MPLA COME DE CEBOLADA OS JORNALISTAS

Seis organizações angolanas, incluindo o Sindicato dos Jornalistas, apelaram hoje ao tratamento imparcial e isento dos assuntos por parte dos órgãos de comunicação social públicos em Angola, exigindo o fim da complacência e o cumprimento da legislação. A tese parte de um pressuposto errado. Esses órgãos são do MPLA e a parte pública refere-se exclusivamente ao dinheiro que os sustenta.

A tomada de posição conjunta é subscrita pelo Sindicato dos Jornalistas Angolanos, Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA) em Angola, Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, Mosaiko – Instituto para a Cidadania, movimento cívico Mudei e Observatório Político e Social de Angola (OPSA).

As entidades assinalam que a legislação angolana estabelece, de jure que não de facto, “uma sociedade plural e democrática onde os princípios de liberdade de imprensa e tratamento imparcial pelas instituições” estão consagrados (na Constituição da República de Angola (CRA), da Lei de Imprensa, da Lei dos Partidos Políticos e da Lei Orgânica das Eleições), o que não se tem verificado. E não se verifica porque, há 46 anos, que o MPLA é Angola e Angola é do MPLA.

“Há, infelizmente, demasiadas evidências de estarmos muito aquém da promessa que nos é dada pelo quadro legislativo e por várias declarações políticas”, afirmam as organizações, pedindo que se aplique e monitorize o cumprimento da lei.

E quem vai “monitorizar o cumprimento da lei”? O Presidente do MPLA, João Lourenço? O Presidente da República, João Lourenço? O Titular do Poder Executivo, João Lourenço? O Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, João Lourenço?

Lançam ainda um apelo para que se rompa “com a atitude de complacência em relação à evidente e sistemática parcialidade com que se faz a cobertura jornalística da actividade dos diferentes partidos políticos, das disputas laborais e dos diferentes atores políticos, sociais e outros, da sociedade”.

Mais um erro de palmatória. Se ninguém exige que o Departamento de Informação e Propaganda (DIP) do MPLA seja imparcial, porque carga de chuva querem exigir que, por exemplo, a TPA ou o Jornal de Angola o sejam, sabendo que estes são correias de transmissão das ordens superiores que partem do DIP?

O documento subscrito pelas seis entidades realça o desequilíbrio no tempo de antena dado, por um lado, a membros do Governo e do partido maioritário e, por outro, a sindicalistas (mesmo durante situações de greve), líderes ou activistas de partidos da oposição, e a outros membros da sociedade.

Apontam ainda a diferença na cobertura noticiosa das realizações do Governo e do partido que o sustenta, e as dos restantes partidos, sociedade e atores económicos.

“Noticiários em horário nobre são frequentemente utilizados para mediatizar – quase exclusivamente – a actividade governativa”, criticam, sublinhando ainda a tendência para realçar a criação de emprego e o combate à pobreza, em contraste com o tratamento dado ao desemprego e pobreza.

Apelam, por isso, a que todos sejam intransigentes em relação ao cumprimento da lei, bem como da deontologia profissional por parte dos responsáveis dos Órgãos de Comunicação Social públicos e intervencionados, dos responsáveis pelos organismos de tutela da comunicação social e líderes políticos.

Sugerem também medidas para melhorar a situação como a criação de conselhos de redacção independentes e idóneos, escolhidos na base do mérito e firmeza na denúncia sobre desvios à lei e recurso à acção legal, se necessário.

Além disso, incentivam os líderes políticos a encorajar o exercício autónomo da actividade jornalística e o contraditório, exprimido no âmbito da campanha eleitoral, as suas ideias para melhorar a qualidade e credibilidade da Comunicação Social pública.

Os subscritores do documento salientam que “cidadãos informados, conscientes e tolerantes” são essenciais na consolidação da democracia, apontando riscos para a sociedade quando esta é exposta ao papel destrutivo da desinformação, parcialidade e intolerância. Mas, pergunta-se, desde quando é que Angola é um Estado de Direito Democrático?

“Embora a exigência de uma Comunicação Social imparcial deva ser um imperativo permanente, num período eleitoral e pré-eleitoral, – onde estão em jogo escolhas que vão determinar a vida de todos e o destino do país — é fundamental que haja transparência, justiça e equilíbrio na cobertura dos eventos, posições e discussões”, sublinha as mesmas organizações.

Defendem, por isso, que “a comunicação social tem de ser um espaço de contraditório (com elevação) que ajude a que os cidadãos façam as suas escolhas de forma livre e informada”.

Atirar a pedra e esconder a pata

O Folha 8 escreveu no dia 19 de Junho de 2021, que o MPLA (sob aforma de Editorial do seu bordel televisivo, TPA) acusou a comunicação social portuguesa de ser um veículo de transmissão de uma campanha de desestabilização e “ingerência abusiva” em assuntos de outros Estados. No caso não se referiam a um Estado mas a um reino há quase 46 anos nas mãos do MPLA – Angola.

Por cá, no tal reino, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) mostrou-se preocupado com o tratamento de questões políticas nos órgãos de comunicação social públicos e privados e lamentou os “actos de censura” que se têm registado.

O posicionamento consta numa deliberação aprovada no VI Congresso do SJA, na qual o sindicato se manifesta preocupado com “a maneira como alguns órgãos de comunicação social públicos e privados têm estado a posicionar-se perante questões políticas, assumindo-se parte, violando deste modo a deontologia profissional bem como a Constituição, que impõe tratamento igual e imparcial”.

O Sindicato deplora também os actos de censura que (no reino) se registam em vários órgãos de comunicação social e recomenda aos jornalistas que “invoquem a cláusula de consciência quando são chamados a cobrir actos que violem a deontologia, reserva última para a credibilidade da profissão”.

“A liberdade de expressão exige um nível de responsabilidade acrescido e uma maior literacia mediática, que possibilite a cada cidadão distinguir o tipo de informação que consome. Produzir informação não é fazer jornalismo e, por si só, não faz do produtor de informação um jornalista”, afirmou por sua vez o Sindicato dos Jornalistas (SJ) de… Portugal.

Segundo o SJ, “neste contexto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas alertam para a proliferação de meios e formas de comunicação no meio digital que se apresentam como sendo órgãos jornalísticos não o sendo e que transmitem informação não verificada, sem fundamento científico e/ou sem qualquer independência face a interesses nunca revelados, porque nada os obriga a isso”.

“O jornalismo é uma actividade sujeita a escrutínio público e legal, que começa na formação do profissional e se desenvolve, na tarimba, diariamente, com alto grau de exigência técnica e ética, devendo o jornalista profissional cumprir o Código Deontológico dos Jornalistas e agir dentro do quadro ético-legal previsto no Estatuto do Jornalista, consolidado na Lei 1/99, de 13 de Janeiro. O desrespeito pelas normas que regem a actividade está sujeito a um quadro sancionatório regulado na lei, além da responsabilização ética, hierárquica e até judicial (em alguns casos)”, prossegue o SJ.

Assim, “dentro do cumprimento do quadro ético-deontológico, o jornalismo é a marca de água que distingue informação de desinformação, o contraste que autentica os factos face às falsificações que o contexto das redes sociais promove, não obstante o esforço de algumas em conter a pandemia da desinformação”.

“O jornalismo tem um papel fundamental no Estado de Direito e o seu compromisso é com a (busca da) verdade. Por isso a Constituição assegura o direito dos jornalistas às fontes de informação e à protecção da sua independência. A independência é um valor fundamental do jornalista e primeiro garante da veracidade da informação que produz”, diz o Sindicato dos Jornalistas… portugueses.

Conclui o SJ que, “posto isto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas condenam a usurpação do bom nome colectivo dos Jornalistas e apelam às autoridades competentes, nomeadamente à Procuradoria-Geral da República e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que investiguem e fiscalizem as condutas e os grupos que promovam a desinformação”.

Este texto, divulgado pelo SJ de Portugal, deve merecer a atenção do Sindicato dos Jornalistas de Angola, bem como de todas as entidades ligadas ao sector, começando pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, já que por cá é comum as organizações oficiais, e pelos vistos até mesmo o SJA, confundirem a obra-prima do Mestre com a prima do mestre-de-obras.

Desde quando (como é regra nos países que são Estados de Direito e democracias), com excepção dos órgãos de comunicação social públicos, os jornais, rádios e televisões privados “não podem posicionar-se perante questões políticas, assumindo-se parte”? Não só podem como devem assumir de que lado estão, informando disso os seus leitores, ouvintes ou telespectadores.

De facto, tal como em Portugal, em Angola (ou a partir de Angola, ou tendo como fulcro Angola) existe uma enxurrada de meios que se auto-intitulam de comunicação social (TPA, TV Zimbo, Jornal de Angola etc.) e que mais não são do que bordéis onde o dinheiro (roubado aos angolanos) compra tudo. Não é, aliás, difícil ver que são antros putrefactos de negócios que nada têm a ver com Jornalismo.

Por vontade do reino/MPLA, para além de Angola só precisar de ter um partido, também lhe basta a honorável existência do Jornal de Angola (do MPLA), da TPA (do MPLA) da RNA (do MPLA), da TV Zimbo (do MPLA). Por isso, para os altíssimos e divinais donos do país (“O MPLA é Angola e Angola é do MPLA”), jornalista bom é jornalista morto.

Convém, contudo, salientar que o Titular do Poder Executivo tem nesta matéria de ensinar os angolanos e, é claro, também os jornalistas, a viver sem comer. Certamente não lhe faltará o apoio do Presidente do MPLA e do Presidente da República. Os três esperam, aliás, que quando estiverem quase, quase mesmo, a saber viver sem comer, os jornalistas… morram.

Em Abril de 2020, (alguns) jornalistas angolanos, sobretudo de órgãos privados, manifestaram-se confiantes que a “situação crítica” do sector, agravada pela Covid-19, com “dificuldades para pagar salários”, seria ultrapassada, após reunião com o ministro que tutela a Comunicação Social sob indicação do Presidente João Lourenço.

“Esperamos que sim, porque este sinal que o Presidente da República, João Lourenço, deu pressupõe que sim, vamos acreditar que sim, que realmente os dias de aflição e dificuldades que vivemos sejam ultrapassadas”, afirmou na ocasião Teixeira Cândido, secretário-geral do SJA.

Falando à Lusa no final de uma reunião que mantiveram com o reputado e perito ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, o sindicalista observou que o actual cenário da imprensa privada angolana “é crítico e emergencial”.

Passados quatro meses, o SJA reiterava que a imprensa privada “vive dias difíceis, como nunca antes viveu” (antes era no tempo do marimbondo-mor, José Eduardo dos Santos), realidade semelhante à de outros países, razão pela qual “muitos decidiram apoiar a imprensa privada por reconhecer o seu papel estruturante para a promoção das liberdades e democracia”.

Mais de um ano depois, acredita-se que existam menos jornalistas em Angola. A situação foi de mal a… pior, muitos diplomaram-se em sipaios do regime, sem trabalho mas com emprego garantido e bem pago nas TPAs do MPLA, e outros terminaram sem êxito o curso superior de viver sem… comer.

A ingenuidade do SJA (embora louvável) reflecte a crença, muito bem disseminada pelo MPLA (o único partido que governou o país nos últimos 46 anos), de que Angola é aquilo que, de facto, não é: um Estado de Direito Democrático. E não o sendo, está-se nas tintas para que a liberdade de imprensa seja um pilar basilar da democracia.

Tudo normal. Nada como testar os limites dos que teimam em pensar com a sua própria cabeça, pondo a gerir o assunto os peritos que têm o cérebro no intestino e a coluna vertebral amovível. No final, o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, este ou qualquer outro, chegará ao pé do Titular do Poder Executivo e dirá, como esperado: “Patrão, quando os jornalistas estavam quase a saber viver sem comer… morreram”. E o patrão pedirá desculpa e oferecerá aos familiares certidões de óbito gratuitas.

Cremos (ingénuos que também somos) que a imprensa livre é de facto um pilar da democracia. O problema está quando, como é um facto no reino do MPLA, a democracia não existe, ou existe de forma coxa e apenas formal, numa reminiscência da União Nacional de Salazar ou, talvez, do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, de Hitler.

Folha 8 com Lusa

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