastos efectuados tendo em conta a projecção inicial feita”.

Ao lermos este comunicado, que mais parece uma tese de doutoramento do que uma análise de um ministro (mesmo que de um governo-sombra) à saúde em Angola, lembramo-nos de Anastácio Sicato, que foi ministro da Saúde de Angola entre 1997 e 1998 e entre 2007 e 2008, em ambas as ocasiões no Governo de Unidade e Reconciliação Nacional.

“A UNITA será poder em Angola no dia em que os angolanos o quiserem. Porque a UNITA é pertença do povo angolano”. Quem terá dito isto? Poderia ter sido Jonas Savimbi, mas foi Anastácio Sicato em entrevista ao Notícias Lusófonas, publicada em 26 de Junho de 2006.

Anastácio Sicato acrescentava: “No nosso país, o processo de democratização é irreversível. Ora, a alternância de poder é uma característica inerente aos sistemas democráticos”.

Tirando a esperança idílica de em Angola a “democratização ser irreversível”, o que é facto é que a alternância de poder faz-se, desde 1975, entre o MPLA e o… MPLA.

As afirmações de Anastácio Sicato continuam actuais, sobretudo porque a travessia do deserto continua. Será que a UNITA tem feito alguma coisa para ser, ou tentar ser, ser alternativa? Falamos de coisas concretas, de projectos viáveis, de iniciativas com cabeça, tronco e membros. Provavelmente por manifesta ignorância da nossa parte, só vemos a UNITA dar contributos para que o MPLA substitua seis por meia dúzia.

Anastácio Sicato dizia na referida entrevista, dada ao Jornalista Jorge Eurico, que “tarde ou cedo, o MPLA e o Presidente José Eduardo dos Santos acabarão por ceder o poder a outros”. Acertou em 50%. José Eduardo dos Santos cedeu o poder a outro, o MPLA não!

Em 2011 a pergunta era esta: Mas será que a UNITA está apostada em fazer com que se antecipe a alternância? Onze anos depois apostou forte e perdeu… embora ganhando. Comeu e calou. Ajoelhou e teve (e tem) de rezar.

Hoje, provavelmente a UNITA está à espera que o poder em Angola caia de maduro. Quando se vê que a UNITA desperdiça tantos e tantos valores que lhe são afectos e que estão espalhados – para além do país – por esse mundo fora, ficamos com a ideia de que a alternância, quando acontecer, se acontecer, se deverá mais ou sobretudo à incapacidade do MPLA do que à acção da UNITA.

Não basta, como disse Anastácio Sicato, afirmar “que a verdadeira soberania pertence ao povo e a mais ninguém”. É preciso que o povo saiba que tem esse poder e, mais importante, saiba quais são as alternativas. Nas eleições de 2022 (se é que assim se pode chamar) o povo viu qualidades alternativas na UNITA e deu-lhe os votos necessários para vencer. Venceu de facto, mas perdeu de jure. Comeu e calou. Ajoelhou e teve (e tem) de rezar.

Não chega dizer que “só a alternância consolida os regimes democráticos”. A alternância não se compra, conquista-se. E para a conquistar é preciso trabalhar muito. Muito mesmo, sobretudo longe da lagosta e perto da mandioca. Adalberto da Costa Júnior deixou a lagosta, comeu poeira e mandioca. Ganhou. Isto é, perdeu. Ajoelhou e teve (e tem) de rezar.

E, ao que parece, reza bem. Ou não fosse Presidente de um governo-penumbra…

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

Leave a Comment