LADRÕES ESTÃO MAIS… CUIDADOSOS!

João Lourenço, líder do MPLA, admite que ainda há gestores (nomeados pelo MPLA) que mexem (roubam) no erário público angolano. Será que o Presidente da República e o Titular do Poder Executivo também admitem? Por alguma razão João Lourenço considera que, actualmente, os gestores têm mais cuidado, por saberem que “se forem apanhados não haverá impunidade”. Não diz que não roubam, diz apenas que têm mais cuidado quando roubam.

O líder do MPLA, partido no poder há 46 anos, admitiu esta terça-feira na província angolana do Cunene, que ainda há gestores públicos que mexem no erário, mas “não com tanto descaramento, com tanta falta de medo, como era no passado”. Também eles podem parafrasear João Lourenço quando diz que viu roubar, participou nos roubos, beneficiou dos roubos mas que não é… ladrão. E então se não é ladrão é o quê? É… Presidente do MPLA.

Segundo o também Presidente e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, nos cinco anos do seu mandato que agora terminam, foi feita “uma viragem radical no que diz respeito à gestão da coisa pública”.

A percepção dos angolanos, nomeadamente dos 20 milhões de pobres, é que de facto houve uma “viragem radical”. Assim, deixaram de roubar às segundas, quartas e sextas e passaram a roubar às terças, quintas e sábados. Ao domingo vão à missa.

“Não estou a dizer que não há gestores que mexem no erário público, não estaria a dizer a verdade se fizesse essa afirmação, temos de assumir que ainda há gestores que mexem no erário público, mas não com tanto descaramento, com tanta falta de medo, como era feito no passado“, referiu, numa intervenção de 50 minutos.

O líder do MPLA frisou que os gestores têm hoje mais cuidado, por saberem que “se forem apanhados não haverá impunidade”. Ou seja, repita-se, o Presidente não garante que os gestores (99,9% escolhidos pelo MPLA) não roubam. Só garante que eles têm mais cuidado. É obra!

“O grande mal do passado, não era só haver corrupção, haver roubo, porque às vezes quando a gente utiliza a expressão corrupção acaba por ser uma palavra bonita e como o acto em si não é bonito, temos de chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome, corrupção é roubo”, afirmou, sublinhando que mais grave do que haver corrupção “era a impunidade”.

“Ninguém fazia nada, o que acabava por encorajar outros a fazerem o mesmo. Neste mandato, demos passos importantes na luta contra a corrupção“, frisou. Nada como ser experiente na matéria, nada como ser um operacional, nada como comandar um “exército” que está há 46 anos no Poder.

João Lourenço, que falava na suposta qualidade de líder partidário, salientou que não se pode ainda manifestar satisfação total com os resultados alcançados, realçando que foram já recuperados muitos recursos, “mas não chega”.

“Precisamos de recuperar muito mais, mas sobretudo precisamos de criar mecanismos e criar a mentalidade dos nossos servidores públicos, de que o caminho certo não é o caminho da corrupção”, destacou.

De acordo com João Lourenço, com o dinheiro subtraído ilicitamente aos cofres do Estado no passado, várias infra-estruturas poderiam ter sido criadas, exemplificando o sistema de abastecimento de água que inaugurou, na segunda-feira, na localidade de Cafu, no Cunene, um investimento de mais de 130 milhões de dólares (118 milhões de euros), para (supostamente) combater a seca naquela região.

“Quantas barragens do Cafu poderíamos construir com os dinheiros já recuperados da corrupção e aqueles não recuperados, quantas barragens”, questionou. E questionou bem. Esqueceu-se, no entanto, de assumir se tem ou não uma quota na sociedade “Corrupção & MPLA, Lda.”.

“Esta barragem que inaugurámos custou cerca de 137 milhões de dólares, há pessoas que sozinhas roubaram cinco, seis, vezes mais do que isso. Então, dava para fazer quantos Cafu, nós precisamos de fazer aqui no Cunene quatro ou cinco Cafu, então já estavam feitos, com o dinheiro roubado por uma só pessoa”, disse com os decibéis da demagogia em elevada potência e perante uma audiência se sipaios voluntariamente amarrados, tal como nos tempos coloniais.

O líder do MPLA considerou absolutamente necessário combater a corrupção, tema que marcou em termos de prestidigitação mediática o seu mandato iniciado em 2017, tendo destacado que a luta contra este fenómeno não é apenas levada a cabo por si, mas por todos os cidadãos.

Angola, na era de João Lourenço, embandeirou em arco com o grande desígnio do combata à corrupção. A comunidade internacional juntou-se à festa. Ninguém se preocupou, ninguém se preocupa, em saber o que é e de onde vem essa corrupção que o Presidente diz querer combater com todas as suas forças.

Mas, na verdade, há pelo menos dois tipos de corrupção – a endémica e a sistémica. João Lourenço apostou todas as fichas na endémica, embora apresentando-a para consumo público como sistémica.

A endémica pode ser, grosso modo, exemplificada com o pagamento de gasosa a um polícia, a um funcionário público, a um médico. Ou seja, rotulou como grandes corruptos meia dúzia de adversários do mesmo clã (exclusivamente, próximos de Dos Santos), ou outros a ele ligados, fez parangonas disso e mostrou – falaciosamente – que está a combater a corrupção sistémica por via política quando, de facto, esta só pode ser combatida por via jurídica, antecedida da social e educacional.

A corrupção endémica é aquela que se mantém na sombra, na penumbra e que, quase como um camaleão, não é reconhecida pelo público como tal, escapando quase sempre até à análise da comunicação social. É nesse labirinto que joga João Lourenço.

Para levar a bom termo o seu desiderato de poder unipessoal, João Lourenço, injusta ou injustamente, está a ser acusado de ter comprado, subornado, corrompido, a nata que se julgava a “inteligentsia” do MPLA, nomeadamente os seus deputados, através de mordomias e avenças por baixo da mesa. Desta forma, a corrupção passou de endémica a sistémica (faz parte do sistema), alojando-se no centro da maioria do poder legislativo.

A corrupção em geral, mas muito mais a sistémica, atinge mortalmente o desenvolvimento social e económico do país, desviando de forma – como agora diz João Lourenço – mais cuidadosa (porque o Povo olha para a árvore mas não vê a floresta) os investimentos públicos que deveriam ir para a saúde, educação, infra-estruturas, segurança, habitação, aumentando a exclusão social da maioria e a riqueza de uma minoria ligada ao Poder.

Enquanto uma sociedade sã faz aumentar a riqueza e dessa forma diminuir a exclusão, uma que se sustenta na corrupção em geral e na sistémica e particular, não cria riqueza mas apenas ricos. É exactamente o que se passa no nosso país. Quando agentes públicos e privados, todos gravitando na esfera do MPLA/Estado, desviam milhões e milhões de dólares destinados à saúde, educação, saneamento, habitação e infra-estrutura, estão a trabalhar para os poucos que têm milhões e não para os milhões que têm pouco… ou nada. A corrupção está incrustada na nossa sociedade há 46 anos.

O filósofo Michel Sendel, professor da Universidade de Harvard, diz que ela é sistémica quando impregna os diversos sectores do governo, dos partidos, dos grande empresários e do poder judiciário. Exemplifica a endémica como aquela em que um estudante copia nos exames, ou do funcionário que pede uma factura com valor superior ao gasto, ou que foge ao pagamento de impostos.

Michel Sendel acrescenta, contudo, uma outra espécie de corrupção: a sindrómica. Esta é aquela em que o próprio Estado fomenta o comportamento corrupto na medida que impede um empresário de sobreviver se não subornar agentes públicos que criam dificuldades para vender facilidades.

Neste momento, a perseguição cega de castigar, prender e discriminar os ricos que estavam do lado de José Eduardo dos Santos (esquecendo alguns, como o próprio João Lourenço), atenta contra a estabilidade de emprego de milhões e afasta investimentos externos, avessos à instabilidade interna e à balbúrdia bancária. Mais grave em tudo isso é querer-se enveredar para uma reforma, tendo a corrupção no epicentro, amedrontando-se o dinheiro.

Quando um regime amedronta o dinheiro, a corrupção passa a actuar, com mais intensidade no submundo, atentando contra todos os direitos da maioria. Por outro lado, reconheça-se ser a actual estratégia (considerando ser estratégia) do presidente João Lourenço, a melhor forma de, honestamente, se dar razão ao músico e activista irlandês, Bob Geldof, quando, no dia 06.05.2008, em Lisboa disse: “Angola é um país gerido por criminosos. As casas mais ricas do mundo estão na baía de Luanda, são mais caras do que em Chelsea e Park Lane. Angola tem potencial para ser um dos países mais ricos do mundo, com potencial para influenciar as decisões da China. Estamos (os cidadãos europeus) a poucos quilómetros de África, como podemos não nos questionar?”

Hoje quando a indignação aponta que os corruptos e demais ladroagem está concentrada, num partido, apresentado como o que têm mais ladrões por metro quadrado no mundo, isso significa, ser exímio o projecto de João Lourenço, para num futuro próximo, talvez, nas próximas eleições gerais, os povos, não continuem a votar, num bando de criminosos ou numa quadrilha, que diante da imparcialidade, não haverá lugar, nas fedorentas masmorras do próprio regime.

É preciso ponderação de todas as partes, para que o país não resvale, para uma nova confrontação, onde os ricos com necessidade férrea de defender o património, sejam compelidos a despedir massivamente e encerrar empresas, causando um caos social de repercussões incalculáveis.

Folha 8 com Lusa

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