QUEM INDRA GANHA SEMPRE

A INDRA, a empresa espanhola seleccionada para desenvolver as soluções tecnológicas e logísticas necessárias para a realização das eleições gerais em Angola, previstas para Agosto, garantiu que o processo será conduzido “de forma profissional e transparente”. Ninguém duvida do seu profissionalismo em fazer tudo o que o cliente quer. Quanto à transparência, como é sabido, quem a define é o… cliente.

Para bem da to tal profissionalismo e transparência, a INDRA sentiu necessidade de emitir um comunicado que surge depois de a Comissão Nacional Eleitoral de Angola (CNE) – outro organismo cujo profissionalismo e transparência correspondem integralmente ao que foi definido pelo Governo (MPLA) – confirmar que a empresa foi escolhida, através de concurso público, para fornecer a solução tecnológica que engloba a contagem provisória e a contagem final de todos os votos registados nas eleições gerais.

Na altura, o porta-voz da CNE, Lucas Quilundo, disse aos jornalistas que o afastamento da outra empresa concorrente, SmartMatic, se deveu ao incumprimento das regras do concurso e descartou que a escolha da INDRA comprometa a “lisura” do processo eleitoral, apesar da oposição angolana contestar a opção por alegações de fraude.

A INDRA refere no comunicado que a sua solução tecnológica “garante o cumprimento dos requisitos de transparência e de segurança exigidos por lei, o que implica a redundância dos sistemas de computação, transmissão, processamento e divulgação de resultados”.

A empresa espanhola, que já organizou mais de 400 processos eleitorais nacionais e internacionais, com mais de quatro mil milhões de eleitores envolvidos, será também responsável pela aquisição, transporte e entrega de todo o material necessário para a realização destas eleições gerais.

A INDRA esteve já envolvida na realização de eleições no Reino Unido, Noruega, França, Espanha, Portugal, Argentina, Chile e Colômbia, bem como nas eleições gerais de 2008, 2012 e 2017 em Angola.

O PROFISSIONALISMO DA INDRA EM 2017

No dia 5 de Agosto de 2017, a INDRA concluiu a entrega à Comissão Nacional Eleitoral (CNE) das mais de 600 toneladas de “material sensível” para as eleições gerais angolanas de 23 de Agosto, incluindo boletins de voto (supostamente em branco) e actas de votação. O rótulo de “material sensível” é só por si elucidativo.

A entrega do último lote dos ‘kits’ de votação foi feita às primeiras horas desse dia, no aeroporto internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, na 15.ª viagem desde Madrid, tendo o material sido recebido pelo então próprio presidente da CNE.

“Está concluído, este é último voo. Encerramos aqui os carregamentos necessários e temos o material necessário para realizamos as eleições”, disse André da Silva Neto, garantindo ainda aos jornalistas que a CNE estava a cumprir todos os prazos legais do processo eleitoral angolano.

Este material terá sido distribuído até 15 de Agosto pelas 12.512 assembleias de voto constituídas pela CNE em todo o país, que incluíam 25.873 mesas de voto, com algumas a serem instaladas em escolas e em tendas, com o escrutínio centralizado nas capitais de província e em Luanda.

Recorde-se que a UNITA entregou em Junho de 2017, na CNE, uma carta onde reclamava um novo concurso para o fornecimento dos serviços tecnológicos de apoio às eleições gerais, invocando ilegalidades no ajuste directo às duas empresas seleccionadas.

Em causa estavam alegadas ilegalidades no procedimento contratual da SINFIC, empresa portuguesa, mas ligada a capitais angolanos, e da INDRA, empresa espanhola, que já tinham também participado nas eleições de 2012 que, como todos sabem, atingiram um nível de credibilidade e transparência só equiparável ao das mais robustas democracias do mundo, casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial.

A SINFIC foi contratada para a elaboração dos cadernos eleitorais e o credenciamento dos agentes eleitorais e a INDRA para o fornecimento de material de votação e da solução tecnológica.

A contestação do maior partido da oposição chegou a envolver uma manifestação com milhares de pessoas, em Luanda, contra as duas empresas, por alegadas conotações com o Governo do MPLA, no poder há 46 anos.

“Só queremos testar. Estamos aqui a brincar ou a levar as coisas a sério. Se estivermos num país verdadeiramente democrático, então temos de mudar, mas se estivermos num país do ‘pai banana’, como se diz, naturalmente que vamos continuar a ver as violações a acontecerem”, afirmou Isaías Samakuva, presidente da UNITA, durante a manifestação, realizada em Luanda, em 3 de Junho.

Durante o protesto, o partido acusou a CNE de “prática fraudulenta”, ao ter feito uma adjudicação directa na contratação das duas empresas de forma ilegal, num negócio que rondou os 143 milhões de euros e que, por isso, devia ter sido alvo de concurso público.

O partido disse ainda que as empresas tiveram “informação privilegiada”, além de terem já participado “na fraude de 2012 [eleições gerais]”.

“Se as pessoas dizem estar num Estado de Direito, então têm de o mostrar, cumprindo com as leis que, por sinal, eles próprios fizeram”, criticou Isaías Samakuva.

A UNITA considerou anteriormente que não estavam criadas as condições para a realização de eleições, previstas para 23 de Agosto, e que a conduta da CNE, na organização eleitoral, “ofende os princípios da democracia, da legalidade, da lisura e da transparência”.

Uma velha e sólida amizade

2012. A empresa de tecnologia espanhola INDRA recusou-se a comentar as declarações da UNITA sobre a sua contratação para o processo eleitoral em Angola, afirmando que a sua participação no acto eleitoral é puramente “técnica e tecnológica”.

A INDRA tem toda a razão. Desde logo porque sabe que dólares é algo que o regime do MPLA tem de sobra, pouco importando o resto. E, como sempre, o cliente tem sempre razão. Então quando “fabrica” dólares em doses industriais… nada mais conta.

A INDRA diz que tem no seu currículo dezenas de processos eleitorais que já conduziu em vários países, incluindo Portugal e Espanha. Não sabemos se isso, no que tange ao reino lusófono do sul da Europa, abona. Sabemos, contudo, que meter no mesmo cesto as eleições portuguesas e as angolanas é o mesmo que meter um elefante no buraco de uma agulha.

“Não entramos em temas políticos. Em Angola estamos a fazer apenas desenvolvimento técnico e tecnológico”, afirmou na altura uma fonte da INDRA, em resposta às acusações da UNITA de falta de transparência da Comissão Nacional Eleitoral na preparação das eleições gerais de 2012, que incluiu a escolha da INDRA.

A INDRA, apesar de saber que Angola (ainda) não é um Estado de Direito Democrático, explicava que “ganhou o concurso público convocado pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de Angola para realizar o escrutínio provisório e fornecer o material eleitoral das eleições gerais”.

“A INDRA foi seleccionada por contar com a proposta mais alinhada com as necessidades do organismo eleitoral”, referiu a empresa, recordando “a experiência do projecto realizado nas eleições legislativas de 2008”.

Pois é. E é aqui que a hiena deixa de chorar e passa a cantar o hino do MPLA.

Para as eleições de 2008, entre o material desenhado, produzido, transportado, armazenado e distribuído pela INDRA em todo o território angolano encontravam-se, disse a empresa: “13.000 Kits eleitorais, 26 milhões de cédulas, 65.000 urnas de votação, 54.000 cabines de votação, incluindo cabines para portadores de necessidades especiais, 108.000 latas de tinta indelével e 8.500 PDAs para o controlo e informação ao eleitor”.

“O projecto – para o qual cerca de 8 milhões de eleitores haviam sido chamados a votar, contando com mais de 12.200 colégios de votação – implicou o desenvolvimento de sistemas de transmissão de dados, o processamento, a totalização e a difusão de resultados, ao mesmo tempo em que presumiu o emprego de infra-estruturas de Tecnologias de Informação, o desenvolvimento de software, a formação do pessoal local e o transporte do material eleitoral directamente da Espanha para Angola, para o qual foram fretados mais de 10 aviões Boeing 747”, afirmou também a INDRA.

Ora, por falha (obviamente involuntária) nos equipamentos de controlo das autoridades angolanas, quase todos comprados em contrabando, o governo de Eduardo dos Santos referiu que apenas tinham sido comprados 10 milhões e 350 mil boletins de votos.

Tratou-se pois de um ligeiro e involuntário engano do regime angolano. Isto porque, fazendo fé na mega manifestação de apoio a José Eduardo dos Santos então realizada, Angola tinha bem mais (mas muito mais) do que vinte milhões de habitantes.

Ora se, de facto, todos esses milhões votavam no MPLA e ainda haveria alguns votos residuais nos outros partidos, obviamente que a encomenda foi de 26 milhões de votos. Não há, portanto, razões para pôr em dúvida a honorabilidade da CNE e do regime, sendo que as duas organizações (uma só, na prática) são constituídas por cidadãos impolutos.

Ninguém, nem mesmo a UNITA, duvidava na altura ou duvida hoje, que a INDRA responde com toda a eficiência tecnológica às necessidades de cada regime. Isso só prova, aliás, que o MPLA tem toda a razão em continuar a escolher a INDRA. E a INDRA não está, nunca esteve nem estará, preocupada se as eleições são livres ou, até, se um regime que está no Poder há 46 anos tem alguma espécie de legitimidade democrática e legal.

A escolha da INDRA suscitou em 2012 fortes críticas da UNITA, que recordou o facto de em 2008 ter sido esta mesma empresa que forneceu os equipamentos e a gerir o processamento do escrutínio, vencido de forma confortável pelo MPLA com 81,64 por cento dos votos.

A UNITA acusou também a CNE de ter assinado um contrato de prestação de serviços com a INDRA no valor de 130 milhões de dólares, quando, a preços de mercado, bastavam 25 milhões de dólares para os equipamentos e assegurar a transmissão dos dados da votação a partir dos 164 municípios.

É certo que a CNE, sucursal eleitoral do MPLA, garante que todos os processos eleitorais foram preparados “com lisura, transparência, com vista à consolidação da ainda jovem democracia”, por isso manifesta a sua “preocupação face às notícias veiculadas”, que “põem em causa a legalidade das deliberações tomadas pelo plenário”.

Transparência é tanta, tal como em 2008, 2012, 2017 e 2022 que até os mortos vão votar (desde que o façam no MPLA), é tanta que também vão repetir-se os casos em que em alguns círculos eleitorais vão aparecer mais votos do que eleitores inscritos.

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