PENSAR ÁFRICA, PENSAR ANGOLA

Oradores de uma conferência internacional sobre África, que decorre em Luanda, consideraram hoje que o continente africano precisa de ser transformado em favor dos seus povos e que os problemas africanos precisam de soluções africanas. Em Maio deste ano, Marcolino Moco, Francisco Viana, Paulo Inglês, Paulo Faria e Eduardo Paim, entre outros, “pensaram Angola”. Em Julho de 2017, em Lisboa, o Folha 8 começou por primeiro pensar… Angola.

“África e o olhar interior” foi o tema da primeira mesa-redonda da “Conferência Internacional Pensar África”, que se iniciou hoje na capital angolana e decorre até quarta-feira.

Para Nelson Pestana, director do Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universidade Católica de Angola (Ucan), pensar África coloca “desde logo um problema metodológico e substantivo”.

“A nossa escolha é o método crítico e genealógico, é uma crítica permanente baseada num olhar evolutivo, então, nós estamos perante duas Áfricas: uma África imaginada e uma África real”, disse Nelson Pestana.

“A África imaginada é uma África homogénea, autêntica ao abrigo da inculturação e em constante interacção com os povos. A África real é heterogénea, é plural, está em constantes trocas de empréstimo com outros espaços de cultura”, afirmou o director do CEA.

Segundo Emmanuel Natakarutimana, docente do Burundi e um dos oradores no encontro, é “urgente” a transformação dos recursos e infra-estruturas do continente africano em benefício dos povos, considerando que os problemas africanos “precisam de soluções africanas”.

“Porque, por exemplo, as fronteiras físicas e imaginárias em África são também problemas que prevalecem e derivam em conflitos que precisam de ser acautelados”, frisou.

Natakarutimana lamentou também, na sua intervenção, o conflito que opõe o Ruanda e a República Democrática do Congo, e enalteceu as acções do Presidente angolano, João Lourenço, para a pacificação da região.

A “Conferência Internacional Pensar África” é organizada pela Mosaiko — Instituto Angolano para a Cidadania em parceria com o CEA e decorre até quarta-feira, na capital angolana.

A reitora da Ucan, Maria de Assunção, disse, na abertura do encontro, que pensar África é um tema muito sugestivo e provocador, sobretudo num contexto de enormes desafios que se colocam hoje a África.

Enumerou a sustentabilidade económica de cada Estado africano, a assunção da democracia pluripartidária, o saneamento básico, a melhoria do sistema de saúde, educação, redução da corrupção e outros como os “enormes desafios” com que África ainda se debate.

Para Maria da Assunção, África tem igualmente desafios de “criar políticas estimulantes no sentido de manter os intelectuais africanos, jovens e veteranos, pondo o fim ao drama a que assistimos, impávida e serenamente, da morte de centenas de milhares de jovens africanos” no Mar Mediterrâneo.

“Num tal contexto, pensar África é um exercício que se impõe a todos os africanos, tanto no plano individual, quanto no plano colectivo. Trata-se, em meu entender, de um exercício, não só saudável, mas sobretudo recomendável”, defendeu.

África e olhar interior e identidades africanas são os painéis temáticas agendados para o primeiro dia da “Conferência Internacional Pensar África”.

SOMOS LIVRES PARA “PENSAR ANGOLA”?

Marcolino Moco, Francisco Viana, Paulo Inglês, Paulo Faria e Eduardo Paim (entre outros) organizaram, em Maio, o congresso “Pensar Angola”.

“Precisamos de um projecto nacional de consenso. Não podemos nem devemos chegar ao dia das eleições sem sabermos quais são as nossas propostas para uma Angola melhor. Teremos também que ver esclarecidas quais as propostas dos partidos políticos que se propõem governar Angola para os anos de 2022 a 2027”, indicava um comunicado da comissão organizadora.

“Precisamos de definir muito bem que modelo de Estado, social e económico queremos para Angola, queremos para nós e para as próximas gerações”, disseram os promotores do congresso, apelando aos angolanos para que não encarem as eleições como uma escolha de bandeiras ou um clube de futebol.

“O que está em jogo é muito mais do que isso, pois a nossa escolha irá determinar o nosso futuro, a nossa qualidade de vida e a nossa felicidade”, salientava o comunicado.

A comissão organizadora apontava os “momentos de grande indefinição, instabilidade e grave crise económica e social” por que Angola estava a passar após 46 anos de independência e dizia que as eleições eram também uma oportunidade para elevar as condições do país.

“Neste ano de 2022, o povo angolano tem uma grande oportunidade para, através do seu voto, escolher uma liderança, capaz de elevar Angola a uma melhor condição económica e social elevando também os nossos níveis de felicidade”, sugeria, apelando a um projecto nacional de consenso para que este sonho se tornasse realidade.

“Uma grande responsabilidade recai sobre a nossa geração: todos os angolanos, independentemente da sua filiação partidária, idade, credo religioso e condição social, têm o direito e o dever de se pronunciarem sobre o nosso projecto comum”, diziam os organizadores, apelando à participação de partidos políticos, do Governo e da oposição, organizações da sociedade civil, cidadãos e instituições religiosas num “Pacto da Nação”.

Contribuir para um projecto comum em prol de uma Angola mais inclusiva, solidária e democrática; para um melhor esclarecimento, pré-eleitoral, sobre as propostas das forças políticas concorrentes à governação para o mandato de 2022 a 2027; e para a criação de um ambiente de paz e concórdia, pré e pós eleitoral e para um processo eleitoral transparente, justo e tranquilo, eram (foram) objectivos do congresso.

A iniciativa congregou representantes de comunidades angolanas, de todo o país e da diáspora, partidos políticos, activistas, sociedade civil, instituições religiosas, especialistas, autoridades tradicionais, entre outros parceiros.

Futuro será futuro ou o passado no presente?

Em Julho de 2017, dezenas de pessoas reuniram-se, em Lisboa, para discutir o futuro de Angola. Vários participantes consideraram que as eleições de Agosto desse ano poderiam ser “um momento de viragem” para o país.

Eis o artigo publicado no dia pela DW sobre este assunto:

«O encontro, promovido pelas associações não-governamentais Frente Cívica e Transparência e Integridade e pelo jornal angolano Folha 8, contou com a participação de Marcolino Moco, ex-primeiro-ministro de Angola, José Marcos Mavungo, economista, filósofo e activista dos Direitos Humanos, e Sedrick de Carvalho, jornalista e activista político do grupo dos 15+2. A iniciativa, que decorreu sob o tema “Angola, Que Futuro?”, antecipa as eleições gerais marcadas para 23 de Agosto deste ano.

No debate, William Tonet, jornalista angolano, afirmou que “é preciso refundar Angola com base numa Constituição”. O também director do jornal Folha 8 disse ainda que, na sua opinião, o país é gerido apenas por linhas do constitucionalismo e não por uma Constituição.

Em entrevista à DW, à margem do evento, Marcolino Moco considerou que as próximas eleições constituem uma oportunidade única de mudança geracional em Angola. Afirmando que “o futuro depende sempre daquilo que fizermos agora”, o antigo primeiro-ministro de Angola frisa que se têm “perdido várias oportunidades”. “Seja qual for o resultado eleitoral teremos novos atores. Aquele que for eleito Presidente [da República] tem muitos poderes. Esperemos que os aproveite no sentido positivo e não no sentido trivial de acumular bens materiais para si e para os seus parentes”, acrescenta. Na mesma ocasião, o ex-primeiro ministro angolano lançou o apelo de mobilização para a mudança no país.

Marcos Mavungo, economista e activista dos Direitos Humanos, também defende a mudança política em Angola, apesar dos obstáculos e práticas do regime no poder que, a seu ver, põem em causa a democracia, minada também pela injustiça e pela corrupção.

Também Sedrick de Carvalgo, um dos 17 jovens activistas presos e julgados pelo regime de Luanda, falou à DW em defesa de uma democracia efectiva. Para o angolano, o facto de o “novo [candidato a] Presidente ser escolhido a dedo por José Eduardo dos Santos” é indicativo de que será “alguém que vai, pelo menos, seguir as marcas do seu antecessor”. Pode-se antever por isso, acrescenta, que “João Lourenço vai agir de forma maldosa, tal como tem agido o seu mentor, digamos, quem o indicou. E, certamente, vão ser anos difíceis para todos. É bom o facto de José Eduardo dos Santos não estar [mais na corrida eleitoral] porque isso também revitaliza as nossas forças para continuar a lutar. Afinal de contas, é possível escorraçar um indivíduo que está há muito tempo no poder”.

Segundo João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade, o que se pretende com esta iniciativa conjunta, em Lisboa, é “dar uma prova de vitalidade e diversidade da sociedade civil angolana e mostrar que o debate político não é exclusivo dos partidos ou dos candidatos, mas que há expectativas e exigências cívicas para o desenvolvimento de Angola a que os partidos têm de dar resposta”.

À DW África, Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica, um dos promotores deste debate, afirmou que as próximas eleições constituem um momento de viragem para Angola. “Se houver uma capacidade dos angolanos em primeira instância, no momento de votar, provocarem uma mudança votando livremente na força política que entenderem, que leve a que a curto prazo se diminua a corrupção, então no médio e no longo prazo, poderemos vir a ter algum desenvolvimento para Angola e para os angolanos”, considerou.

Para este activista, que se tem batido contra a corrupção tanto em Portugal como em Angola, Portugal é onde se encontram os aliados do sistema corrupto e selvagem angolano. Por isso, defendeu, a corrupção angolana é uma questão que “todos temos de discutir, porque os seus efeitos não têm limites territoriais. Como tal, acrescentou, “a luta contra a corrupção não pode ter fronteiras”.

Antes do debate, foi também Paulo de Morais quem fez a apresentação do livro de Wiliam Tonet, “Cartilha do Delegado de Lista”. Trata-se de um guia prático para que os delegados das listas candidatas às próximas eleições angolanas possam zelar pela integridade do processo democrático.»

Folha 8 com Lusa

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