ONDE ANDAVA V. EXA. SR. PRESIDENTE JOÃO LOURENÇO?

O ex-presidente angolano, José Eduardo dos Santos, pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) para ser ouvido no âmbito do processo contra os generais “Dino” e “Kopelipa” na sua última deslocação a Angola, acabando por prestar um depoimento escrito face à ausência de resposta.

O antigo presidente José Eduardo dos Santos regressou a Luanda em 14 de Setembro do ano passado, depois de mais de três anos de ausência, e aí permaneceu cerca de seis meses, voltando em 7 de Março passado para Barcelona, cidade espanhola onde vivia numa espécie de prisão domiciliária imposta pelo seu sucessor, João Lourenço, onde todos os colaboradores prestavam contas ao Presidente do MPLA, e onde morreu na sexta-feira.

No período em que permaneceu em Luanda, pela última vez, procurou ser ouvido, e ponderou mesmo dar uma conferência de imprensa em caso de falta de resposta da justiça angolana, toda ela formatada por João Lourenço no sentido de descredibilizar José Eduardo dos Santos, o marimbondo-chefe (assim chamado por João Lourenço) e todo o seu clã.

No entanto, acabou por dar a sua versão sobre os factos que envolvem dois dos seus mais próximos ex-colaboradores, Manuel Hélder Vieira Dias Júnior (“Kopelipa”) e Leopoldino Fragoso do Nascimento (“Dino”), num extenso depoimento escrito datado de 24 de Novembro de 2021.

Antes, numa carta endereçada ao procurador-geral da República, general Hélder Pitta Grós, com data de 8 de Novembro de 2021, José Eduardo dos Santos pediu “uma audição urgente” em todos os processos de natureza cível e criminal que envolvem o seu nome, nomeadamente o processo 12/20, relativo aos generais “Dino” e “Kopelipa”, lamentando a falta de resposta a uma primeira missiva, de 4 de Dezembro de 2020, em que já reclamava a oportunidade de exercer o contraditório. No âmbito da propalada separação de poderes, o PGR recebeu instruções superiores de João Lourenço para silenciar José Eduardo dos Santos.

Manifestando o desígnio de “contribuir para a descoberta da verdade”, Eduardo dos Santos rogava “o obséquio” de prestar os devidos esclarecimentos, “pela última vez”, às autoridades angolanas, aproveitando a sua presença no país.

Um pedido que esperava ver deferido “dentro de um prazo razoável”, findo o qual “obriga-se a fazê-los publicamente, em conferência de imprensa, para que, desta forma pouco desejada pelo requerente, prestar os devidos esclarecimentos à nação”.

Em causa estava o processo em que são arguidos alguns dos seus antigos homens de confiança (João Lourenço também o era, mas…), Manuel Hélder Vieira Dias Júnior e Leopoldino Fragoso do Nascimento, cujo despacho de acusação surgiu, curiosamente e com todo o ADN desta facção do MPLA, no dia da sua morte, 8 de Julho de 2022.

José Eduardo dos Santos escreve na carta que “viu coarctado sistematicamente o seu direito de ser ouvido, antes da publicação de quaisquer decisões judiciais com pendor difamatório ao seu bom nome”.

Devido ao “silêncio das autoridades oficiais do Estado e não só, com responsabilidades para tal, não lhe resta outra saída senão o de exercer directamente o seu direito de defesa”, prossegue a missiva, de que deu conhecimento a outras entidades, como o Presidente da República, o presidente da Assembleia Nacional, juízes dos tribunais superiores e provedora de Justiça, presidentes dos partidos com assento parlamentar e presidentes da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé e Conselho das Igrejas Cristãs de Angola.

Três semanas depois, face à ausência de resposta às suas cartas, José Eduardo dos Santos acabaria por dar a sua versão sobre os acontecimentos sob a forma de “declaração jurada” em que expõe a sua visão sobre a participação do grupo China International Fund no Programa de Reconstrução Nacional e a actuação dos generais “Kopelipa” e “Dino”, bem como do ex-vice-presidente da República e “patrão” da Sonangol, Manuel Vicente.

Os generais angolanos “Kopelipa” e “Dino” estão acusados de vários crimes pela justiça angolana, entre os quais os de peculato, associação criminosa e branqueamento de capitais, segundo a acusação.

Manuel Hélder Vieira Dias, mais conhecido como general “Kopelipa”, antigo responsável pelos serviços secretos de Angola, no tempo em que José Eduardo dos Santos era chefe de Estado, foi acusado pelo Ministério Público angolano dos crimes de peculato, burla por defraudação, falsificação documento, associação criminosa, tráfico de influências, abuso de poder e branqueamento de capitais, num processo que envolveu várias empresas, entre as quais a petrolífera do MPLA, a Sonangol.

Já Leopoldino Fragoso do Nascimento, conhecido como “Dino”, ex-chefe do Serviço de Comunicações de José Eduardo dos Santos e empresário, é acusado de burla por defraudação e falsificação de documentos, associação criminosa, tráfico de influência e branqueamento de capitais.

No mesmo processo são ainda arguidas as empresas CIF – China International Fund Angola, Plansmart International Limited e Utter Right Internacional Limited, acusadas de burla por defraudação, falsificação de documentos, tráfico de influência e branqueamento de capitais.

Três empresas, que, de acordo com a acusação, fizeram parte de um esquema montado pelos arguidos, que lesou o Estado angolano em vários milhões de dólares. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente João Lourenço?

Onde andava V. Exa. Senhor Presidente João Lourenço?

No dia 25 de Novembro de 2016, o governador provincial de Luanda, general Higino Carneiro, alegou questões de segurança para proibir a realização de uma manifestação cívica contra a nomeação de Isabel dos Santos, para a direcção da petrolífera estatal Sonangol, marcada para o dia seguinte. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente João Lourenço?

Embora a manifestação já estivesse tacitamente aprovada (se Angola fosse um Estado de Direito que respeitasse as suas próprias leis), o governador achou por bem mostrar, mais uma vez, que o no reino vigora a “lei” do “quero, posso e mando”.

Era, é, aliás, uma prática recorrente. O mesmo se passara um ano antes quando se preparava uma manifestação que os promotores, o Conselho Nacional de Activistas, auto-intitulados “defensores dos direitos humanos” em Angola, pretendiam realizar e que coincidia com as comemorações oficiais dos 40 anos da independência, em frente ao Palácio Real e ao Tribunal Constitucional.

Na decisão de proibir a manifestação – intenção comunicada pelos organizadores ao governo provincial -, o então governador (Graciano Domingos) invocou a lei sobre o direito de reuniões e manifestações, recordando que em termos legais, por “razões de segurança”, estas não podem ocorrer “a menos de 100 metros das sedes dos órgãos de soberania”.

“Pelo que foi aduzido, o governador provincial de Luanda decide proibir a realização da manifestação”, lia-se no documento, assinado por Graciano Domingos, com data de 14 de Outubro de 2015. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente João Lourenço?

Por norma, este tipo de manifestações que nunca são autorizadas pelas autoridades sob o manto diáfano da segurança, termina com a intervenção policial e detenções. A única excepção respeita a manifestações organizadas pelo regime e que, por regra, coincidem sempre com qualquer iniciativa de sentido contrário.

Voltou a passar-se o mesmo em 2016. O governador da capital do reino, general Higino Carneiro, proibiu a manifestação, dando prioridade e direitos exclusivos a uma marcha de uma organização detentora de um mercado da fé e milimetricamente coincidente com a dos manifestantes contra a nomeação de Isabel dos Santos. Assim, mais importante do que querer defender a legalidade em Angola era (é) – na óptica do despótico poder instalado – abrir alas à marcha sobre “O Papel da Mulher Religiosa na Consolidação da paz em Angola”. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente João Lourenço?

O comandante provincial de Luanda da Polícia Nacional informou que o pedido de autorização para a marcha foi feito pelo departamento da mulher do Conselho de Igrejas Cristãs em Angola (CICA) em 28 de Setembro, para o trajecto do Cemitério da Santana para a Praça 1º de Maio.

José Sita justificou que a prioridade deveria recair sobre o evento religioso, “prevendo-se a participação de um número considerável de pessoas”. E tinha razão. Segundo as contas do Folha 8, este evento deveria contar com a participação de mais de 25 milhões de angolanos…

“Com vista a evitar constrangimentos aos automobilistas, bem como às pessoas que afluirão ao local, sugerimos que o trânsito automóvel seja desviado no perímetro da Praça da Independência, contando com a colaboração das organizações juvenis apartidárias, para a organização do evento”, lê-se no documento da polícia. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente João Lourenço?

Os promotores da manifestação contra a nomeação de Isabel dos Santos esqueceram-se, lamentavelmente, de dizer que o seu lema era “O papel dos cidadãos, religiosos ou não, na consolidação de paz em Angola”.

De nada serve hoje, como ontem, como amanhã, dizer que tanto a Polícia como o Governo Provincial praticaram com a proibição uma série de crimes. Isto, no quadro jurídico da lei e da Constituição de Angola que, contudo, sabemos ser diferente da lei e da “Constituição” do regime. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente João Lourenço?

De acordo com a lei e a Constituição do país, a manifestação estava autorizada “de jure”, pois o Governador provincial não respondeu no prazo de 24 horas a contar da data da recepção da comunicação dos manifestantes (10 de Outubro), conforme estabelece o art.º 7.º da Lei sobre o Direito de Reunião e de Manifestação.

Não adiantará dizer que a decisão do governador provincial de Luanda, Higino Carneiro, coincidentemente, general das FAA, estava eivada de má-fé, abusos de autoridade, inconstitucionalidades, ilegalidades e desprezo pelos direitos dos demais cidadãos.

Higino Carneiro tratou, mais uma vez, os promotores e os demais cidadãos, como sendo de segunda categoria ou seres menores, sem nenhuns direitos, logo com o único dever de cumprir uma vontade, uma ordem inconstitucional e ilegal.

Quando isso acontece, estamos diante de uma ditadura que, quase sempre, nos aparece apalhaçadamente maquilhada de democracia. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente João Lourenço?

Embora não tenhamos a certeza de que os ilustres governantes do regime compreendam o que está escrito nas leis e na Constituição, aqui deixamos o que, ipsis verbis” a Constituição diz no art.º 47.º (Liberdade de reunião e de manifestação):

“1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei.

2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei.”

Por outro lado, o governador não respeita as leis, como é o caso da Lei n.º 16/91 de 11 de Maio, no art.º7.º (Proibição da realização de reunião ou manifestação):

1. O governador ou o Comissário que decida, nos termos do disposto nos Artigos 4.º e 5.º, n.º 2 da presente lei, proibir a realização da reunião ou manifestação deve fundamentar a sua decisão e notificá-la por escrito, no prazo de 24 horas a contar da recepção da comunicação aos promotores, no domicílio por eles indicado e às autoridades competentes.

2. A não notificação aos promotores no prazo indicado no número anterior é considerada como não objecção para a realização da reunião ou manifestação”.

O quadro fático de não resposta do governador provincial, no prazo de 24 horas, após a recepção da comunicação dos promotores da manifestação, conforme o n.º2 do art.º 7.º da Lei 16/91 de 11 de Maio, produziu o efeito jurídico de não objecção à realização da manifestação. Portanto, legalmente, a manifestação foi aceite, no dia 12 de Outubro de 2016.

Ressalve-se que este raciocínio enferma de um mal suicida. Isto é, parte do princípio de que Angola é o que não é, ou seja, um Estado de Direito Democrático. E como não é, o que conta é a lei fundamental do regime feudal e esclavagista: “Queremos, podemos e mandamos”.

Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente João Lourenço?

Folha 8 com Lusa

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