ISTO SE… E OS CHINESES DEIXAREM

A agência de notação financeira Standard & Poor’s (S&P) antevê que a dívida pública de Angola desça para 64% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2025, depois de ter atingido o pico de 131% em 2020. Isto se…

“Esperamos que a dívida governamental de Angola vá continuar a cair para 64% do PIB até 2025, depois de ter atingido um pico de 131% em 2020; o declínio na dívida depende dos preços favoráveis do petróleo, que devem impedir uma desvalorização abrupta da moeda”, prevêem os analistas.

De acordo com um relatório sobre a dívida de Angola, com o título ‘Mergulho em profundidade na dívida’, enviado aos investidores, esta agência de notação financeira, que no princípio de Fevereiro melhorou o ‘rating’ de CCC+ para B-, com perspectiva de evolução estável, alerta que a dívida é ainda alta.

“Os níveis da dívida de Angola são elevados”, afirmam, salientando, ainda assim, que “quase 40% da dívida foi em termos concessionais [abaixo das taxas de juro comerciais] a credores bilaterais e multilaterais”, nomeadamente chineses.

“Angola depende fortemente dos empréstimos chineses, que compõem cerca de 40% da dívida externa e quase 30% da dívida total registada no final de 2021”, dizem os analistas no relatório.

A agência de notação financeira Standard & Poor’s melhorou no dia 4 de Fevereiro o ‘rating’ de Angola para B-, prevendo que a economia já tenha saído da recessão no ano passado, ao crescer 0,2%, e acelerando para 2,3% este ano.

“O programa de reformas do Governo, os preços mais altos do petróleo, e o alívio da dívida de alguns credores oficiais estão a reduzir os riscos imediatos de liquidez; antevemos que a recuperação económica e uma depreciação da moeda menor entre 2018 e 2020 sustentem um declínio continuado no nível da dívida, por isso melhorámos o ‘rating’ de Angola de CCC+ para B-“, lê-se numa nota da Standard & Poor’s.

Na nota, a S&P explica que atribui uma perspectiva de evolução estável à avaliação sobre a qualidade do crédito, equilibrando “as ainda grandes necessidades externas de financiamento e os riscos associados, com a queda gradual dos níveis de dívida governamental até 2025”.

A subida do ‘rating’ de Angola surge uma semana depois de a Fitch Ratings ter elevado também a opinião sobre a qualidade do crédito angolano, e no mesmo dia em que a Fitch Ratings subiu a avaliação sobre o Banco Angolano de Investimento, decorrente da melhoria de crédito sobre o país onde o banco opera, já que um banco não pode ter um ‘rating’ melhor do que o do país onde está instalado.

No relatório sobre a dívida, com data de hoje, a S&P diz que “o rating de Angola é limitado pelos elevados requisitos do serviço da dívida que vão aumentar fortemente a partir de 2023, quando os acordos de reestruturação com dois importantes bancos chineses acabarem e os pagamentos recomeçarem”.

Segundo esta agência de rating, Angola terá de pagar em dívida e pagamentos mais de 6 mil milhões de dólares (5,3 mil milhões de euros) por ano, representando entre 5 e 6% do PIB entre 2023 e 2025.

“A nossa visão actual é que as fontes de financiamento e as reservas externas são suficientes para mitigar os riscos imediatos de liquidez, mas se as taxas de juro a nível global subirem, isso pode afectar o sentimento dos investidores e aumentar os custos de endividamento para Angola”, alertam.

Na semana passada, o Ministério das Finanças apresentou o plano de endividamento, que prevê um regresso aos mercados de dívida já neste trimestre, por um valor indicativo de 2,8 mil milhões de dólares, cerca de 2,4 mil milhões de euros ao câmbio actual.

O que é dívida pública? Qual é o seu papel?

A dívida surge e aumenta sempre que o governo gasta mais do que aquilo que arrecada. Assim, quando os impostos e demais receitas não são suficientes para cobrir as despesas, o governo é financiado pelos seus credores (pessoas físicas, empresas, bancos etc.), dando origem à dívida pública.

Assim, como o bom uso do crédito por um cidadão facilita o alcance de grandes conquistas (a compra de sua casa própria, por exemplo), o endividamento público, se bem administrado, permite ampliar o bem-estar da sociedade e favorece o bom funcionamento da economia.

Especialistas costumam destacar a importante função que o endividamento público exerce ao garantir níveis adequados de investimento e de prestação de serviços pelo governo à sociedade, ao mesmo tempo em que propicia maior equidade entre gerações.

As receitas e as despesas de um governo passam por ciclos e sofrem choques frequentes. Em momentos de crise, por exemplo, a economia produz menos e a arrecadação de impostos cai. Algumas vezes, não é o caso de Angola, isso leva a que o Governo gaste mais com o apoio às classes mais desfavorecidas, aos pobres (20 milhões no nosso caso).

Na ausência do crédito público, esses choques teriam de ser absorvidos pelo aumento na carga tributária ou por cortes noutras despesas, penalizando, demasiadamente, em ambos os casos, a geração actual. Além da suavização, ao longo do tempo, do padrão de gastos de consumo e investimento do governo, o acesso ao endividamento público permite atender a despesas emergenciais (tais como as relacionadas a calamidades públicas, desastres naturais e guerras) e assegurar o financiamento tempestivo de grandes projectos com a perspectiva de retorno no médio e no longo prazos (na área de infra-estrutura, por exemplo).

A história está repleta de exemplos nesse sentido, não sendo surpreendente o uso disseminado do endividamento por praticamente todos os países do mundo.

Um exemplo de projecto com alto custo, mas com benefícios de longo prazo, é a construção de um hospital. Um hospital vai durar muitos anos e será utilizado por muito tempo, inclusive por pessoas que ainda nem nasceram. Nesse caso, é justo (e eficiente) que o custo de construção do hospital seja divido por todas as gerações que o vão utilizar.

Por isso, ao invés de cobrar uma grande quantidade de impostos extras aos cidadãos que estão vivos durante a construção do hospital (geração actual), o governo pode financiar a obra e pagá-la em várias parcelas, dividindo, assim, o seu custo com as gerações futuras, também beneficiadas.

Por meio do endividamento público, o governo poderá utilizar apenas parte da arrecadação actual e parte da arrecadação futura para pagar as parcelas relativas ao custo de construção do hospital. Assim, a dívida pública permite dividir os custos de um investimento com todas as gerações que irão beneficiar dele.

O endividamento público pode exercer funções ainda mais amplas para o bom funcionamento da economia, auxiliando a condução da política monetária e favorecendo a consolidação do sistema financeiro.

Títulos de dívida pública são instrumentos essenciais na actuação diária do Banco Central para o alcance de seu objectivo de garantir a estabilidade da moeda, servindo de lastro para as operações típicas de política monetária, além de representarem referencial importante para emissões de títulos privados.

O desenvolvimento do mercado de títulos, público e privado, pode ampliar a eficiência do sistema financeiro na alocação de recursos e fortalecer a estabilidade financeira e macro-económica de um país.

A lição fundamental dessa discussão recai na relevância de se zelar pela qualidade do crédito público. Só assim se pode valer do endividamento e de suas funções de forma eficiente. Aqui, mais uma vez, a analogia ao cidadão comum é exemplar, o qual deve manter um bom crédito para garantir permanentemente melhores condições de financiamento (por exemplo, via menores custos e maiores prazos para pagamento).

No caso do governo, o mesmo ocorre, embora não de maneira tão simples. As suas condições de financiamento estão intimamente relacionadas com a sua credibilidade, a sua capacidade de pagamento e a qualidade de gestão da dívida.

Por isso, a utilização responsável e consciente do endividamento público é importante para o bom desenvolvimento de um país.

Folha 8 com Lusa

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