QUEIXA-CRIME CONTRA PRESIDENTE DO BAI

O jornalista angolano Rafael Marques e a socióloga Tânia de Carvalho apresentaram hoje uma queixa-crime contra o presidente do Conselho de Administração do Banco Angolano de Investimento (BAI), José Carlos Paiva, por alegada corrupção e apropriação indevida de bens.

Na denúncia hoje entregue na Procuradoria-Geral da República (PGR), os cidadãos pedem uma investigação criminal a José Carlos de Castro Paiva por estar em causa a alegada prática de crimes económico-financeiros.

Segundo a queixa, José Carlos de Castro Paiva, que foi presidente da Sonangol UK (Londres), terá usado o seu cargo de gestor naquela empresa para transferir uma percentagem de um investimento da petrolífera estatal angolana no BAI para seu nome próprio.

O documento lembra que quando o BAI foi criado, em Novembro de 1996, a Sonangol era a principal investidora na instituição bancária, com 18,5% das acções, posição que diminuiu 10% ao longo do tempo, tendo esse capital sido assumido por alguns dirigentes da empresa, entre os quais José Carlos Paiva.

“Não se encontraram movimentos financeiros consentâneos e justificativos da compra privada de acções do BAI por parte de José Carlos de Castro Paiva”, indicam, acrescentando que este “sempre se comportou e ainda comporta como o verdadeiro proprietário das acções”.

O capital terá sido transferido através de várias operações de transferência para entidades sediadas nas Bahamas (Arcinella Assets) e Ilhas Virgens Britânicas (Sforza Properties), bem como para a Dabas Management, controladas pelo ex-gestor da Sonangol UK, o que levou a uma investigação do Senado dos EUA, em 2010, sobre o BAI por suspeitas de que a instituição bancária estivesse a ser usada como veículo para o branqueamento de capitais de altas figuras do regime angolano.

O Senado dos EUA recebeu na altura “informações contraditórias” do BAI: “De modo a evitar a revelação da verdadeira identidade dos beneficiários, de acordo com o referido documento, em Janeiro de 2007, o BAI declarou que os 13,5 por cento das acções detidas solidariamente pelas duas empresas (Arcinella Assets e Sforza Properties) haviam sido colocados sob custódia de José Carlos de Castro Paiva, como presidente do BAI. Mais informou que, de acordo com a sua estratégia e da Sonangol, principal investidor, as acções seriam transferidas “gradualmente para indivíduos privados, à medida que possam gerar riqueza e comprar acções”.

A queixa refere que no relatório do Senado norte-americano se verifica “uma tremenda opacidade na divulgação e explicitação de quem são os proprietários do BAI e como obterá as suas participações”, o que indiciará uma “tentativa de disfarçar uma apropriação privada de bens públicos”.

Salienta também que o BAI “numa linguagem algo equívoca” afirma que a posse de José Carlos de Castro Paiva é meramente fiduciária e que este depois passaria as acções a terceiros angolanos e nota que a estrutura accionista do BAI ainda não é transparente, desconhecendo-se a identidade dos beneficiários efectivos de cinco dos oito principais accionistas.

Além da Sonangol, integram ainda o grupo de accionistas a Oberman Finance Corp (5,00%), Dabas Management Limited (5,00%), Mário Palhares (5,00%), Theodore Giletti (5,00%), Lobina Anstalt (5,00%), Coromasi Participações Lda. (4,75%), Mário Barber (3,87%), Luís Lélis (3,00%) e ‘Outros’ não identificados, que repartem os restantes 54,88% do capital.

“Consideramos que é do interesse nacional que a PGR proceda a uma investigação aprofundada à forma como determinadas entidades privadas e indivíduos que desempenhavam cargos públicos se tornaram accionistas de bancos dominados pelas entidades públicas de que faziam parte, como é o caso do BAI”, escrevem na queixa Rafael Marques e Tânia de Carvalho.

Lembram ainda que “a falta de transparência na banca angolana e a promiscuidade entre os interesses privados e públicos” foi uma das razões que levaram as entidades oficiais norte-americanas a vedar o acesso do sistema financeiro angolano ao sistema financeiro norte-americano.

Os autores da queixa terminam sublinhando que esta participação “é coerente com a defesa da credibilização da justiça” e por acreditarem que “o combate à corrupção e a moralização da sociedade devem ser realizados com recurso aos tribunais e não através da mera agitação de rua, das redes sociais, de meios violentos ou não constitucionais”.

Recorde-se que em Dezembro de 2012, Rafael Marques entregou à PGR portuguesa elementos sobre eventuais “conflitos de interesses” do vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, accionista do Banco Angolano de Investimentos, com filial em Portugal.

Rafael Marques foi à Procuradoria-Geral da República de Portugal submeter novos elementos no inquérito-crime que visa actuações de políticos próximos do Presidente angolano José Eduardo dos Santos. Esses elementos “deverão comprovar que o Banco Angolano de Investimentos Europa, que opera em Portugal, funciona como um banco de pessoas politicamente expostas, entre as quais o vice-presidente da República Manuel Vicente que é sócio”, disse na altura ao PÚBLICO.

De acordo com Rafael Marques, o BAI “não deve operar em Portugal”. “Portugal deve conformar-se às medidas internacionais de combate a branqueamento de capitais, que inclui limites severos às operações e transacções financeiras utilizadas por bancos constituídos por pessoas politicamente expostas?”, questionou, dando como exemplo o facto de o BAI não poder “realizar operações através dos EUA”.

O BAI Angola estava presente em Portugal desde 1998, mas em 2002 mudou o estatuto jurídico para filial como BAI Europa, sendo que o principal accionista, com 99,9% do capital social, é o BAI. O administrador do BAI Europa, José Tavares Moreira, disse ao PÚBLICO desconhecer se Manuel Vicente é accionista daquela instituição. Afirmou: “Se já era accionista antes de ser membro do Governo não vejo qual é o problema. Mas desconheço completamente esse tema.”

Tavares Moreira “admite” que o maior accionista do BAI “seja a Sonangol”. No entanto, escusou-se a dar informações sobre os accionistas justificando com o facto de responder pelo BAI Europa e negou que este funcionasse “como um banco de pessoas politicamente expostas”. Disse: “Os accionistas do BAI não são os accionistas do BAI Europa, quem detém o BAI Europa é o BAI. O BAI Europa é supervisionado pelo Banco de Portugal, tem uma política absolutamente transparente.”

Entretanto, Rafael Marques fez um requerimento para ser assistente no processo de inquérito-crime o que significa que passaria a ter acesso ao processo, a ser notificado das diligências ou a ter acesso a documentos que estejam em segredo de justiça para o exterior – além disso, se o processo fosse arquivado, pode recorrer da decisão.

O caso, aberto pelo Departamento de Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) português, começou com uma denúncia de um cidadão angolano – Rafael Marques tem prestado depoimentos. Na altura depôs sobre as filhas de José Eduardo dos Santos, Tchizé e a empresária Isabel dos Santos, Manuel Vicente, o general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República, entre outros.

No relatório e contas de 2011 do BAI, Manuel Vicente aparecia no conselho de administração, mas depois seu nome já não constava. Vicente foi presidente do conselho de administração da Sonangol, a petrolífera que é a base da economia angolana. Ocupou lugares no conselho de administração de bancos angolanos e portugueses.

Em 2010, a sub-comissão de segurança interna e relações governamentais do senado norte-americano publicou o relatório “Manter a corrupção estrangeira fora dos Estados Unidos” onde apresenta quatro casos, entre eles o de Angola, que expõem “as tácticas usadas pelas pessoas politicamente expostas e os seus facilitadores para levar para os EUA fundos suspeitos”. Nele investigou dirigentes angolanos, como Manuel Vicente e o presidente do conselho de administração do BAI, José Carlos Paiva.

Os senadores norte-americanos revelavam que o maior accionista do BAI era a Sonangol, então dirigida por Manuel Vicente – que, por sua vez, tinha 5% do BAI através de uma offshore, a ABL – criada, segundo informações fornecidas no relatório, “para permitir alguma privacidade em relação a este investimento”. “Como a Sonangol é uma empresa estatal e uma força poderosa na política e economia angolanas, os seus executivos são considerados PPE, o que significa que a liderança do BAI, assim como os seus detentores e clientes, inclui PPE”, sublinham.

O BAI entrou no mercado norte-americano através do HSBC de Nova Iorque, usando durante anos “os serviços de transferência bancária, a troca de moeda estrangeira e cartões de crédito americanos apesar de fornecer informações duvidosas sobre os seus accionistas”, dizem. E criticam o HSBC por não ter identificado o BAI como um “cliente de alto risco”, apesar de este se ter recusado várias vezes a entregar a lista dos proprietários.

Além disso, sublinham os senadores, José Carlos Paiva controlava também 5% do BAI através de uma offshore e mais 13,5% através de outras duas offshores – Paiva é, por sua vez, presidente da Sonangol Reino Unido. Mais à frente revelam o “problema severo de corrupção corrente em Angola”, que “levou o Citibank a fechar todas as contas associadas ao Governo angolano e à Sonangol em 2003.”

O documento conclui que o BAI era “exactamente o tipo de instituição financeira estrangeira que o Patriot Act queria que fosse alvo de maior monitorização”. Em 2001, recorda, o Patriot Act exigiu aos bancos que aplicassem medidas de escrutínio extra a conta privadas de “figuras políticas, os seus familiares e associados próximos”. Em sequência desta investigação, o HSBC americano cortou relações com os bancos angolanos.

Em Julho, Rafael Marques lançou uma campanha onde divulgou casos de corrupção e violações de direitos humanos em Angola – em que apelava ao fim das relações com o BAI. Aí revelava que “os dirigentes e os seus antigos colegas detêm um total de 47,75% das acções do BAI. Por sua vez, 42,25% está distribuído entre empresas privadas angolanas, ligadas a figuras do poder, gestores nacionais e estrangeiros do banco, bem como empresas estrangeiras. Os restantes 10% são detidos pela Sonangol (8,5%) e pela Empresa Nacional de Diamantes, Endiama (1,5%).”

Rafael Marques defende na altura que Portugal, que aderiu à convenção das Nações Unidas contra a corrupção, deveria pôr em causa a presença do BAI em Portugal. Esta convenção não obriga os Estados membros a participar, “trata-se apenas de voluntarismo em aderir às boas práticas”, explicou Luís de Sousa, então presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC), o braço português da Transparency International, organização de combate à corrupção. Em Portugal não se deveria deixar de perguntar “se o dinheiro que é investido cá está a ser investigado”, acrescenta o também politólogo.

Folha 8 com Lusa e Público

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