TESTA-DE-FERRO DO MPLA

A UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, diz que vai provar em tribunal que a empresa seleccionada pelo Governo para apoiar o processo eleitoral, a espanhola Indra, “tem antecedentes criminais contra a República de Angola”.

O posicionamento da UNITA foi apresentado hoje pelo líder do seu grupo parlamentar, Liberty Chiaka, em conferência de imprensa, lembrando que a Indra foi condenada pelo fisco espanhol a pagar uma multa de três milhões de euros “por facturas que não conseguiu justificar das eleições [gerais angolanas] de 2012”.

“Iremos provar que tal empresa ou grupo de empresas não vai resolver um problema concreto e fornecer uma solução tecnológica por si concebida e desenvolvida”, referiu.

Segundo Liberty Chiaka, a solução já está pré-definida pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) “e a empresa contratada servirá apenas de testa-de-ferro, branquear actos pré ordenados e actuar como simples agente de compras de artigos que não produz, como caixas de plástico para servir de urnas, cabines de cartão, frascos de tinta, ‘tablets’ e maços de papéis na forma de boletins de voto e cadernos de actas eleitorais”.

Na quinta-feira, a Assembleia Nacional vai votar dois requerimentos submetidos pelo grupo parlamentar da UNITA, o primeiro para se constituir imediatamente uma comissão eventual para acompanhar passo a passo a boa organização das eleições, e o segundo para se realizar uma audição parlamentar ao presidente da CNE ou ao plenário da CNE por uma das comissões especializadas do parlamento.

“O objectivo do diálogo é recolher informações, tirar dúvidas, esbater suspeições e construir a confiança, tudo com o propósito de prevenir conflitos e garantir a transparência do processo”, disse.

O líder do grupo parlamentar manifestou disponibilidade do seu partido em oferecer sugestões à CNE (sucursal do MPLA) sobre como todos podem trabalhar juntos para “garantir a transparência e fortalecer a confiança dos cidadãos no processo eleitoral”.

Em declarações à Lusa na terça-feira, repetindo o que já tinha sido dito, na véspera, à agência espanhola de notícias Efe, o director internacional da Indra para os processos eleitorais, Eduardo Tejerina González, afirmou que não há denúncias nem documentação que sustentem as acusações da UNITA, sublinhando que a empresa segue as orientações da CNE (e segue mesmo) e o que está estipulado no caderno de encargos.

Liberty Chiaka apresentou hoje como uma das razões para impugnar este concurso a identidade da empresa seleccionada, salientando a contrariedade de informações, quando a CNE diz que quem concorreu foi a Indra e a mesma, na sua página na Internet, avança que concorreu uma associada sua, a Minsait.

“Quem está a falar a verdade, a CNE ou a Indra? Este detalhe sobre a identidade do concorrente tipo por vencedor é muito importante e tem impacto na transparência do concurso”, considerou.

“A proposta da Minsait foi eleita por unanimidade na Comissão Avaliadora da Comissão Nacional Eleitoral de Angola, integrada por representantes de todos os partidos políticos do país, ou seja, o mesmo partido que anuncia que vai impugnar a selecção da Minsait escolheu a proposta da Minsait”, disse uma fonte da Indra à Efe.

Segundo o deputado, depois de ter sido sancionada pelas autoridades ficais de Espanha, em 2018, a Indra procedeu a uma reestruturação dos seus negócios, tendo criado a partir de 2019 um novo grupo empresarial para a área de tecnologias de informação.

“A Indra largou o negócio das eleições e passou a concentrar-se nos grandes mercados para os negócios ligados à defesa aeroespacial e aos transportes. O negócio das tecnologias para as áreas de energia, serviços financeiros, ciber-segurança, transformação digital e administração pública, que inclui eleições, passou a ser responsabilidade do novo grupo, a Minsait”, disse.

De acordo com Liberty Chiaka, tendo em conta que a Minsait foi criada há cerca de três anos, essa condição não satisfaz o critério exigido pela CNE de experiência de fornecimento e prestação de serviços em países da Comunidade de Desenvolvimento de Países da África austral (SADC), por mais de dez anos.

Este critério que parece ter sido estabelecido para afastar outros concorrentes, prosseguiu o deputado, “afasta também a Minsait”.

“Outras razões iremos detalhar e comprovar em tribunal, para sustentar a impugnação, tem a ver com a idoneidade da empresa concorrente, a transparência do concurso, o objecto do concurso e com a observância pela CNE da legislação reguladora dos actos que praticou, incluindo legislação sobre a sua própria organização e funcionamento”, sublinhou.

Eduardo Tejerina González disse também que todo o processo “é muito fiscalizado pela CNE e observadores das eleições”, como aconteceu em 2017 (último ano de eleições em Angola) “e ninguém falou de irregularidades”, adiantando que a Indra tem repetido processos eleitorais em países que inclusivamente “mudam de cor política”.

Eduardo Tejerina González diz que, em 2017, “ninguém falou de irregularidades” porque, em matéria de informação angolana, só leu – conforme ordem dada pelo MPLA – os órgãos do MPLA e que mais não foram, e são, do que correias de transmissão da propaganda oficial.

“Se houvesse suspeita de fraude e muda a cor política do governo iam querer voltar a colaborar com a Indra se achassem que tínhamos feito algo de irregular?”, questionou.

O responsável da Indra, bem interpretando a tradução para espanhol da ordem superior do MPLA, sublinhou que a empresa está envolvida em processos eleitorais “muito transparentes, muito claros”, que não deixam dúvidas para ninguém, nem para o governo nem para a oposição. E tem razão. A transparência significa para a Indra, como para a CNE, como para o MPLA, fazer tudo o que cliente quer.

“O que acontece agora é que é um momento de ruído político normal, mas nós não estamos no plano político, estamos no plano técnico, estamos a fazer uma implementação técnica do processo eleitoral”, prosseguiu Eduardo Tejerina González.

Na segunda-feira, depois de a Indra dizer que os representantes da UNITA tinham participado na escolha da empresa, pois estavam também representados na comissão de avaliação, o partido contrapôs que desconhecia como funcionava esse órgão, afirmando que o facto de a empresa saber como foi escolhida é “grave” e revela “conluio” com o regime.

Hoje, Liberty Chiaka lembrou que a CNE é (deveria ser) um órgão independente, que organiza, executa, coordena e conduz os processos eleitorais e “quem tomou a decisão de violar a lei e seleccionar a Minsait foi o órgão Comissão Nacional Eleitoral e não os seus membros”, realçando que os comissários ali não representam os partidos políticos que os indicam.

O líder do grupo parlamentar da UNITA apelou aos angolanos a não se deixarem desinformar por aqueles que “apanhados com a boca na botija sobre a corrupção eleitoral procuram insinuar o contrário para desinformar, confundir os angolanos evidenciam bem a sua natureza penal e o seu conluio descarado com a corrupção institucional que o estado procura combater”.

“O conluio do grupo Indra e os assaltantes do erário angolano reforça a convicção de que há necessidade imperiosa de os angolanos acompanharem a par e passo o processo que conduzirá ao exercício do seu direito de soberania na pátria do seu nascimento”, referiu.

O “PROFISSIONALISMO” CANINO DA INDRA EM 2017

No dia 5 de Agosto de 2017, a Indra concluiu a entrega à Comissão Nacional Eleitoral (CNE) das mais de 600 toneladas de “material sensível” para as eleições gerais angolanas de 23 de Agosto, incluindo boletins de voto (supostamente em branco) e actas de votação. O rótulo de “material sensível” é só por si elucidativo.

A entrega do último lote dos ‘kits’ de votação foi feita às primeiras horas desse dia, no aeroporto internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, na 15.ª viagem desde Madrid, tendo o material sido recebido pelo então próprio presidente da CNE.

“Está concluído, este é último voo. Encerramos aqui os carregamentos necessários e temos o material necessário para realizamos as eleições”, disse André da Silva Neto, garantindo ainda aos jornalistas que a CNE estava a cumprir todos os prazos legais do processo eleitoral angolano.

Este material terá sido distribuído até 15 de Agosto pelas 12.512 assembleias de voto constituídas pela CNE em todo o país, que incluíam 25.873 mesas de voto, com algumas a serem instaladas em escolas e em tendas, com o escrutínio centralizado nas capitais de província e em Luanda.

Recorde-se que a UNITA entregou em Junho de 2017, na CNE, uma carta onde já na altura reclamava um novo concurso para o fornecimento dos serviços tecnológicos de apoio às eleições gerais, invocando ilegalidades no ajuste directo às duas empresas seleccionadas.

Em causa estavam alegadas ilegalidades no procedimento contratual da SINFIC, empresa portuguesa, mas ligada a capitais angolanos, e da Indra, empresa espanhola, que já tinham também participado nas eleições de 2012 que, como todos sabem, atingiram um nível de credibilidade e transparência só equiparável ao das mais robustas democracias do mundo, casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial.

A SINFIC foi contratada para a elaboração dos cadernos eleitorais e o credenciamento dos agentes eleitorais e a Indra para o fornecimento de material de votação e da solução tecnológica.

A contestação do maior partido da oposição chegou a envolver uma manifestação com milhares de pessoas, em Luanda, contra as duas empresas, por alegadas conotações com o Governo do MPLA, no poder há 46 anos.

“Só queremos testar. Estamos aqui a brincar ou a levar as coisas a sério. Se estivermos num país verdadeiramente democrático, então temos de mudar, mas se estivermos num país do ‘pai banana’, como se diz, naturalmente que vamos continuar a ver as violações a acontecerem”, afirmou Isaías Samakuva, presidente da UNITA, durante a manifestação, realizada em Luanda, em 3 de Junho.

Durante o protesto, o partido acusou a CNE de “prática fraudulenta”, ao ter feito uma adjudicação directa na contratação das duas empresas de forma ilegal, num negócio que rondou os 143 milhões de euros e que, por isso, devia ter sido alvo de concurso público.

O partido disse ainda que as empresas tiveram “informação privilegiada”, além de terem já participado “na fraude de 2012 [eleições gerais]”.

“Se as pessoas dizem estar num Estado de Direito, então têm de o mostrar, cumprindo com as leis que, por sinal, eles próprios fizeram”, criticou Isaías Samakuva.

A UNITA considerou anteriormente que não estavam criadas as condições para a realização de eleições, previstas para 23 de Agosto, e que a conduta da CNE, na organização eleitoral, “ofende os princípios da democracia, da legalidade, da lisura e da transparência”.

Folha 8 com Lusa

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