EM LIBERDADE MAS DE BICO CALADO

O Tribunal Supremo de Angola concedeu liberdade condicional ao ex-ministro dos Transportes Augusto Tomás, que fica obrigado a residir em Luanda e a pagar o total da indemnização a que foi condenado. Numa das audiências, Augusto Tomás disse: “Às vezes as pessoas confundem a essência com a aparência”…

No acórdão do Tribunal Supremo, datado de ontem, é concedida “a liberdade condicional ao recluso Augusto da Silva Tomás, pelo tempo que resta para o cumprimento da pena de cinco anos, três meses e 22 dias de prisão”.

A pena de Augusto Tomás – condenado pelo Tribunal Supremo em Agosto de 2019, a 14 anos de prisão maior, no âmbito do julgamento do conhecido “caso do Conselho Nacional de Carregadores” (CNC), pena que foi reduzida pelo plenário do Tribunal Supremo a sete anos e um mês de prisão – termina no dia 10 de Janeiro de 2024, lê-se no acórdão.

Até lá, o ex-ministro terá que “cumprir as seguintes obrigações: residir nesta cidade de Luanda; pagamento total da indemnização a que foi condenado, no mesmo prazo”.

A defesa de Augusto Tomás solicitou a liberdade condicional, por o ex-ministro ter cumprido metade da pena que lhe foi imposta, tendo a Direcção-Geral do Serviço Prisional dado parecer favorável.

O antigo ministro dos Transportes encontra-se detido desde o dia 21 de Setembro de 2018, pelo que atingiu o meio da pena no dia 2 de Abril deste ano.

Augusto Tomás foi ministro dos Transportes de Angola entre 2008 e 2017, e respondeu em tribunal pelos crimes de peculato, de violação das normas de execução do plano de orçamento sob forma continuada, de abuso de poder sob forma continuada e de participação económica.

O antigo ministro dos Transportes foi absolvido dos crimes de branqueamento de capitais, associação criminosa e de crime de participação em negócio, por falta de provas.

Recorde-se que o juiz Daniel Modesto Geraldes deu pistas inquisitoriais reluzentes ao considerar, no dia 27 de Setembro de 2022, criminoso o cidadão Augusto da Silva Tomás, para negar a concessão de Liberdade Condicional, por cumprimento de metade da pena, ao abrigo do Proc.º n.º 02/19 – Tribunal Supremo, que o condenou à 7 anos e um mês de prisão.

Eis o douto “veredicto” do juiz Daniel Modesto Geraldes:

“Dito isto, a libertação deste tipo de criminosos a meio da pena não se mostra de todo compatível com a paz social e tranquilidade públicas que se exige para a concessão da liberdade condicional. Mais, diremos que consideramos as penas demasiado brandas e será tempo de o legislador olhar para esta criminalidade de forma mais consciente, seja nas molduras penais que deveriam ser mais severas, seja neste tipo de benefícios que se deveriam verificar cumprida que estivesse 5/6 da pena, para se evitar a sensação tão ouvida por parte do povo em nome de quem administramos a justiça de que “afinal o crime compensa.

Assim e nos termos expostos decido negar a liberdade condicional ao requerente”.

Importa relembrar, como o Folha 8 fez no passado dia 12 de Outubro, que o “veredicto” Daniel Modesto Geraldes encerra uma linguagem abjecta, torpe e soez, que deveria navegar, apenas nos esgotos da escumalha mafiosa, por atentar contra os normativos de um direito, contra tratamento degradante: “Ninguém pode ser submetido a tortura, a trabalhos forçados, nem a tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes”, art.º 60.º CRA (Constituição de Angola), norma assente nos marcos da humanização, imparcialidade, liberdades, democracia.

O juiz Daniel Modesto Geraldes denotou, a céu aberto, ter questões pessoais, contra este preso (Augusto Tomás) em particular, tomando “sentença adesão”, com a severidade das decisões aplicadas, em clara violação do art.º 158.º CPC (Código do Processo Civil). Primeiro, estando o arguido, em prisão domiciliar, através de mandado judicial, com controlo e vigilância da Polícia Prisional, por ter contraído COVID-19, inusitadamente, num dia, o juiz emite um mandado de busca e captura, publicitando-o nos meios de comunicação social públicos, quando o mesmo estava localizado e sob protecção policial, que nunca comunicou fuga do arguido, tudo para macular a sua honra.

Uma postura que nem o estado de guerra, de sítio ou de emergência compagina, a perca de direitos, vide, alíneas d) e f) do n.º 5 do art.º 58.º CRA.

Segundo, é bizarria jurídica catalogar, um preso na marginalidade do objecto de ressocialização, conotando-o de criminoso, violando artigos constitucionais, sombrinhas dos direitos fundamentais, art.º 36.º CRA: “2. Ninguém pode ser privado da liberdade, excepto nos casos previstos pela Constituição e pela lei. 3. a) O direito de não ser sujeito a quaisquer formas de violência por entidades públicas ou privadas; b) O direito de não ser torturado nem tratado ou punido de maneira cruel, desumana ou degradante”.

A violação dos direitos fundamentais, é um crime e, ninguém tem o livre arbítrio, mesmo escondendo-se por detrás de uma toga preta, de catalogar outrem de criminoso, sem fundados elementos probatórios.

Ademais, no caso em concreto, não em outros eventuais ilícitos, mas no do CNC (Conselho Nacional de Carregadores), o acórdão para além de sofrível, denota, uma conflitualidade conceitual, insanável.

No passado dia 4 de Junho de 2019, o ex-ministro dos Transportes disse que o seu julgamento estava envolto em “outros factores” ligados a funções antigas que exerceu, que resultaram no desmantelamento de redes mafiosas em portos e aeroportos do país.

Porque será que o se esperava ser um tsunami não passou, até agora, de uma pequena calema, e Augusto Tomás não pôs a boca no trombone, preferindo antes meter o instrumento na mala?

Augusto Tomás negou a maioria das acusações feitas, salientando que tudo o que fez, nomeadamente a aquisição de participações em sociedade privadas, o frete de aviões, o pagamento de despesas com funcionários do Ministério dos Transportes, como subsídios de alimentação, assistência médica no exterior do país, e outros fora do ministério, o pagamento de facturas de telecomunicações, foram todos realizados com conhecimento e autorização das autoridades e para suprir falhas orçamentais que se verificaram sobretudo a partir de 2014.

O ex-governante admitiu que as despesas foram feitas para o Ministério dos Transportes e “não para o cidadão Augusto Tomás e sua família”, sublinhando que nunca fez uso desse tipo de práticas em toda a sua vida e não tem necessidade de fazer isso.

Para Augusto Tomás, a sua presença em tribunal tinha a ver com funções que ocupou num passado recente, designadamente quando foi nomeado, em 2007, secretário de Estado para as Empresas Públicas.

Segundo Augusto Tomás, sempre defendeu, desde 1995, que era necessário uma reestruturação das empresas públicas, que considerava “um dos fundamentais buracos da economia angolana”, pelo seu funcionamento irregular e deficitário.

Já como secretário de Estado, contou que começou a trabalhar para o diagnóstico económico e financeiro das empresas públicas estratégicas mais importantes, nomeadamente a Sonangol, petrolífera estatal, a Endiama, diamantífera do Estado, bancos públicos.

“É assim que eu saio deste órgão. Quando começamos a meter o dedo na ferida surgiram anticorpos contra a minha pessoa, é assim que este órgão é extinto e eu vou parar ao Ministério dos Transportes, como ministro dos Transportes”, explicou.

O sector dos transportes é o que tem mais empresas públicas, pelo menos 14 empresas e sete institutos, avançou Augusto Tomás, sublinhando a magnitude do sector que é transversal ao desenvolvimento da economia do país.

O antigo ministro dos Transportes disse que reestruturou as empresas públicas, criando um modelo de governação de duas camadas, de gestores executivos e não executivos, e criando um sistema de monitorização dos indicadores de gestão, recursos humanos, económicos e financeiros e técnicos operacionais.

“Em função disso criámos de facto problemas sérios, tendo em conta que, como é de domínio público, havia um congestionamento portuário de cerca de 90 navios encalhados no Porto de Luanda, com despesas diárias por navio de 25 mil dólares, com despesas anuais de mais de 2,5 mil milhões de dólares, que revertiam para a população em geral e era necessário desmantelar essa rede mafiosa que era dirigida pela máfia do shipping internacional”, referiu.

“E o senhor Augusto Tomás foi escolhido para liderar essa luta e desmantelamos essa rede em menos de três meses. Porque Angola tinha o frete mais caro do mundo, como Angola tem o combustível mais caro de aviação do mundo”, acrescentou o réu, realçando as várias diligências internacionais feitas, com Angola a acabar por aderir a Convenções internacionais em relação à aviação civil.

Para evitar que o aeroporto internacional de Luanda fosse parar à lista negra e Angola visse inviabilizada a sua aviação civil, Augusto Tomás lembrou que foi necessário “tomar medidas bastante duras”.

“É lógico que tivemos que meter no chão, por exemplo, 12 companhias aéreas de ministros de Estado, de generais e de ministros, foi necessário também nessa altura tomar medidas para reverter o quadro anormal que havia no aeroporto de Luanda. Impedir que as pessoas que tinha as companhias aéreas fossem com as suas viaturas até aos aviões. Fechámos 17 entradas, com betão, no aeroporto de Luanda e um colega general ameaçou explodir o aeroporto de Luanda. O Presidente José Eduardo [dos Santos] disse: eles pensam que eles é que mandam”, contou.

Sobre estes detalhes que avançou em audição, Augusto Tomás disse que foram apenas “para dar a entender quem é a pessoa que neste momento está a ser julgada”.

“Porque há outros contornos à volta da minha prisão. Portanto, não é por acaso que eu permaneci dez anos no Ministério dos Transportes, porque é uma luta titânica de uns contra gigantes, é lógico que tinha que terminar assim”, disse.

Ao terminar, Augusto Tomás recorreu a um adágio de Cabinda, de onde é natural, para dizer que “às vezes as pessoas confundem a essência com a aparência”.

“O papagaio tem o bico preto, o sardão tem o bico vermelho, há dendê e quem come o dendê é o papagaio, mas quem tem o bico vermelho é o sardão, quer dizer que por vezes as aparências iludem”, referiu.

Folha 8 com Lusa

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