ELES COMEM E MATAM TUDO

O secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido, considerou hoje que os profissionais da comunicação social estão a ser “atacados”, anunciando uma marcha de repúdio para o dia 17 deste mês. E logo se verá qual será a próxima escala dos atacantes. Entretanto, o representante do SJA na ERCA – Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (órgão dominado pelo MPLA), Reginaldo Silva, considerou hoje que “pode estar a haver um agravamento dos condicionamentos da liberdade de imprensa”.

Teixeira Cândido deu conta, em conferência de imprensa, da ocorrência de dois assaltos este ano, ambos em circunstâncias por esclarecer, tendo nas duas acções sido furtado o computador principal do SJA, com a base de dados.

Segundo o sindicalista, foi feita participação ao Serviço de Investigação Criminal (do MPLA) no primeiro assalto, contudo, no “sábado, dia 3 de Dezembro, a sede do sindicato voltou a ser assaltada e dela levaram curiosamente o mesmo computador”.

“E mais uma vez não há sinais de arrombamento da porta, o cadeado que assegura a primeira porta estava aberto, estava no chão, sem que tivesse sido arrombado, estava tudo intacto, e levaram o computador”, referiu.

Teixeira Cândido frisou que a fechadura, comprada num mercado e não numa loja “exactamente de propósito” por suspeita, foi trocada há 15 dias, acrescentando que a sede do sindicato está junto do Ministério do Interior, no terceiro andar de um prédio com vários moradores.

O responsável sindical contou que dois outros jornalistas de um órgão de comunicação social angolano e outro estrangeiro foram igualmente assaltados este ano e foram furtados os computadores.

“Para o Sindicato dos Jornalistas Angolanos, a situação provavelmente seria episódica, seria eventualmente uma situação de menos importância não fosse o facto de, em Março deste ano, outros jornalistas terem sido assaltados nas mesmas circunstâncias e das suas residências terem levado computadores”, frisou.

Teixeira Cândido salientou que, em Março, o jornalista e director do jornal Expansão, João Armando, viu a sua casa assaltada, à noite, quando se encontrava a dormir, tendo os assaltantes levado dois computadores.

“Disse o colega João Armando que tinha no seu escritório outras coisas de valor, tinha jóias, mas a intenção parecia que era só os dois computadores. A nossa colega da Lusa, Raquel Rio, também viu assaltada a sua casa em Março e da sua casa levaram também apenas só o computador”, relatou.

De acordo com Teixeira Cândido, outro colega da rádio MFM, Romão de Jesus, depois de ter recebido um telefonema anónimo, em que proferiram ameaças, foi assaltado quando saía da redacção para a paragem e levaram o computador.

Depois do primeiro assalto, Teixeira Cândido disse que recebeu uma mensagem na qual perguntavam se tinha percebido o aviso que lhe tinham dado.

“Estamos aqui na presença de um acto que obviamente traduz uma prática que não pode ser um crime de oportunidade, porque o objecto é apenas o computador e só a casa dos jornalistas é que tem sido assaltada”, sublinhou.

O secretário-geral do SJA disse que na manhã de hoje o SIC esteve na sede do sindicato, “mas a direcção do Sindicato dos Jornalistas Angolanos entendeu que vai fazer uma marcha de repúdio este sábado a uma semana para protestar contra quem quer que seja”.

“Porque entendemos que a nossa actividade é legal, o exercício do sindicalismo está na Constituição e a nossa actividade é transparente, é pública, o que nós defendemos é a liberdade de imprensa, porque sem liberdade de imprensa não existimos enquanto profissionais. É verdade que a par disso defendemos condições sociais dignas, mas o nosso escopo fundamental, fundador da nossa identidade, que nos identifica, é a liberdade de imprensa”, observou.

Teixeira Cândido considerou que a actividade sindical “não está fácil”, relatando os casos de outros sindicalistas, nomeadamente dos sindicatos dos médicos e do tribunal supremo, que sofreram represálias, situações que representam “o condicionalismo que o sindicalismo está a atravessar”.

“Para nós não há outra leitura, são vários colegas a sofrerem o mesmo assalto e entendo que sim, estamos a ser atacados. Continuo a manter a fé nos meus colegas que trabalham no sindicato, até que o serviço de investigação nos diga o contrário”, salientou.

PODE-SE CONDICIONAR O QUE NÃO EXISTE?

O representante do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) na Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), Reginaldo Silva, considerou hoje, em Luanda, que “pode estar a haver um agravamento dos condicionamentos da liberdade de imprensa”.

Reginaldo Silva, que participou na conferência de imprensa promovida pelo SJA, referiu que na plenária de quarta-feira da ERCA levantou a questão dos assaltos à sede do SJA, bem como outras preocupações.

“Nós achamos que sim, que efectivamente há que prevenir esse tipo de situações, não podemos no contexto angolano – e sabemos muito bem do que é que estamos a falar – no contexto de um país chamado Angola, nós de facto temos de ter alguns cuidados”, frisou.

O jornalista e membro do conselho directivo da ERCA (sucursal do MPLA) frisou que, particularmente, sente “que efectivamente pode estar a haver algum agravamento dos condicionamentos à própria liberdade de imprensa”.

“Isto para mim ou para nós é que é mais importante. Efectivamente, nós temos um compromisso muito grande com a liberdade de imprensa. A própria ERCA tem este dever de assegurar a liberdade de imprensa e a livre circulação da informação”, destacou.

Para Reginaldo Silva, a ERCA também tem que se pronunciar sobre esta situação: “A minha informação foi feita com base nos factos que eu tenho conhecimento e outros, lamentavelmente não tivemos na sessão plenária da ERCA nenhuma outra reacção para além do ‘tomamos nota’, o que me pareceu muito pouco para a informação que eu prestei aos conselheiros da ERCA, seja como for era importante que a ERCA fosse posta ao corrente desta informação”, salientou.

Além da questão dos computadores, prosseguiu Reginaldo Silva, preocupa o assunto, enquanto sindicato, “da própria liberdade de imprensa, que neste momento está” a ser “muito condicionada a nível do espaço digital”.

“Hoje estamos preocupados com a media ‘online’, porque de facto também sentimos da parte do poder político um excesso de controlo, de verificação, em intervenções que foram feitas – policiais mesmo -, falo do caso do Camundanews, falo de outras notificações e começamos a sentir que há uma espécie de cerco que se está a apertar à volta da media ‘online'”, referiu.

Reginaldo Silva realçou que até antes das eleições vários projectos ‘online’ foram notificados para esclarecimentos, mas depois da parte da tutela, particularmente o Governo, “não esclarece exactamente que tipo de legalização é preciso”.

De acordo com Reginaldo Silva, da parte da ERCA não tem havido qualquer intervenção neste tipo de abordagem e “numa situação democrática normal, a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana devia ser tida e achada nestes processos até de legalização, se de facto é isto que se trata”.

“É aí que eu acho que nós neste momento também estamos bastante preocupados, é que há uma necessidade de burocratizar excessivamente a intervenção dos jornalistas do espaço ‘online’, já não digo da rádio, os jornais físicos também estão em crise, mas o espaço ‘online’ através ou a coberto da necessidade de legalizar ou de regulamentar, o Governo está a tentar condicionar”, referiu.

“Foram estas preocupações que eu coloquei na plenária da ERCA, na última quarta-feira, e reitero aqui, lamentavelmente, não obtive na plenária mais do que ‘tomamos nota’, o que não nos impede de continuar este tipo de intervenção que estamos aqui hoje a fazer, enquanto Sindicato dos Jornalistas Angolanos”, afirmou.

O jornalista chamou atenção para o excesso administrativo na legalização da actividade jornalística, realçando que ao longo dos últimos cinco anos muitos projectos desapareceram, ao nível sobretudo do audiovisual.

“De facto nós sentimos que é um ataque através deste tipo de argumento, mas para destruir canais independentes. Os canais públicos estão a crescer, públicos, para mim [são] governamentais, vimos agora o surgimento de uma rede nova, que é a rede Girassol, eu não sei de quem é a rede Girassol, a ERCA até agora não foi informada sobre quem são os proprietários da rede Girassol, de repente já tem tudo, já está na televisão, nas plataformas de distribuição de programas, sem qualquer problema e os outros projectos são dificultados”, apontou.

TER MEMÓRIA DÁ RAZÃO À FORÇA DA… RAZÃO

Há dez anos, “Media silenciados e opositores reprimidos” foi o título de um Artigo de Louise Redver, da IPS, publicado no Esquerda.net (16 de Março de 2012), e que agora reproduzimos “ipsis verbis”. E fazemo-lo porque sabemos que se o Jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil, sendo que se sabe o que se passa e se cala é um criminoso. E na equipa do Folha 8 não há lugar para imbecis e/ou criminosos:

«Activistas pelos direitos humanos alertam para a deterioração do clima político em Angola, após o raide policial ao jornal “Folha 8” e os ataques contra manifestantes da oposição no fim-de-semana passado.

«No dia 12, dois computadores foram apreendidos nos escritórios da Folha 8, uma das poucas publicações privadas críticas do governo. A polícia tinha ordem para investigar “crimes de ultraje contra o Estado”. O fechamento do jornal e o interrogatório de seu editor, William Tonet, que também teve confiscada a bateria do seu telemóvel, aconteceram 48 horas depois que jovens angolanos tentaram realizar manifestações em Luanda e na cidade costeira de Benguela.

«As marchas foram convocadas para protestar contra as irregularidades no processo eleitoral, entre elas a nomeação de um membro do partido do governo para dirigir a Comissão Nacional de Eleições. Apenas umas dezenas de pessoas se reuniram em cada cidade, mesmo assim não foi permitido que nenhum protesto completasse o caminho previsto. Em Benguela, polícias fortemente armados dispersaram os manifestantes e fizeram várias prisões. Em Luanda, onde nos dias anteriores houve relatos de rusgas em domicílios e ameaças aos organizadores, grupos armados não identificados realizaram ataques de rua contra os activistas, com saldo de várias pessoas seriamente feridas.

«”Estamos especialmente preocupados com o que ocorre em Angola, porque este é um ano eleitoral, no qual as pessoas devem ter direito de se expressar livremente”, afirmou Lisa Rimli, da Human Rights Watch. “As pessoas não podem realizar manifestações públicas, o que é seu direito segundo a Constituição, e o facto de os jornais privados serem atacados também é muito preocupante”, acrescentou esta pesquisadora para Angola da HRW, organização humanitária com sede central em Nova York. Rimli disse estar especialmente alarmada pelo tipo de violência cometida contra os manifestantes. “Os atacantes estavam armados e batiam nas cabeças das pessoas. Foi muita sorte ninguém morrer”, acrescentou.

«A Polícia Nacional angolana responsabilizou pela violência grupos armados rivais e “vândalos”, e um porta-voz prometeu completa investigação dos fatos. Em Luanda começou a circular um panfleto de um suposto grupo juvenil assumindo os ataques e dizendo que seu objectivo era fazer “respeitar as eleições” e preservar a paz. Porém, Luaty Beirão, um popular rapper angolano que organizou a marcha em Luanda, e que foi atingido na cabeça, declarou que ele e seus amigos foram atacados, na verdade, por membros mascarados de uma força bem treinada.

«“Logo que chegamos ao local do encontro pudemos ver um grupo de pessoas batendo ao acaso, e vieram até nós nos provocando para lutar”, contou Beirão à IPS. “Como nos negamos, mudaram o tom e disseram que se fôssemos embora e cancelássemos a manifestação nos deixariam em paz. Também nos negamos e, então, vieram para cima da gente. Só lembro de ter recebido um golpe na cabeça e cair no chão, e depois ouvir vários disparos para o ar”, acrescentou.

«Beirão, de 30 anos, que recebeu vários pontos na cabeça, disse que “a polícia não estava em parte alguma, e pela forma como fomos cercados era possível ver que sabiam o que faziam, não eram arruaceiros comuns”. A poucos quilómetros de distância, o secretário-geral do pequeno partido de oposição Bloco Democrático, Filomeno Vieira Lopes, que se dirigia ao local do protesto, também foi atacado e levado a um hospital com ferimentos na cabeça e no braço.

«“Considerando que 2012 é um ano eleitoral, estes acontecimentos são realmente preocupantes”, disse Sizaltina Cutaia, do escritório angolano da Iniciativa por uma Sociedade Aberta para a África Austral. “Nos revelam a situação em que está a participação política em Angola, onde a liberdade de reunião e manifestação é sistematicamente negada aos cidadãos. Trata-se de uma verdadeira ameaça à democracia”, afirmou.

«Até agora, os protestos políticos eram raros em Angola. Poucos se atreviam a criticar as autoridades por medo de perder seus empregos ou a pouca estabilidade conseguida desde que, em 2002, terminou a guerra civil que durou três décadas. Entretanto, desde Março do ano passado movimentos de jovens começaram a sair às ruas exigindo uma distribuição equitativa dos dividendos da paz neste país rico em petróleo, e em resposta à debilidade da oposição no parlamento.

«Além de se queixarem da desigualdade e da má qualidade dos serviços públicos, os jovens pedem a renúncia do presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 32 anos e que comanda o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), que governa o país desde sua independência, em 1975. “Para nós, o grande problema é Santos. Tem que ir embora”, disse Beirão. “Queremos que renuncie. Trinta e dois anos é muito tempo para um homem governar um país. A juventude está farta do que ocorre aqui. As pessoas podem fingir que está tudo bem, mas não está. Nosso país não é governado de forma adequada, não há investimento em saúde nem em educação, e muitas pessoas estão sofrendo”, destacou.

«Angola é uma das economias de crescimento mais rápido na África. A previsão é que seu produto interno bruto cresça 12% este ano. Metade da população, no entanto, permanece na pobreza e sem acesso a água potável, e o país tem uma das taxas de mortalidade infantil mais altas do mundo: uma em cada cinco crianças morre antes de completar cinco anos. “As pessoas sabem que as coisas não estão bem, mas têm muito medo de perderem empregos e famílias”, explicou Beirão, cujo pai foi membro do MPLA. “Para mim, os que se mantêm em silêncio simplesmente são cúmplices das injustiças que acontecem aqui”, ressaltou.»

Folha 8 com Lusa

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