ENQUANTO A CHINA QUISER

A ministra das Finanças de Angola disse hoje, em Luanda, que a dívida pública angolana é de 67,5 mil milhões de dólares (59,6 mil milhões de euros), assegurando que a sua gestão continua a ser sustentável. Desses 59,6 mil milhões de euros, 17,6 mil milhões pertencem à China.

Vera Daves de Sousa disse que o valor rigoroso da dívida varia muito em função da taxa de câmbio, porque existem dívidas em kwanzas, algumas indexadas à taxa de câmbio, e dívida em moeda externa.

“De modo que a performance da taxa de câmbio dólar/kwanza faz logo mexer o valor, na dívida que é indexada à taxa de câmbio, e isso faz com que os números possam variar, mas ronda em torno dos 67 mil milhões de dólares”, frisou.

Segundo Vera Daves de Sousa, o maior credor (dono) de Angola continua a ser a China, com uma dívida de 20 mil milhões de dólares (17,6 mil milhões de euros), um valor que o governo espera começar a reduzir. Previsivelmente será uma dívida que nunca será paga mas apenas amortizada, de modo a que o principal credor (a China) continue a mandar em Angola.

“Vamos recomeçar e então o valor dessa dívida vai recomeçar progressivamente a reduzir e aí os pesos vão mudar em função dessa amortização”, salientou.

A governante angolana citou igualmente o “peso interessante [da dívida] do Reino Unido” e igualmente com o mercado interno, “que vai reduzindo”, facto constatado ano a ano, à medida que se vence a dívida, o Estado “mobiliza menos”.

“Quando vence uma obrigação de tesouro ou bilhete de tesouro nós pagamos aos credores e ao ir ao mercado fazer novas emissões captamos menos do que pagamos, de modo que o endividamento líquido é menor, comparativamente àquilo que tem sido nos anos passados, de modo que o nível de exposição dos bancos locais a títulos do Estado também tem reduzido por essa via”, informou.

A titular da pasta das Finanças referiu ainda que além da dívida pública financeira, aquela que decorre de acordos de financiamento com bancos, com organizações financeiras internacionais ou obrigações de tesouro, bilhetes de tesouro, existe a dívida pública comercial.

Sobre este segundo grupo, a ministra disse que têm incentivado e motivado os gestores públicos, as unidades orçamentais, a fazerem com que ela não surja, incentivando o respeito pelas regras de execução do orçamento, além de incentivarem igualmente as empresas que aceitam prestar serviços ou entregar bens, com base num contrato sem provar que o contrato está visado, sem estar provado que a despesa está orçamentada, a evitarem esta prática.

“Nós temos reservado para tratar dessa dívida 2013-2018, no Orçamento Geral do Estado de 2022, 450 mil milhões de kwanzas (783,8 milhões de euros) e tudo que está fora dessa janela temporal deve ser tratado pelas próprias unidades orçamentais com o seu orçamento no exercício corrente”, disse.

A governante reconhece (o que é politicamente relevante porque o MPLA é quem está no Poder há 46 anos) que existiu, no passado, alguma “indisciplina orçamental”. Alguma? Pois!

“Se tivesse havido disciplina, não estaríamos nessa situação, porque todas as operações que foram realizadas respeitando as regras de execução orçamental e que transitaram de um exercício para outro, como ordens de saque, restos a pagar, todas, até 2020, estão pagas”, refere Vera Daves, passando um atestado de criminosa incompetência aos anteriores governos… ou candidatando-se a uma… exoneração.

No entanto, “temos agora umas que transitaram de 2021 para 2022, que estão em tratamento, mas de 2020 para trás está tudo pago, de modos que quem respeitou as regras não tem problemas nenhuns, todos os reclamantes resultam de situações que envolvem desrespeito pelas regras de execução orçamental”, realçou.

Vera Daves de Sousa disse que todos os Estados se financiam, sendo importante agora continuar a gerir esse endividamento, mas “de forma racional e prudente”.

“No sentido de procurar as soluções financeiras menos onerosas possíveis e no sentido de assegurar que esses recursos que estão a ser mobilizados servem projectos que vão acrescentar valor à economia e que vão ajudar o PIB [Produto Interno Bruto] a crescer, nessas duas vias, porque o endividamento é normal e temos estado a notar que ano a ano as necessidades brutas de financiamento diminuem”, acrescentou.

“Em termos líquidos, se fosse para tirar esses compromissos de amortizações – estamos a endividar-nos em 500 e tal mil milhões de kwanzas (870,9 milhões de euros) – são as necessidades líquidas de financiamento. De modo que, o grosso é, no fundo, para nos refinanciarmos, usando diferentes alternativas, financiamentos multilaterais, Banco Mundial, Banco Africano de Desenvolvimento, Agência Francesa de Desenvolvimento, financiamento de instituições financeiras, financiamento comercial, com as melhores condições possíveis” disse.

Contas públicas, fretes privados

De acordo com as contas da agência de notação financeira Standard & Poor’s (S&P), a dívida pública de Angola irá descer para 64% do PIB até 2025, depois de ter atingido o pico de 131% em 2020

“Esperamos que a dívida governamental de Angola vá continuar a cair par 64% do PIB até 2025, depois de ter atingido um pico de 131% em 2020; o declínio na dívida depende dos preços favoráveis do petróleo, que devem impedir uma desvalorização abrupta da moeda”, dizem os analistas.

De acordo com um relatório sobre a dívida de Angola, com o título ‘Mergulho em profundidade na dívida’, enviado aos investidores no passado dia 15, esta agência de notação financeira, que no princípio de Fevereiro melhorou o ‘rating’ de CCC+ para B-, com perspectiva de evolução estável, alerta que a dívida é ainda alta.

“Os níveis da dívida de Angola são elevados”, afirmam, salientando, ainda assim, que “quase 40% da dívida foi em termos concessionais [abaixo das taxas de juro comerciais] a credores bilaterais e multilaterais”, nomeadamente chineses.

“Angola depende fortemente dos empréstimos chineses, que compõem cerca de 40% da dívida externa e quase 30% da dívida total registada no final de 2021”, dizem os analistas no relatório.

“O programa de reformas do Governo, os preços mais altos do petróleo, e o alívio da dívida de alguns credores oficiais estão a reduzir os riscos imediatos de liquidez; antevemos que a recuperação económica e uma depreciação da moeda menor entre 2018 e 2020 sustentem um declínio continuado no nível da dívida, por isso melhorámos o ‘rating’ de Angola de CCC+ para B-“, lê-se numa nota da Standard & Poor’s.

Na nota, a S&P explica que atribui uma perspectiva de evolução estável à avaliação sobre a qualidade do crédito, equilibrando “as ainda grandes necessidades externas de financiamento e os riscos associados, com a queda gradual dos níveis de dívida governamental até 2025”.

A subida do ‘rating’ de Angola surgiu uma semana depois de a Fitch Ratings ter elevado também a opinião sobre a qualidade do crédito angolano, e no mesmo dia em que a Fitch Ratings subiu a avaliação sobre o Banco Angolano de Investimento, decorrente da melhoria de crédito sobre o país onde o banco opera, já que um banco não pode ter um ‘rating’ melhor do que o do país onde está instalado.

No relatório sobre a dívida, a S&P diz que “o rating de Angola é limitado pelos elevados requisitos do serviço da dívida que vão aumentar fortemente a partir de 2023, quando os acordos de reestruturação com dois importantes bancos chineses acabarem e os pagamentos recomeçarem”.

Segundo esta agência de rating, Angola terá de pagar em dívida e pagamentos mais de 6 mil milhões de dólares (5,3 mil milhões de euros) por ano, representando entre 5 e 6% do PIB entre 2023 e 2025.

“A nossa visão actual é que as fontes de financiamento e as reservas externas são suficientes para mitigar os riscos imediatos de liquidez, mas se as taxas de juro a nível global subirem, isso pode afectar o sentimento dos investidores e aumentar os custos de endividamento para Angola”, alertam.

Folha 8 com Lusa

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