“ACEITAR É UM CRIME CONTRA O POVO”

O activista Luaty Beirão avisou hoje todos os deputados eleitos nas eleições de 24 de Agosto em Angola que aceitarem os seus mandatos “é serem cúmplices de um crime contra o povo angolano”.

A mensagem, “Caros candidatos de todos os partidos, aceitarem os mandatos é serem cúmplices de um crime contra o povo angolano”, escrita a branco sobre fundo negro, – foi hoje publicada pelo activista na sua conta na rede social Twitter.

Na sua publicação, Luaty Beirão defende que “um político aceitar um mandato nestas condições é resignar-se à suspeição, à injustiça e, acima de tudo, aceitar que foi eleito, não pelo povo angolano mas pelo MPLA, pela CNE e pelo Tribunal Constitucional, consumando uma traição à vontade do povo angolano, o Soberano, recusando-lhe o direito de ter a paz de, finalmente, ver os seus votos contarem”.

Em declarações à Lusa, Luaty Beirão defendeu que recusar assumir os seus mandatos é “a única coisa coerente” que podem fazer os deputados que alegam que o processo eleitoral foi viciado.

Segundo a acta de apuramento final das eleições gerais de 24 de Agosto, devidamente elaborada (mesmo antes de serem conhecidos os resultados finais) pela CNE com a concordância do Tribunal Constitucional, o MPLA e o seu candidato, o Presidente cessante, João Lourenço, venceram com 51,17% dos votos, seguindo-se a UNITA com 43,95%. Com estes resultados, o MPLA elegeu 124 deputados e a UNITA 90 deputados, quase o dobro das eleições de 2017.

A UNITA, que não reconhece os resultados “por serem contrários à vontade expressa pela maioria dos eleitores nas urnas”, e a Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), que não elegeu qualquer deputado, contestaram judicialmente os resultados, mas o Tribunal Constitucional – cumprindo ordens expressas do MPLA – negou provimento aos recursos e validou, na semana passada, os resultados definitivos das eleições.

Alguns partidos na oposição manifestam-se divididos sobre se vão ou não assumir os seus mandatos, enquanto a UNITA está a considerar “todos os cenários”, admitindo tomar posse no parlamento angolano.

Embora reconhecendo ser “um bocadinho sem grandes esperanças” de que o seu recado hoje publicado tenha algum efeito, Luaty Beirão disse tratar-se de uma forma de exteriorizar a sua opinião pessoal “enquanto cidadão preocupado com os destinos deste país”.

“A única coisa coerente de quem alega até ao fim que o processo todo foi viciado e que os resultados não são aqueles que estão a ser apresentados oficialmente (…) é não legitimar esses resultados com a sua presença em instituições de brincadeira, instituições falseadas por esses mesmos resultados”, sublinhou o activista.

Na sua opinião, após não assumirem os seus mandatos, os partidos devem ter “estratégias de luta democráticas que infernizem a vida” ao Presidente e ao Governo por ele nomeado.

“É tornar tudo ilegítimo e fazer mobilizações para greves, manifestações permanentes a cada lei aprovada, a cada decreto que saia, a cada uso do erário feito, tudo deve ser contestado permanentemente todos os dias, até que se torne inviável governar”, defendeu, sublinhando que essa contestação deve ser “sempre pacífica” e sem “nunca recorrer a meios e a expedientes que acabem por contrariar o espírito da não-cooperação”.

Questionado sobre se isso não iria paralisar o país, Luaty Beirão disse que “a ideia mesmo é que o país tem de ser paralisado”.

“O país tem que ser paralisado, porque isto não é um país, isto é fantasia. E se nós queremos sair da fantasia, é preciso que haja coragem e os partidos são instrumentos ao serviço de uma vontade popular e eles melhor do que ninguém têm as ferramentas, a maquinaria e estrutura para fazer esse tipo de exercício”, argumentou.

Defendendo que a sociedade civil angolana “é muito frágil” e “não tem poder convocatório” pelo que “terceiriza essa responsabilidade para partidos políticos”, Luaty Beirão lamentou que estes aceitem essa responsabilidade “até ao momento em que são postos na linha de fogo”.

“Quando chega ao momento de tensão, o momento de correr riscos, tiram corpo e vão para o caminho mais confortável (…) porque não são dispostos a enfrentar o combate necessário” para expor “a fraude que é toda esta democracia fingida”.

O activista afirmou que o processo eleitoral “tinha tudo para ser contestado” antes mesmo do dia 24 de Agosto, e lamentou que os partidos que o contestaram tenham embarcado nele, “arrastando com eles as pessoas e fazendo crer que iriam defender a democracia” até às últimas consequências.

Um dos cenários que se coloca à oposição, nomeadamente à UNITA, é o da política de “Cadeiras Vazias”, que pode ser uma arma poderosa no plano político. Só falta saber se Adalberto da Costa Júnior e os outros dirigentes da Frente Patriótica Unida terão coragem para tal. Têm a força da razão mas o MPLA tem a razão da força.

Lazarino Poulson, jurisconsulto e docente universitário, entende que, “a UNITA tem, segundo os “resultados definitivos” divulgados pela CNE, uma percentagem considerável (43%) – que coloca uma pressão política sobre o partido no poder e, por outro, essa percentagem representa quase metade dos eleitores que votaram nas eleições de 24 de Agosto”, pelo que “a ausência dos deputados eleitos pela UNITA na Assembleia Nacional constituirá um duro golpe à credibilidade das instituições democráticas angolanas”.

“A legitimidade dos dois órgãos de soberania ocorridas nas eleições gerais — Presidente da República e Assembleia Nacional – ficariam seriamente afectadas se esse for o caminho de protesto do partido do Galo Negro e dos seus parceiros que formam a Frente Patriótica Unida (FPU)”, opina Lazarino Poulson, salientando que “com essa atitude, a UNITA e a FPU estariam a ser coerentes com as suas reivindicações eleitorais e melhor colocados ficariam para operarem eventuais pressões políticas e sociais sobre o partido no poder”.

Neste cenário, diz Lazarino Poulson, “a luta política far-se-ia por duas vias: a primeira seria a do diálogo que poderia terminar em acordos, e a segunda seria pela via das manifestações e instabilidade política que desembocaria na violência e repressão e ou em uma “revolução”, como observamos em outras geografias”.

“Em todo caso, a eventual ausência dos deputados eleitos pela UNITA na Assembleia Nacional seria um recuo democrático e contrário aos cânones do Estado de Direito, mas também representaria um capital político com relevância diplomática que não se poderia ignorar”, afirma Lazarino Poulson.

Recorde-se que activistas das associações que integram o Movimento pela Verdade Eleitoral (Mover) exortam os deputados a não tomar posse, para não serem declarados “traidores da vontade colectiva”.

Folha 8 com Lusa

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