NÃO HÁ AK47 QUE MATE A (NOSSA) MEMÓRIA

Ter memória é, cada vez mais, uma chatice. Numa sociedade em que vale tudo, a memória deixou de ser uma mais-valia. Mesmo assim, o Folha 8 continua a pensar que ela é a solução para muitos problemas, mesmo quando aqueles que a enterraram nas latrinas da mesquinhez dizem que é um problema para a solução. Perdida que está, ou quase, a nossa esperança na sociedade formada e formatada pelo MPLA, o melhor é acreditar que a angolana ainda tem salvação… e continuar a luta.

Por Orlando Castro

Vem isto a propósito do que escreveu, em Fevereiro de 2002, o jornal sul-africano “The Star”. Dizia e bem que a morte de Jonas Savimbi constituiria uma “má notícia” para o MPLA (na altura presidido por José Eduardo dos Santos) por abrir o caminho para a paz e impedir o enriquecimento dos altos dignitários do regime angolano à “sombra” da guerra.

Cinco anos depois, o regresso à memória mostrava a verdade desta visão. Em editorial, na primeira página, o editor de política do principal diário sul-africano, Khatu Mamaila, citava a organização internacional “Global Witness” para sublinhar que a “escala de corrupção” era elevada em Angola e que a guerra tinha servido os interesses privados de responsáveis angolanos.

“O presidente angolano beneficiou imensamente com a guerra tornando-se num dos homens mais ricos do Mundo”, denunciava o editor sul-africano, antes de acusar José Eduardo dos Santos de embolsar três dólares por cada barril de petróleo produzido no país, e a sua mulher, Ana Paula, de ser uma das accionistas da maior empresa diamantífera angolana.

O “The Star” citava depois um jornalista angolano na África do Sul, João Filipe, a afirmar ser “irónico” que o maior inimigo de Jonas Savimbi “não esteja a celebrar a morte deste” e que “o Governo do MPLA utilizou a guerra como desculpa para o baixo nível de vida do seu povo”.

Nessa mesma altura, em Portugal, o líder do Partido da Nova Democracia, Manuel Monteiro, prestou uma “singela homenagem a um homem com um H muito grande”, dizendo que “pode ter morrido o homem mas não morreu a ideia”.

“O Dr. Savimbi era um homem de guerra mas fundamentalmente era um homem de convicções”, disse Manuel Monteiro.

Para Manuel Monteiro, “o MPLA pode pensar que venceu” mas “não venceu coisa nenhuma e a sua fraqueza revela-se porque tem que recorrer aos inimigos de ontem para lutar pelos seus interesses”.

“O percurso da UNITA foi absolutamente exemplar, e é talvez dos poucos casos raros no mundo e, nomeadamente, em África”, de uma transição de “movimento de guerrilha para estrutura partidária bem-sucedida”, afirmou João Soares por ocasião da morte em combate do fundador do partido, Jonas Savimbi, a 22 de Fevereiro de 2002, abrindo caminho ao fim da guerra civil em Angola.

Para esse “percurso exemplar” da UNITA contribuiu o trabalho de Isaías Samakuva, um “admirável líder”, afirmou João Soares, simpatizante do partido e antigo ministro da Cultura de Portugal.

Na opinião de João Soares essa transição, que “não foi fácil”, deve-se à figura de Isaías Samakuva, “um líder sereno, mas firme”, eleito logo no primeiro congresso do partido, após a morte de Savimbi.

Vários comentadores internacionais defendiam, há 20 anos, que a UNITA, um movimento de guerrilha que perdera o seu líder e a guerra, não tinha condições para se transformar num partido político angolano e “iria dividir-se numa série de bandos”, recordou João Soares.

Mas “o comportamento da UNITA, até do ponto de vista do funcionamento das regras democráticas, tem sido exemplar, e isso é que desespera o poder autocrático e cleptocrático do MPLA” (Movimento Popular para a Libertação de Angola, no poder), afirmou, lembrando que logo a seguir à morte de Savimbi, o partido realizou dois congressos e nestes “houve eleições disputadíssimas” para escolher uma liderança.

A UNITA, realizou depois outros congressos, mas Isaías Samakuva ganhou sempre a liderança, face a candidatos importantes como Lukamba Gato e Abel Chivukuvuku, continuou João Soares.

“Agora, quando decidiu sair, e muito bem”, a “liderança foi disputada por dois altíssimos quadros”, referindo-se a Alcides Sakala e Adalberto da Costa Júnior, que estiveram com Jonas Savimbi até ao fim, tendo sido eleito o último.

Por tudo isto, João Soares considera que Isaías Samakuva “foi um admirável líder da UNITA, sereno, firme e com princípios” e maior “prova que não deixou morrer” a alma do partido é que, “pelas suas próprias convicções democráticas, deixou a liderança do partido por vontade própria.

Do outro lado, no partido do poder, o cenário é diferente. “Onde é que no MPLA, em 46 anos de poder, já houve uma disputa pela liderança, nem que fosse a fingir, num congresso? Onde é que já houve votos a entrarem nas urnas para serem contados e não votos de braço no ar?” – acusou.

Quanto a Adalberto da Costa Júnior, o actual líder ganhou “de uma forma absolutamente limpa e com eleições transparentes e disputadas” e é hoje “um indiscutível líder”.

Em Angola, “nunca houve alternância de poder, porque nunca houve eleições livres. Porque, se tivesse havido eleições livres em Angola, obviamente que o MPLA já estava corrido do poder”, realçou.

“Não há nenhum caso no mundo em que se façam eleições democráticas e as mesmas pessoas que estão no poder há 48 anos, tantos quanto durou a ditadura do Estado Novo [em Portugal], de Salazar e Marcelo Caetano, se mantenham no poder. Essa é que é essa”, salientou.

“E o que o João Lourenço [actual Presidente de Angola] fez?” questionou. “Fez a manobra mais sórdida e mais pérfida que eu já vi fazer, que foi exigir a um tribunal, que é supostamente independente, que anulasse o congresso da UNITA. Já viu o que isto representa para uma sociedade que pretende ser democrática, anular o Congresso da UNITA?”, questionou.

Mas essa tentativa não resultou. O partido “teve que repetir o congresso e, é óbvio, que o Adalberto da Costa Júnior voltou a ganhar e ganhou com toda a clareza, como já tinha ganho da outra vez”, realçou.

Hoje, no seu entender, a UNITA é diferente do que era com Savimbi.

Porém, Savimbi, morto no Moxico há 22 anos, “era brilhantíssimo”, mas “tinha uma visão que não se encaixava” no regime. Savimbi tinha “uma visão que o país tinha de contar com as suas próprias forças, que tinha de privilegiar o trabalho do campo, a agricultura, tinha de produzir e não contar só com as riquezas naturais”.

“O drama de Angola é que nunca ouviu o Savimbi, porque ele não cabia naquela ladroagem. Nunca foi comprável. Essa é talvez a maior qualidade de Savimbi”, elogiou Soares.

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